XADREX DA CONSPIRAÇÃO DO SUPREMO QUE RESULTOU EM BOLSONARO

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Este artigo é um dos capítulos do livro “A Conspiração Lava Jato”, a ser lançado em breve, esmiuçando os principapis fatores que levaram o país a ser entregue às milícias associadas a conspiradores militares.
O livro foi feito essencialmente em cima dos temas que levantamos desde 2010, e busca analisar uma miríade de atores que se valeram do desajuste das instituições, conduzido pela mídia, Supremo, Ministério Público Federal. Poder militar, poder religioso, o partido dos bilionários democratas e do crime organizado por trás dos algoritmos, a geopolítica americana, as corporações públicas saindo dos trilhos, tudo isso será abordado no livro.
Hoje, o STF é um alicerce fundamental para a nossa democracia. Esse levantamento é para que não se esqueça, não se repita, uma crítica que deverá perpassar todas as instituições brasileiras, em defesa da democracia.

Xadrez da conspiração do STF que resultou em Bolsonaro

Avalista da democracia brasileira, poder que impediu o golpe militar de Braga Neto, o Supremo Tribunal Federal foi o principal responsável pela manutenção da democracia. Mas, antes, ao lado da mídia, foi o principal articulador do movimento que levou à desestruturação das instituições brasileiras, ao desrespeito à Constituição e à ascensão de Bolsonaro ao poder.

Foi o articulador principal de um golpe que visava colocar o PSDB no poder, através da candidatura de Aécio Neves.

O golpe falhou exclusivamente pelas trapalhadas do então Procurador Geral da República Rodrigo Janot, quando pensou estar em seu momento de glória, com a delação da JBS permitindo pegar o presidente interno Michel Temer e o campeão branco Aécio Neves. As ações não tiveram desdobramentos, como aquelas que atingiam José Serra. Mas comprometeram definitivamente a candidatura de Aécio Neves.

Com Aécio fora do jogo, sem uma alternativa sequer de candidatura tucana ou do que se chama terceira via, o poder foi entregue às milícias de Bolsonaro, aliadas ao poder militar.

Vamos por partes para entender essa trama.

Peça 1 – o mito da invencibilidade do PT

Lula perdeu as primeiras eleições presidenciais pós-ditadura. Depois, venceu em 2002 e 2006 e saiu em 2010 como o mais popular presidente da história. Encerrada a fase Lula, a candidata do PT, Dilma Rousseff, venceu em 2010 e começou o governo com altos índices de popularidade.

Ao mesmo tempo, o PSDB desmilinguiu-se com a desastrada campanha de José Serra em 2010, mas, principalmente, com a incapacidade de desenvolver uma estratégia, depois que Lula trouxe o PT para a social-democracia.

Com a morte de Mário Covas, o partido fica entregue às três lideranças mais ambiciosas – e vazias – do partido: Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aécio Neves.

A única saída passou a ser ir a reboque da mídia na exploração do antipetismo, do direito penal do inimigo e do discurso golpista – processo que se acelerou com o “mensalão”. Personagem central dessa trama foi o Ministro Gilmar Mendes, que transformou um possível crime eleitoral em trama contra a democracia, deflagrando o processo do “delenda PT”.

A partir dali o jornalismo de esgoto, introduzido pela revista Veja, ganhou uma dimensão institucional, com o STF e a PGR tendo participação ativa na geração de notícias de guerra e fake news.

O desfecho seriam as eleições de 2014, com Dilma Rousseff enfraquecida por uma gestão sem rumo e um amplo isolamento político em relação ao Congresso e ao próprio Supremo.

No segundo turno, porém, a rejeição a Aécio Neves superou a rejeição a Dilma, que foi reeleita. A partir dali, foi dado o sinal para o golpe.

O primeiro sinal foi do próprio Aécio, falando em manipulação das urnas no discurso de derrota. A segunda foi o julgamento das contas de campanha de Dilma e do PT pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Peça 2 – a armação no TSE

Logo após as eleições, conversei com um Ministro do Supremo Tribunal Federal, que me alertou: “Fique atento que já começou o terceiro turno. A tendência será cassar a vitória de Dilma com base no relatório de prestação de contas do Tribunal Superior Eleitoral”. 

