Agora, nos anos que me restam, só falta o maior dos desafios, ajudar a encaminhar o Brasil
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Hoje é o baile de formatura da caçula Dodó, a Dorinha, a Dora Rainha do Frevo e do Maracatu. Confesso que lá atrás, quando as caçulas nasceram, eu já com meus quase 50 anos, me metendo em guerras homéricas, meu maior receio era não ter condições de garantir a elas ao menos um diploma universitário.
Agora, encerra-se um ciclo com a formatura da caçulinha. E, no baile de formatura, com a presença de todas as irmãs, as mais velhas, e as minhas menininhas – Dodó, Bibi e a neta Cacá, da mesma idade delas.
Quando me separei do segundo casamento, durante bom par de anos tirei todos os finais de semana para minhas menininhas. No sábado, entrávamos no carro e saíamos pelo mundo, pelas vielas de São Paulo, em viagens a Poços de Caldas, em algum hotel do interior. Havia uma série de rituais, o mais comum era eu berrando “onde estamos?” e elas, em coro: “perdidos”.
Ou então cantando o Hino da Banda do Colégio Marista de Poços, o “Quinquinquero” – que, depois, descobri, ser o hino dos alunos do XI de Agosto. Ou então, cantando marchinhas antigas, uma pegando no pé da outra.
Para a Bibi, valia uma marchinha antiga, “Fon Fon”: “Minha buzina, não tem bom tom / Eu gosto mais da que faz assim (Bibi) fon-fon”.
Desde pequena, Dodó tinha a capacidade de construir seu mundo particular. Quando saíamos para algum hotel, as mais velhas se juntavam e a deixavam de lado. Dali a pouco, Dodó já tinha se virado e montado sua turminha.
Desde pequenininha, era reservada. Quando alguma irmã consegue tirar uma informação pessoal dela, é uma celebração.
Sempre foi charmosíssima. Na avaliação escolar, as professoras admitiam que quando Dora chegava e piscava suas pestanas, conseguia o que queria com elas.
À medida que foi crescendo, foi se tornando uma menina com iniciativas surpreendentes. Ela e a irmã passaram por um colégio bilingue, depois a mãe as colocou no Rio Branco, um colégio tradicional.
Aos 14 anos, Dodó liderou uma greve do shortinho. A mãe estava fora do país, a serviço, e ela e a Bibi foram dormir em casa. Lá estava eu no computador trabalhando, já tarde da noite, quando leio um Manifesto do Shortinho, preparado pela caçulinha, contra a determinação da diretora da escola, de proibir as meninas de irem de shortinho para não assanharem os meninos.
O manifesto era muito bem escrito, surpreendentemente bem escrito para uma menina de 14 anos, e tinha o raro dom da objetividade: se o problemas era o assanhamento dos meninos, que a diretora atuasse sobre eles.
O manifesto já estava em uma lista de abaixo-assinado com centenas de assinaturas. Chamei a Dodó, que já estava deitada. Ela veio e se assustou um pouco:
- Fiz errado?
Disse-lhe que não, que o manifesto estava muito bem escrito e os argumentos bem colocados. Acalmou-se. Dali a pouco veio ao meu escritório perguntando “quem é essa tal de Mônica Bergamo? Ele é confiável?”.
Disse-lhe que pronunciava Bérgamo, e era confiável, sim. Mônica estava atrás delas para escrever sobre a greve do shortinho.
A greve foi no dia seguinte, com todas as meninas dos dois colégios Rio Branco indo de shortinho à aula. À tarde, Dodó foi convidada pela diretora para uma reunião de negociação. Quando chegou em casa perguntei como havia sido a reunião.
- Só falou groselha!
Aí descobri o significado do termo. À noite, apareceu em uma reportagem do SBT. No dia seguinte, eu sozinho em casa, ligam da portaria dizendo que havia um fotógrafo do G1 lá. Desci, ele queria fotografar a Dodó. Disse-lhe que estava na casa da mãe. Telefonei para avisar e ela indicou outra colega, porque “já tinha aparecido demais”.
O segundo episódio que me confirmou a formação da Dodó foi algum tempo depois, quando ela foi descoberta por um grupo de Facebook, de advogadas feministas. Descobriram que ela é boa polemista e passavam textos para ela desconstruir.
E minha caçulinha passou a receber likes de advogadas maduras, algumas estudando na Espanha. Certo dia, ela saiu do grupo e apagou seu perfil. Perguntei a razão.
O primeiro motivo, me disse ela, foi a de que as pessoas só queriam lacrar.
- Discussão é para os dois lados aprenderem. Mas elas querem destruir a outra pessoa.
O segundo motivo é que encrencaram com um dos membros do grupos e passaram a atacá-la e a cancelá-la. E Dodó tem a marca de família de detestar covardias de grupos contra pessoas.
Demorou um pouco para definir sua profissão. Creio que a influência da Eugênia, minha terceira e definitiva esposa, foi relevante para que resolvesse abraçar o Direito.
Passou no Mackenzie. Depois de alguns meses, uma sobrinha que lecionava no pós do Mackenzie me disse que uma colega, professora do primeiro ano, disse-lhe que havia uma super-aluna lá de nome Dora Nassif.
Mas foi só por algum tempo. A exemplo do pai, Dodó não se enquadra nos cursos convencionais. Estudava só para tirar nota. E faz vários cursos por fora, com uma enorme curiosidade intelectual. Formou-se em Direito com um TCC elogiado
Assim como o pai, ela gosta de “brisar”, isto é, de deixar o pensamento voar entre vários temas. Quando monta suas redações, traz informações variadas, ângulos variados, de quem aprendeu a sair da caixinha e correlacionar ideias.
Afinal, desde o batismo Dodó era fora dos trilhos. O batismo foi em um bar, com uma oração da tia Clélia – nossa mãe substituta, irmã da dona Tereza – e a presença de todas as quatro irmãs e da irmã-sobrinha Cacá.
Formada, empregada, me passa a sensação de missão cumprida e, ao mesmo tempo, um certo vazio de missão cumprida. Afinal, são quatro filhas e uma neta encaminhadas. Agora, nos anos que me restam, só falta o maior dos desafios, ajudar a encaminhar o Brasil
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)