Três mulheres, conforme minha última coluna, marcaram indelevelmente o Brasil do século XIX – época em que, mesmo na civilizadíssima Europa, a influência feminina pouco contava. A primeira delas, foi a Imperatriz Leopoldina de Habsburgo (1797 – 1826), nascida em Viena, esposa de Dom Pedro I (1798 – 1834), O Libertador, considerada, com justiça, instigadora da Independência do Brasil.
A segunda, a Princesa Isabel de Bragança (1846 – 1921), A Redentora, carioca da gema, decretou o fim da infame escravidão no País. E a terceira, a Imperatriz Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias (1822 – 1889), natural de Nápoles, detentora do honroso epíteto de A Mãe dos Brasileiros, esposa de Dom Pedro II (1825 – 1891), O Magnânimo, e, por sua vez, genitora de Dona Isabel.
Mas, nos primórdios do século XV, uma Rainha portuguesa, a inglesa Dona Filipa de Lencastre, assim grafado na Metrópole, soberana consorte, como Dona Leopoldina e Dona Teresa, esposa do célebre Mestre de Avis, Dom João I (1357 – 1433), assinalaria intensamente a História de Portugal. Representou o começo da sólida aliança com a Inglaterra, existente até hoje, e pregou a expansão marítima, iniciando, desse modo, o esplendor lusitano das Grandes Descobertas.
Nascida em Leicester, Dona Filipa era Princesa da linhagem de Lancaster e, ao se casar, em 1387, convenceu o marido e, posteriormente, os próprios filhos, dentre os quais, o legendário Infante Dom Henrique (1394 – 1460), O Navegador, criador da Escola de Sagres, a abandonarem as guerras com Castela, que, afinal, eram cristãos e católicos, e partirem contra os infiéis islâmicos. Estes, então, controlavam, praticamente, todas as Áfricas.
Foi, dessa forma, impulsionado pela destemida Dona Filipa, que Dom João I, pessoalmente, se lançou ao Mediterrâneo e conquistou, em 1415, Ceuta, em poder do sultanato marroquino da mítica cidade de Fez. Ceuta permaneceu portuguesa até 1645, quando passou à Coroa de Espanha.
Um romance histórico de fôlego, da jornalista e escritora portuguesa, Isabel Stilwell, de pais ingleses, com o título de “Filipa de Lencastre – A Rainha que mudou Portugal”, publicado em 2007, mostra o quanto a soberana foi determinante para os 193 anos nos quais a dinastia dos Avis manteve-se no trono – desde, exatamente, 1385, quando Dom João I foi coroado, ao desaparecimento de Dom Sebastião I (1554 – 1578), O Desejado, em 1578, justamente no Marrocos, na batalha de Alcácer-Quibir, ao Sul de Ceuta, próximo à costa Atlântica – localidade visitada por mim e minha esposa, Dona Andrea, no inverno de 2012.
O livro de Stilwell, apesar de não ter a pretensão de uma pesquisa com rigores acadêmicos, descreve, porém, detalhes da importância que teve sua biografada no papel de persuadir os portugueses a fazerem a paz com Castela, como ocorreu, e se aventurar aos mares. Uma paz, aliás, como demonstra a autora, que interessava à Casa de Lancaster – após ter perdido um confronto com os castelhanos aliados aos lusos. Dona Filipa vinha de uma Inglaterra ainda profundamente Católica e muito fiel à Santa Sé. O rompimento só aconteceria 1534, depois do Rei Henrique VIII (1491 – 1547) ter sido excomungado pelo Papa Clemente VII (1478 – 1534), da família italiana florentina dos Medici – por contrair segundas núpcias, com Ana Bolena (1500 – 1536). Fundando, em seguida, a Igreja Anglicana.
Deve-se também a Dona Filipa a moralização dos costumes da Corte de Lisboa e o fervor religioso dos portugueses durante a conquista dos continentes. Os lusos, empurrados pela Rainha Lencastre, chegariam às Áfricas, Ásia e descobririam o Brasil.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador