GAZA E A INDÚSTRIA DO HOLOCAUSTO

Propaganda política do holocausto tornou-o um dos temas que mais atingem americanos desde Pearl Harbor

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Norman Finkelstein é um cientista político americano, autor e ativista. Ele é conhecido por seus escritos sobre o conflito israelo-palestino e o Holocausto.

Finkelstein nasceu em Nova York em 1953, filho de sobreviventes do Holocausto. Ele se formou na Universidade Binghamton e recebeu seu Ph.D. em ciência política pela Universidade de Princeton. Ele lecionou na Brooklyn College, Rutgers University, Hunter College e DePaul University.

Seu livro “A Indústria do Holocausto” tornou-se uma espécie de clássico maldito.

No livro ele separa as vítimas do holocausto daqueles que transformaram o holocausto em uma indústria, visando ampliar seu poder político interno nos Estados Unidos.

Divide a “indústria do holocausto” em dois grupos. 

O primeiro, dos que tentavam indenizações vultosas dos países que praticaram o genocídio. O segundo, dos grupos influentes judeus, nos Estados Unidos, buscando um espaço maior de influência na política americana.

Usa palavras duras:

“Holocausto não é uma arbitrariedade, mas uma construção internamente coerente. Seus dogmas centrais sustentam interesses políticos e de classes. Na verdade, O Holocausto provou ser uma indispensável bomba ideológica. Em seus desdobramentos, um dos maiores poderes militares do mundo, com uma horrenda reputação em direitos humanos, projetou-se como um Estado “vítima”, da mesma forma que o mais bem-sucedido agrupamento étnico dos Estados Unidos adquiriu o status de vítima. Dividendos consideráveis resultaram dessa falsa vitimização — em particular, imunidade à crítica, embora justificada. Os que usufruem dessa imunidade, eu poderia acrescentar, não escaparam à típica corrupção moral que faz parte dela”.

Da crítica não escapa O Museu do Holocausto:

“Um dos mais antigos amigos de meu pai, companheiro de Auschwitz, era um suposto idealista de esquerda incorruptível que, por Auschwitz, era um suposto idealista de esquerda incorruptível que, por princípios, recusou uma compensação alemã após a guerra. Por acaso, veio a se tornar diretor do Museu do Holocausto de Israel, Yad Vashem. Com muita relutância e evidente desapontamento, meu pai teve de admitir que mesmo este homem havia sido corrompido pela indústria do Holocausto, desvirtuando suas crenças em favor do poder e do lucro.”

“Uma infinidade de recursos públicos e privados tem sido investida para manter a memória do genocídio nazista. A maioria do que foi produzido não presta, não passa de um tributo ao engrandecimento judeu e não ao seu sofrimento”.

A lógica política

A propaganda política em torno do holocausto tornou-o um tema que atinge maior número de americano do que os episódios de Pearl Harbor ou a bomba sobre o Japão, diz ele.

Nem sempre foi assim.  Em 1957, o sociólogo Nathan Glazer reclamava que a Solução Final nazista “foi menosprezada no interior da colônia judaica americana”. Em um simpósio de Commentary sobre “Judaísmo e os jovens intelectuais”, de 1961, apenas dois dos trinta e um participantes destacaram seu impacto.

Em 1961, uma mesa-redona organizada pelo jornal Judaísmo, com a participação de 21 judeus americanos, praticamente ignorou o tema. Nenhum monumento ou homenagem marcou o holocausto nos Estados Unidos.

A explicação, na época, é que os judeus ficaram traumatizados com o holocausto nazista e preferiam esquecer.

Os filmes americanos foram muito mais assertivos, diz ele.

Stanley Kramer, em Julgamento em Nuremberg (1961), faz uma referência explicita à decisão do juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes, em 1927, sancionando a esterilização dos “mentalmente incapazes”, como precursora dos programas nazistas de eugenia; os elogios de Winston Churchill a Hitler em 1938; as armas vendidas a Hitler pelos industriais americanos; e a oportunista absolvição pós-guerra de industriais alemães pelo tribunal militar americano.

A guerra fria

Quando sobreveio a guerra fria, diz ele, “as organizações judaicas “esqueceram” o holocausto nazista porque a Alemanha — Alemanha Ocidental, em 1949 — tornou-se um aliado crucial do pós-guerra americano no confronto dos EUA com a União Soviética. Vasculhar o passado não seria útil; na verdade, era um complicador.

Com algumas reservas (logo descartadas), as grandes organizações judaicas americanas logo se alinharam com os EUA, apoiando o rearmamento de uma Alemanha mal desnazificada.

O American Jewish Committee (AJC) (Comitê Judaico Americano), temeroso de que “alguma oposição organizada de judeus americanos, contra a nova política externa e a aproximação estratégica, pudesse isolá-los aos olhos da maioria não- judaica e pôr em risco suas conquistas do pós-guerra no cenário nacional”, foi o primeiro a pregar as virtudes do realinhamento. O World Jewish Congress (WJC) (Congresso Judaico Mundial), pró-sionista, e seus afiliados americanos derrubaram a oposição, depois de assinar acordos de compensação com a derrubaram a oposição, depois de assinar acordos de compensação com a Alemanha no início dos anos 50, ao mesmo tempo que a Anti-Defamation League (ADL) (Liga Antidifamação) foi a primeira grande organização judaica a enviar uma delegação oficial à Alemanha, em 1954”.

Diz ele: “ Juntas, essas organizações colaboraram com o governo de Bonn para conter a “onda antigermânica” do sentimento popular judeu”. Lembrar o holocausto nazista foi etiqueta como causa comunista.

E, aí, repete-se um ritual similar ao da Conib no Brasil, contra judeus críticos do genocídio de Gaza:

“Presas ao estereótipo que confundia judeus com a esquerda — de fato, os judeus constituíam um terço da votação do candidato presidencial progressista Henry Wallace, em 1948 —, as elites judaicas americanas não hesitaram em sacrificar seus irmãos judeus ao altar do anticomunismo. Oferecendo suas listas de supostos judeus subversivos às agências governamentais, o AJC e a ADL endossaram a pena de morte para os Rosenberg, enquanto sua publicação mensal, Commentary, lançava editorial afirmando que eles não eram judeus verdadeiros”.

Os exemplos são inúmeros:

“Temendo ser associadas à esquerda fora e dentro do país, as grandes organizações judaicas se opuseram a cooperar com os alemães social-democratas antinazistas, assim como ao boicote dos produtos alemães e as manifestações públicas contra ex-nazistas fazendo turismo pelos Estados Unidos. Em compensação, a visita de dissidentes alemães conhecidos, como o pastor protestante Martin Niemöller, que esteve preso oito anos em campos de concentração nazistas e era contra a cruzada anticomunista, sofreu censura dos líderes judeus americanos”.

Qualquer semelhança com o Brasil de hoje, e com o apoio a Bolsonaro,  não é coincidência:

“Ansiosos por propalar suas credenciais anticomunistas, as elites judaicas chegaram a defender, e apoiar financeiramente, organizações de extrema-direita como a All-American Conference to Combat Communism (Conferência Americana de Combate ao Comunismo) e fizeram vista grossa à entrada de veteranos da SS nazista no país”.

As mudanças com a guerra

Diz ele que o Holocausto tornou-se uma fixação na vida dos judeus americanos após a guerra árabe-israelense de 1967.

Até então, havia discordâncias entre a política norte-americana e Israel. Na crise do canal de Suez de 1956, o presidente Eisenhower forçou Israel a uma retirada incondicional do Sinai, com o apoio das lideranças judaicas nos Estados Unidos.

O jogo muda com as guerras de 1967, quando Israel se torna, finalmente, um representante do poder dos Estados Unidos no Oriente Médio. As lideranças judias saem do dilema da “dupla lealdade” e passam a se alinhar integralmente aos interesses geopolíticos norte-americanos.

