CONFORMISMO COM PRISÃO E ÓDIO A MORAES: O QUE PENSAM OS BOLSONARISTAS QUE ESTIVERAM NA AV.PAULISTA EM 25 DE FEVEREIRO

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

“Hoje não existe democracia, existe ditadura comandada por Moraes”, disse um manifestante à reportagem; assista aos relatos

Manifestante dizendo que 1964 sofreu intervenção militar e não golpe. Imagem: Carla Castanho (GGN)
Manifestante dizendo que 1964 sofreu intervenção militar e não golpe. Imagem: Carla Castanho (GGN)

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O ato em apoio a Jair Bolsonaro na Avenida Paulista no domingo (25) não teve apenas o objetivo de demonstrar força política em pleno ano eleitoral e em meio ao avanço das investigações da Polícia Federal, mas também serviu para vacinar os apoiadores contra a prisão iminente do ex-presidente. A massa bolsonarista demonstrou que acredita cegamente na narrativa de perseguição do Judiciário e exalou um sentimento de injustiça misturado com um certo conformismo e a fé inabalável de que Bolsonaro dará a volta por cima e voltará ao poder.

GGN esteve presente no ato e conversou com manifestantes de diversas regiões de São Paulo e do país. Em linhas gerais, o cenário encontrado foi de propagação de desinformação e ódio contra ministros do Supremo Tribunal Federal e uma fusão cada vez mais perigosa entre política e religião, com uma maioria branca ostentando bíblias e bandeiras de Israel – ignorando o massacre dos palestinos na guerra em Gaza.

A horda foi contemplada com os discursos inflamados, totalitários e fundamentalistas dos protagonistas do vento, sobretudo Michelle Bolsonaro a Silas Malafaia, que ambientaram melhor do que ninguém a realidade paralela onde vivem os apoiadores de Bolsonaro.Em 1964 teve intervenção militar”, e não golpe, diz manifestante

À reportagem, bolsonaristas declararam que não existe mais Estado Democrático de Direito, que o atentado de 8 de Janeiro de 2023 foi uma trama de baderneiros infiltrados e da esquerda. Sustentaram, ainda que o país vive uma ditadura e precisa reagir ao “cenário de golpe”, segundo eles, perpetuado pelo ministro Alexandre de Moraes, o “ditador”. 

É assim que pensa Djalma, 73 anos, morador da capital paulistana. Para ele, a manifestação passou um recado ao presidente Lula e ao STF: o poder de controlar as massas está nas mãos de Jair Bolsonaro. Na visão do idoso, basta Bolsonaro se mobilizar para “voltarmos” ao Estado Democrático de Direito, fazendo uso do Art. 142 da Constituição – que, no imaginário bolsonarista, viabiliza o uso das Forças Armadas contra outros Poderes da República.

“Se o Bolsonaro chamar, ele pode parar esse país, e a gente pode parar o desrespeito à Constituição e os desmandos desse governo ladrão que chama Lula. Paramos o Agro, paramos com os caminhoneiros, paramos com tudo até cair esse governo e o STF“, declarou.

Para Djalma, “hoje não existe democracia, existe uma ditadura comandada por Alexandre de Moraes”.

Assista abaixo:

Um casal abordado pela reportagem disse que o ato na Av. Paulista foi pacífico e necessário para defender a democracia. “Porque do jeito que está, se nós deixar [sic], a Venezuela está a caminho”.

À luz do discurso do líder reacionário Silas Malafaia, que usou seu tempo para demonizar o Supremo e colocar, mais uma vez, Bolsonaro como o político mais perseguido dos últimos tempos, moradores da Rua Pamplona, nos arredores da região, disseram que, com base na proporção do evento – que preencheu quatro de 18 quarteirões da Paulista – agora Moraes pensará duas vezes antes de dar voz de prisão a Bolsonaro.

“O Alexandre de Moraes vai pensar bem se vai prender ele [Bolsonaro], porque ele viu que o povo está invocado. É um louco, aquele careca maldito”.

Além de atacar o ministro do STF, o grupo bolsonarista também criticou a imprensa, mais precisamente o programa Fantástico, da Rede Globo, sugerindo que a edição do domingo (25) propagaria números inverídicos sobre a quantidade de presentes no evento pró-Bolsonaro, tentando esvaziar o ato.

Ouça abaixo:

Também de São Paulo capital, a bolsonarista Andreia Vicente fortaleceu a teoria sem comprovação de fraude no sistema eleitoral, e sustentou que a vitória de Lula não foi legítima.

Preconceito, intolerância e conservadorismo

Marca registrada da extrema-direita, o preconceito e a intolerância contra minorias e os apoiadores de Lula e do PT também foram expressados por uma bolsonarista, endossando o teor de culto religioso que o ato na Paulista teve neste domingo.

“Nosso povo é nosso povo, né? Tem que respeitar, empresário, microempresário, é o povo de bem. Não tem nenhum vagabundo aqui. O povo do Lula é quem? Veado, bandido e que quer comer de graça. O povo do Lula é só gente errada”.

O interior de São Paulo também marcou presença na Av. Paulista. Um manifestante abordado pelo GGN defendeu que a manifestação reafirma os valores conservadores, incorporados ao slogan de Bolsonaro, “Deus, Pátria, Família”. “Essa manifestação é para mostrar ao Brasil a força que a direita está tomando”, disse ele.

Ouça:

Conformados

Uma expressão reproduzida em peso após os discursos que terceirizavam a responsabilidade de Bolsonaro sobre o 8 de Janeiro foi “engenharia do mal”, usada pelo pastor Silas Malafaia para descrever o que o Supremo, “covarde, ao arrepio da lei e da Constituição”, está tramando para prender Bolsonaro.

Um idoso deixou suas condolências a Bolsonaro e disse que “está tudo errado, é uma injustiça” o processo judicial que o ex-presidente deve enfrentar por tentativa de golpe.

Apenas Israel é “vítima

O sentimento de traição do Brasil ao Estado de Israel, por causa das recentes declarações de Lula condenando o genocídio em Gaza, foi outro ângulo explorado na passeata pelo vácuo do imaginário coletivo bolsonarista.

De acordo com o bolsonarista André Rhouglas, Lula errou ao comparar Netanyahu a Hitler, e estaria dando apoio ao Hamas, o que é uma informação falsa. “Aquele cara que não me representa, falar aquele coisa do Holocausto, desrespeitando e falando mal, mais ainda, dando crédito ao Hamas”.

Como se sabe, em discurso que gerou crise diplomática, Lula não disse “holocausto” e condenou o Hamas. GGN fez a checagem do discurso do presidente: frase distorcida e recortada de ampla fala tornou-se uma polêmica internacional.

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Já a bandeira de Israel foi utilizada por diversas pessoas, inclusive com estampas erradas, como um pentagrama no lugar da estrela de Davi. A ignorância em relação ao que pensam defender ficou estampada em vídeo que viralizou nas redes, do jornalista Joaquim de Carvalho, do 247, onde três senhoras afirmaram que defendem Israel porque eles são “cristãos”. No entanto, não existe um Messias para os judeus. A desinformação da extrema-direita associada à rejeição do comunismo ou socialismo foi marca do trio.

Devoção aos policiais

Um outro ponto que chamou a atenção no perfil do público foi a devoção aos policiais presentes no ato. Através de elogios, fotos e vídeos, o serviço prestado pela Tropa de Choque foi exaltado em demasia. Para Luana Quinteiro, 26, da zona Leste de SP, a abordagem dos profissionais muitas vezes não é reconhecida como deveria, pelo fato de os suspeitos muitas vezes saírem como “vítimas”.

Entre os que apoiam Bolsonaro, uma característica que ajuda a constituir o perfil dos manifestantes mais jovem é a ignorância declarada sobre política e atualidades. “Sou uma pessoa que não acompanha muito política por causa dos meus compromissos”.

Gratidão

Os adeptos a crenças e valores propagados pelo clã Bolsonaro também estiveram no ato em prol de um mundo mais democrático. Bianca Vicente, de São Paulo, fez questão de marcar presença “não pelo Boslonaro, pelas ideias que batem com a minha de família, de Deus, de pátria”.

O apelo religioso nos discursos de Michelle Bolsonaro e Silas Malafaia agradou os apoiadores que seguravam bíblias, e que não querem separar política de religião, o que contribui para a produção da dissonância cognitiva coletiva, um Brasil paralelo, que fratura a espinha dorsal dos valores verdadeiramente cristãos e democráticos.

CAMILA CASTANHO ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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