“Paradoxalmente, depois de junho de 1967, Israel facilitou a assimilação nos Estados Unidos: os judeus agora estavam na linha de frente, defendendo a América — na realidade “a civilização ocidental” —, contra as retrogradas hordas árabes. Considerando que, antes de 1967, Israel levava a fama de dupla lealdade, agora adquiria a conotação de superlealdade. Afinal de contas, não eram os americanos, mas os israelenses que lutavam e morriam para proteger os interesses dos EUA”

Antes, diz ele, as elites judaicas só podiam oferecer pequenas listas de judeus subversivos; agora podiam posar de interlocutores para os novos objetivos estratégicos da América”.

Do mesmo modo mudou a cobertura da mídia americana. De 1955 a 1965, New York Times publicou o equivalente a 152 cm de matérias sobre Israel. Em 1975, as matérias saltaram para 660 cm.

“Tal como Podhoretz ()editor da revista Commentary de 1960 a 1995., muitos intelectuais judeus americanos influentes também descobriram de repente a “religião”, após a guerra de junho. Novick conta que Lucy Dawidowicz, a decana da literatura sobre o Holocausto, fora uma “crítica radical de Israel”. Em 1953, ela opinava que Israel não podia exigir compensações da Alemanha, enquanto fugia às responsabilidades para com os palestinos desalojados: “A moralidade não é flexível.” E, no entanto, quase imediatamente após a guerra de junho, Dawidowicz virou uma “eloqüente defensora de Israel”, aclamando-o como “o paradigma coletivo para a imagem ideal dos judeus no mundo moderno”.

A indústria do Holocausto serviu como blindagem contra as críticas à nova posição de Israel.

Depois da guerra de outubro de 1973, quando os americanos apoiaram o apogeu de Israel, Howe (famoso crítico social, Irving Howe, da esquerda liberal) publicou um manifesto pessoal “sob extrema ansiedade” em defesa de um Israel isolado. O mundo gentio, lamentava-se numa espécie de paródia ao estilo de Woody Allen, estava impregnado de antisemitismo. Até no Upper Manhattan, reclamava, Israel “deixou de ser chique”: todos, exceto ele, eram manifestamente servos de Mao, Fanon e Guevara”.

Quando Israel era vulnerável, em relação aos seus vizinhos árabes, pouco se falava do holocausto.

“A indústria do Holocausto só se difundiu depois da dominação militar esmagadora e do florescente e exagerado triunfalismo entre os israelenses.  A rede de interpretação padrão não consegue explicar estas anomalias”.

Não foi a alegada fraqueza e isolamento de Israel, nem o medo de um “segundo Holocausto”, mas antes sua comprovada força e aliança estratégica com os Estados Unidos, que conduziram as elites judaicas a produzir a indústria do Holocausto, depois de junho de 1967

“Foi quando o Holocausto estava mais fresco na mente dos líderes americanos — os primeiros vinte e cinco anos depois do fim da guerra—, que os Estados Unidos menos apoiaram Israel. (…) Não foi quando Israel estava fraco e vulnerável, mas depois que mostrou sua força, na Guerra dos Seis Dias, que a ajuda americana a Israel mudou de um pingo para um dilúvio”. Este argumento se aplica com a mesma força às elites judaicas americanas.

Conclui ele:

“Entre os grupos que denunciam sua vitimização, incluindo negros, latinos, índios americanos, mulheres, gays e lésbicas, só os judeus não estão em desvantagem na sociedade americana. De fato, a política de identidade e O Holocausto tiveram lugar entre os judeus americanos não por seu status de vítima, mas por eles não serem vítimas.

Assim que caíram as barreiras anti-semitas, logo após a Segunda Guerra Mundial, os judeus se destacaram nos Estados Unidos. Segundo Lipset e Raab, a renda per capita dos judeus é quase o dobro dos não-judeus; dezesseis dos quarenta americanos mais ricos são judeus; 40 por cento dos ganhadores americanos do prêmio Nobel de ciência e economia são judeus, assim como o são 20 por cento dos professores das maiores universidades; e 40 por cento dos sócios das grandes firmas de advocacia de Nova York e Washington. A lista continua.  Longe de constituir um obstáculo, a identidade judaica tornou-se o coroamento desse sucesso”.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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