Em uma daquelas coincidências memoráveis, o então presidente do TSE, Dias Toffolli, “sorteou” a relatoria dos dois julgamentos – das contas da campanha de Dilma e das contas do PT – que caíram com o  mais figadal adversário do governo: Ministro Gilmar Mendes. 

Havia um histórico, que merece ser relembrado.

Toffolli guardava uma enorme mágoa da Dilma, pelo fato de tê-lo deixado esperando de pé, em uma sala, para uma reunião – ele já presidente do STF. Por aquela época, havia vencido um mandato de Ministro do TSE, o de Henrique Neves, e Dilma nem tratou de preencher com a nomeação de um novo Ministro. Na época, com José Eduardo Cardoso no Ministério da Justiça, deixou em aberto vagas no Tribunal Regional Federal-3, de São Paulo, e demorou a decidir sobre vagas no Supremo.
Em suma, o clima no TSE era francamente desfavorável a Dilma. 

– Vocês precisam fazer alguma coisa”, me dizia o Ministro, referindo-se, com o “vocês”, ao pequeno grupo de blogs que faziam o contraponto à grande mídia. 

– Mas, Ministro, somos apenas jornalistas. Porque não avisa o governo, o Ministro José Eduardo, a presidente? 

E ele, desanimado: 

– Lá, não adianta.

A relatoria seria do Ministro que saía, Henrique Neves, representando a advocacia. Pelas regras do TSE, a relatoria deveria ficar com seu substituto. Não havendo nomeação, o presidente Dias Toffoli procedeu a sorteios e os dois processos – o das contas de Dilma e as do PT – ficaram com Gilmar

No dia 17 de novembro de 2014, o Ministério Público Eleitoral – representado por Eugênio Aragão – questionou a relatoria de Gilmar Mendes[1]. Segundo o artigo 16, “em caso de vacância de uma cadeira de ministro, seus processos devem ser redistribuídos para outro da mesma “classe” -no caso de Neves, teria de ser um jurista. Mendes, que representava o STF, não poderia, segundo essa regra, ser relator do caso. 

“O Ministério Público Eleitoral requer que seja reconsiderada a decisão impugnada, a fim de que se proceda à redistribuição do processo, com o seu encaminhamento ao ministro substituto da classe a que pertencia o relator original”, dizia trecho do documento. 

Na peça, Aragão citou também que a relatoria de Mendes feria o princípio do juiz natural de cada processo. Isto porque, caso Neves fosse reconduzido, o caso teria dois relatores de classes diferentes.  “O que importaria em violação do princípio do juiz natural, consagrado no art. 5º da Constituição Federal”, afirma o agravo. 

No dia 8 de dezembro des 2014, a revista Veja[2] noticiava que técnicos do TSE pediam a rejeição das contas de Dilma. Em outra matéria, apontava que Gilmar via “fortes indícios” de irregularidades na campanha de Dilma. 

De minha parte, mesmo com uma arma de baixo alcance, tratava de denunciar diariamente as manobras que pretendiam a cassação da chapa de Dilma antes da posse. Foram artigos diários mostrando como avançava o golpe do terceiro turno. 

No dia 9 de dezembro, véspera da votação das contas, publiquei o artigo “Para entender a estratégia de Gilmar-Toffoli no TSE[3] 

“O relatório do corpo técnico do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) apontou meramente problemas formais nas contas de Dilma Rousseff e do PT. 

Ocorre o seguinte: devido aos riscos de notas fiscais falsas, boletos bancários fraudulentos, é lento o trâmite para pagamento de serviços prestados. 

O comitê recebe a Nota Fiscal, comprova se houve prestação de serviços e, depois, efetua o pagamento. 

Essa demora provoca alguns problemas formais. Por exemplo, a NF é emitida no período contemplado pelo primeiro balanço parcial. Mas o pagamento é efetuado apenas em data posterior, entrando na segunda parcial. 

Não se trata de sonegação ou de recebimento de dinheiro não contabilizado, mas de uma questão eminentemente formal. Fundamentalmente é isso o que consta do relatório. 

Informações que correm no TSE é que a intenção dos técnicos era a de recomendar medidas formais de punição ao PT, como a suspensão por alguns meses do recebimento do fundo partidário. São essas as conclusões que passaram a ser exploradas 

Mas teriam sido convocados por Gilmar Mendes, que – segundo um membro do TSE – teve um “piti” e deu-lhes uma dura no sentido de mudar as análises sobre os problemas formais, qualificando-os como “faltas graves”. 

Tudo caminhava para o desfecho previsto pela minha fonte. Mas dia 10 de dezembro de 2014, o TSE votou pela aprovação das contas, com ressalvas, inclusive com o voto de Gilmar. Com essas ressalvas, não se consumou naquele momento o golpe pós-eleitoral. Com as ressalvas, Gilmar deixou uma espada de Dâmocles sobre o pescoço de Dilma, que foi invocada várias vezes em 2015. Mas não consumou a operação naquele momento.

No seu voto, Gilmar passou recibo, com ataques pesados contra o blog. 

“Certamente quem lucrou foram os blogs sujos, que ficaram prestando um tamanho desserviço. Há um caso que foi demitido da Folha de S. Paulo, que criou uma coluna ‘dinheiro vivo’. Chegou a se criar um golpe de impeachment paraguaio. Um blog financiado por dinheiro público, meu, seu e nosso! Precisa ser contado isso para que se envergonhe. Um blog criado para atacar adversários e inimigos políticos! Mereceria do Ministério Público uma ação de improbidade, não solidariedade”, expressou, candente, Gilmar. 

Minha resposta, na época[4]

Por Luís Nassif 

Não vou responder a Gilmar pelas seguintes razões: 

1. Ao contrário da sessão do TSE, esse blog preza a compostura e não se vale do espaço para disputas pessoais. Continuarei criticando Gilmar em todas suas posturas antirrepublicanas (continuarei preservando o elogio solitário que fiz ao seu papel no CNJ, no mutirão carcerário), mas não exporei meus leitores a brigas de boteco. Respeito mais meu blog do que Gilmar respeita o TSE. 

2. Como discutir com um Ministro do Supremo que, da tribuna de um poder institucional (o TSE) acusa um blog de se valer de poder institucional? Só falta Gilmar recorrer a algum jurista alemão para justificar esse contrassenso. 

3. Finalmente, devido ao fato de que críticas de Bolsonaro e de Gilmar engrandecem os criticados. 

Posteriormente, Gilmar entendeu os riscos da escalada golpista e se transformaria em uma das âncoras principais na defesa da democracia. 

Peça 3 – as decisões sucessivas

Dali até as eleições de 2018, houve uma atuação persistente e pró-ativa do STF para convalidar o impeachment de Dilma e impedir a candidatura de Lula. Ainda tinha em mente consumar o golpe pró-PSDB.

A prisão após julgamento em 2a instância

Em 5 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento do Habeas Corpus (HC) 126.931, que questionava a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância.

Era um movimento anticonstitucional – justamente partindo da corte que tem como missão principal a defesa da Constituição.

A Constituição Federal de 1988 trata do trânsito em julgado em diversos artigos, principalmente nos incisos XXXVI e LVII do art. 5º:

Inciso XXXVI: A lei não prejudicará a coisa julgada.

Inciso LVII: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Trânsito em julgado é quando uma decisão judicial se torna definitiva, ou seja, não cabe mais recurso contra ela. Isso significa que a decisão é irrecorrível e deve ser cumprida. Isso só ocorre após o julgamento em 3ª instância.

O resultado provocou reações indignadas, como do grande penalista César Roberto Bittencourt: “Em dia de terror, Supremo rasga a Constituição no julgamento de um HC”[5]

A decisão se deu por maioria de sete a quatro, sendo vencidos os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Posteriormente, Rosa Weber votaria contra seu entendimento no julgamento que poderia garantir a libertação de Lula.

O atropelo da Constituição se deu no mesmo contexto em que o STF reconheceu os poderes investigatórios do Ministério Público, curvando-se ao clamor popular decorrente do pacto entre MPF e a Rede Globo, nas manifestações de 2013.

A “presunção da culpabilidade” se tornaria, dali para frente, peça central para os abusos da Lava Jato, sancionados pelas decisões da 8ª Turma do TRF-4.

O STF não apenas atropelou a Constituição, permitindo a “presunção da culpabilidade” sem o amparo sequer de uma emenda constitucional, como atropelou outro princípio sagrado, o da irretroatividade da lei. Este princípio está previsto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal Brasileira, que diz: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

A prisão de Lula

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018 gerou diferentes reações no Supremo Tribunal Federal (STF).

–  Ministro Marco Aurélio Mello: Considerou a prisão como “um retrocesso civilizatório”.

–  Ministro Celso de Mello: Criticou a decisão do juiz Sergio Moro e a classificou como “um espetáculo de humilhação pública”.

–  Ministro Ricardo Lewandowski: Afirmou que a prisão era “um golpe contra a democracia”.

Outros ministros defenderam a legalidade da prisão:

–  Ministro Luiz Fux: Afirmou que a prisão era “uma decisão judicial que deve ser respeitada”.

–  Ministro Carmen Lúcia: Disse que “a lei deve ser cumprida para todos”.

–  Ministro Dias Toffoli: Declarou que “o Supremo Tribunal Federal não é um tribunal de exceção”.

A censura às entrevistas de Lula 

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisões controversas sobre entrevistas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o período eleitoral. 

Em 28 de setembro de 2018: 

–  O ministro Luiz Fux concedeu liminar suspendendo a entrevista de Lula à Folha de S. Paulo, atendendo a pedido do Partido Novo. Fux argumentou que a entrevista poderia causar desinformação aos eleitores, violando o princípio da isonomia. 

Em 3 de outubro de 2018: 

–  O presidente do STF, Dias Toffoli, manteve a proibição de entrevistas de Lula até o plenário da Corte analisar a questão definitivamente.  Toffoli citou a decisão de Fux e a necessidade de garantir a isonomia nas eleições. 

Em 4 de outubro de 2018: 

–  O ministro Ricardo Lewandowski concedeu habeas corpus preventivo a Lula, autorizando entrevistas, mas com restrições. Lewandowski determinou que as entrevistas não poderiam ser feitas na sede da Polícia Federal e que Lula não poderia fazer declarações sobre o processo judicial que o condenou. 

Em 5 de outubro de 2018: 

–  Toffoli suspendeu a decisão de Lewandowski, mantendo a proibição de entrevistas.  Toffoli argumentou que a decisão de Lewandowski gerava insegurança jurídica e que o plenário do STF deveria analisar a questão de forma colegiada. 

Em 10 de outubro de 2018: 

–  O plenário do STF, por maioria, decidiu manter a proibição de entrevistas de Lula durante o período eleitoral. A decisão foi tomada por 6 votos a 5, com os ministros Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Dias Toffoli votando a favor da proibição. Os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Alexandre de Moraes votaram contra a proibição. 

Peça 4 – os algoritmos do Supremo

Na época, a profunda coincidência, de todos os temas contrários ao governo ou de interesse do PSDB caírem com Gilmar Mendes, gerou desconfianças em relação aos algoritmos do STF,

2 de outubro de 2014[6] 

Direito de resposta do PT contra a revista Veja, às vésperas das eleições presidenciais. 

Cai com Gilmar que obviamente nega. 

13 de novembro de 2014 [7]

O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Dias Toffoli, quatorze horas depois do final do mandato do Ministro Henrique Neves, decide distribuir seus processos, sem aguardar a nova indicação pela presidente da República. Dentre milhares de processos, dois centrais – sobre a prestação de contas do PT e de Dilma – caem com Gilmar. Segundo o post do GGN “entre 7 juízes do TSE, a probabilidade dos dois principais processos de Neves caírem com Gilmar era de 2 para 100.. 

3 de dezembro de 2015 [8]

O PT entrou com recurso questionando a abertura do processo de impeachment. O recurso foi sorteado e caiu para Gilmar Mendes. Após o sorteio, o PT desistiu por não ver nenhuma possibilidade de conseguir algum voto favorável de Gilmar, em qualquer matéria. Gilmar reagiu e pretendeu penalizar o PT[9] pela desistência, fazendo uma candente defesa do juiz natural (aquele que é sorteado de forma imparcial): “Ninguém pode escolher seu juiz de acordo com sua conveniência, razão pela qual tal prática deve ser combatida severamente por esta corte, de acordo com os preceitos legais pertinentes”. 

17 de março de 2016 [10]

Relatoria do HC para impedir a posse de Lula. Caiu com Gilmar Mendes. Que obviamente concedeu e suspendeu a nomeação de Lula como Ministro-Chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, última tentativa do governo para segurar o golpe. Aproveitou para taxar o PT de organização criminosa. 

11 de maio de 2016 [11]

Inquérito 4246 contra Aécio Neves, em função da delação do ex-senador Delcídio do Amaral. O inquérito foi protocolado em 03/05/2016, distribuído por prevenção ao Ministro Teori Zavascki e no dia 11 de maio de 2016 sorteado para Gilmar Mendes. Inquérito 4244, também contra Aécio Neves. Da mesma maneira, caiu por prevenção para Teori e no mesmo dia 11 de maio foi redistribuído por sorteio para Gilmar Mendes, que decidiu pelo arquivamento. 

27 de junho de 2017 

Inquérito 4428, contra José Serra e Aloysio Nunes, em função da delação da Odebrecht. Em 16 de março de 2017. Inicialmente foi para Edson Facchin, por prevenção. No dia 27 de junho de 2017 é redistribuído para Gilmar Mendes. Arquivado.

23 de junho de 2017[12] 

Relatoria de novos inquéritos contra Aécio Neves. O sorteio entrega o caso a Gilmar. 

Peça 5 – a construção da narrativa 

A primeira hipótese é que, de fato, foram coincidências. Afinal, seria inimaginável supor que os sorteios do STF pudessem ser manipulados por quem quer que seja. 

Mas imagine que, mesmo assim, houvesse uma investigação, só para sanar as suspeitas. O primeiro passo do nosso inspetor Clouseau seria investigar o algoritmo que comanda os sorteios. 

O algoritmo leva em conta a quantidade de ações distribuídas aos Ministros no período, separadas por classe de ação. A compensação não é sequencial. Desse modo, pode ocorrer a distribuição de mais de uma classe de ação para o mesmo ministro. 

Haveria três maneiras de direcionar os processos: 

Maneira 1 – Uma das hipóteses que aventei aqui seria o Supremo ter uma espécie de especialista em algoritmo, que analisaria antecipadamente as probabilidades de cada sorteio, de maneira a saber em qual rodada o inquérito x cairia com o ministro y. 

Maneira 2 – a manipulação ocorreria se o responsável pela distribuição tiver acesso ao algoritmo da distribuição. Algo fácil de comprovar pois o acesso fica registrado. 

Maneira 3 – um especialista desenvolver um sistema que ficasse de fora do algoritmo, mas que permitisse incluir o(s) nome(s) dos Ministros a serem sorteados. Ou seja, o único ponto de contato seria a área de alimentação de nomes. E seria suficientemente flexível para permitir colocar apenas UM ministro no sorteio. 

Das três possibilidades, a mais eficiente seria a 3. 

No caso da Maneira 1, envolveria muitas pessoas, até o presidente do STF, responsável pela distribuição dos casos. Inviável. 

Na Maneira 2, haveria vestígios das interferências a não ser que… se valesse da Maneira 3. 

Um superespecialista criaria uma camada acima do algoritmo, para poder incluir o nome que quisesse no sorteio. 

Peça 6 – as investigações iniciais 

Apenas como livre-pensar, vejamos como se comportaria nosso Inspetor Clouseau. 

As primeiras pessoas a procurar seriam os responsáveis pela informatização do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde as coincidências foram mais ostensivas. 

Imediatamente, saltariam à vista dois dos maiores craques do setor. 

O primeiro, é Paulo Bhering Camarão, homem responsável pela implantação das urnas eletrônicas e figura-chave na informatização do Judiciário, além de fazer parte do grupo que implantou o Infojus, a primeira intranet do Judiciário[13]. 

Também fazia parte desse grupo nossosegundo personagem, Leonardo Alam da Costa, responsável pela informática do STF. 

Ambos são técnicos renomados e personagens polêmicos. 

Camarão foi um dos responsáveis pela implantação da urna eletrônica. Ficou por quase dez anos como Secretário de Informática do TSE. Em 2006 contratou uma empresa, a Probank, para serviços junto às urnas nas eleições. A Probank tinha um histórico de rolos não explicados. Em 2004 conseguiu vencer a Embratel em uma licitação para fornecer serviços temporários para todo o país, nas eleições[14]. Apesar de estar presente em todos os estados, a Embratel não teria conseguido comprovar a capacidade de fornecer os trabalhadores, segundo a comissão de licitação. 

No mesmo ano, Camarão tornou-se proprietário da Probank que, depois, acabou vendida para Wilson Brumer, ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico no governo Aécio Neves e um dos arrecadadores de suas campanhas. Ex-presidente da Usiminas, o que Brumer tinha a ver com a área? 

A empresa pediu falência. Assumiu outra, a Engetec, que, depois, constatou-se que mantinha relações administrativas com a Probank. Em 2012 a Probank venceu uma licitação do TSE de R$ 129 milhões, colocada sob suspeita. Aqui, se tem uma ampla reportagem do GGN, de autoria da repórter Patricia Faerman[15]. 

Igualmente polêmico é Leonardo Alam, responsável pela área de informática do Supremo. Em 2015 foi alvo de uma sindicância aberta pelo presidente do STJ, ministro Francisco Falcão[16], acusado de compras superfaturadas. No início de 2017, o escândalo voltou à tona[17] e seu nome aparece na qualidade de Secretário de Tecnologia de Informação do STJ. Os acusados alegam inocência. Diversos Ministros atribuíram a denúncia à revanche de Falcão contra seu antecessor. 

Peça 7 – os coronéis da SEI e o voto eletrônico 

Nosso inspetor precisaria dedicar um bom tempo para apurar mais sobre os sistemas informatizados do Poder Judiciário. 

A maior parte dos quadros veio da comunidade de informática dos anos 70. A comunidade era formada por servidores do Serpro, acadêmicos e, principalmente, os coronéis da SEI (Secretaria Especial de Informática) e oficiais da Marinha, a força que mais investia em informática. 

A SEI ficou ligada diretamente à presidência da República (João Baptista Figueiredo) e nela entraram vários coronéis, como Joubert Brízida de Oliveira, Edson Dytz, Ezil Veiga da Rocha. 

Assim que assumiu o Ministério da Justiça, aliás, o Ministro Márcio Thomas Bastos me chamou a Brasília para pedir dicas sobre a informatização do Judiciário – eu tinha escrito sobre o tema na minha coluna da Folha. Sugeri um levantamento dos melhores sistemas implantados por tribunais estaduais. Com eles, seria montado um sistema em software livre, a ser distribuído para todos os tribunais.

Na segunda reunião, o represente do STJ (Superior Tribunal de Justiça) foi justamente o coronel Ditz. A proposta emperrou no STJ e não foi mais adiante.  Ditz foi sogro do então jovem deputado Eduardo Cunha, avô de uma filha de Cunha, mas não tem nenhuma relação com os malfeitos do ex-genro. 

De qualquer forma, esses coronéis egressos da SEI mantinham os laços profissionais e de amizade, mas sem nenhuma relação maior com as Forças Armadas. 

O que chamou a atenção do GGN foi o empresário que comprou a Módulo Systems. 

Especializada em segurança, a Módulo foi uma das desenvolvedoras da urna eletrônica. Tempos depois foi adquirida por Sérgio Schiler Thompson Flores, parente do presidente do TRF4, e de uma família com ligações históricas com militares. 

Ex-diplomata, Thompson Flores enriqueceu na privatização, em sociedade com Felipe Reichstull, ex-presidente da Petrobras. Depois, meteu-se no setor privado, em rolos enormes tentando adquirir a Gazeta Mercantil, depois montando um fundo na Bolsa da Inglaterra para investir em usinas de álcool. Quebrou e reapareceu como proprietário da Módulo. 

 As dúvidas sobre as reais intenções de Thompson Flores foram apresentadas em artigo de outubro de 2014[18], quando apareceram dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas. 

Em julho de 2017, na operação da Polícia Federal que estourou o esquema de caixinhas da Fetranspor[19], do Rio, ficou-se sabendo que a Módulo tinha a função de auditar as vendas de passagens para calcular o valor do subsídio a ser pago pela prefeitura. 

Peça 8 – os fantasmas dos códigos fechados 

Pode ser que no meio dessa piração conspiratória, o nosso Clouseau venha a tomar conhecimento dos alertas que estão sendo feitos por especialistas, a respeito dos riscos de manipulação nos códigos de software não auditados. Esse problema foi, posteriormente, superado pelo TSE, ao propor uma ampla abertura de seus códigos a técnicos de vários outros poderes.

Naqueles tempos, com Lava Jato e sem a fiscalização da imprensa, tudo era possível. Como explicava um artigo de 6 de fevereiro de 2017 do especialista Ronaldo Lemos: “Falta auditabilidade no algoritmo do Supremo”[20]

Diz Ronaldo Lemos: 

“Em 1999, um professor da Universidade Harvard, Lawrence Lessig, um caro amigo, lançou o livro que é considerado pioneiro no estudo do direito aplicado à internet (chamado “O Código e Outras Leis do Ciberespaço”). Nele foi cunhada uma famosa frase que diz que “o código é a lei”. 

Lessig chamava a atenção para o fato de que programas de computador (“códigos”) são cada vez mais responsáveis por embutir neles regras que regulam o destino de milhões de pessoas, todos os dias. 

(…) Basta olhar para o sorteio eletrônico do ministro Edson Fachin como novo relator da Lava Jato no Supremo para ver que Lessig tinha razão. O caminho para a escolha de qual ministro do STF será responsável por um processo é definido por um programa de computador que opera com base em algoritmo. Só que há um problema: ninguém sabe como esse algoritmo funciona. 

(…) Para ter certeza de que o algoritmo do Supremo funciona como deveria, sem interferências externas, é fundamental que tanto seu código quanto seu hardware sejam conhecidos, transparentes e auditáveis. 

Nada disso acontece hoje. Há, aliás, suspeitas de que o algoritmo não seja tão simples assim. Ele seria “calibrado”, por exemplo, para distribuir processos de modo a equiparar a carga de trabalho de cada ministro. Não há informações públicas confirmando ou negando isso. Também não se sabe em que termos essa suposta calibragem aconteceria. 

(…) Em seu livro paradigmático, Lessig apontou que um dos desafios de embarcar normas em códigos é que eles são escritos em linguagem que não é compreensível para a maioria das pessoas. Essa opacidade poderia ser chamariz para a corrupção. Por essa razão, mais do que nunca, é hora de jogar transparência e inteligência pública sobre os códigos que regem o país”

Como escrevi na época, aí, talvez essa história da teoria da conspiração caísse para um campo mais real. E os bravos procuradores da República ganhassem coragem para investigar as suspeitas e ouvir técnicos do STF e do TSE. Vá que eles tenham boas informações para dar. 

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E, para que não pairassem dúvidas sobre a isenção do Supremo, a presidente Carmen Lúcia autorizaria uma auditoria no tal algoritmo e entregaria todos os resultados dos sorteios dos últimos anos a uma análise probabilística feita por especialistas. 

Na época, Doutores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) procuraram o GGN dispondo-se a fazer o estudo sem custos para o Supremo.

Mas as manipulações prosseguiram até a inviabilização da candidatura Lula em 2018.

Peça 9 – o fim do grande campeão branco

Toda essa arquitetura se esboroou quando o ex-PGR Rodrigo Janot julgou ter encontrado seu momento de glória: a possibilidade de uma delação da JBS atingir o presidente interino, Michel Temer, e Aécio Neves[21].

A blindagem de Aécio tinha sido nítida em vários episódios, especialmente naqueles relacionados com os esquemas de Furnas[22] e da construção do centro administrativo de Minas Gerais. A blindagem a José Serra surgiu quando não se levou adiante informações da delação da Odebrecht[23].

A delação da JBS engripou quando foram analisadas as gravações e se descobriram algumas que haviam sido esquecidas no celular, incriminando um dos braços-direitos de Janot, o Procurador Marcelo Miller.

No mar de trapalhadas que se seguiu, houve a prisão temporária de Andréa Neves, irmã e principal estrategista de Aécio, jogando ao mar a única candidatura viável do PSDB.

A partir daí, estavam escancaradas as portas para a eleição de Jair Bolsonaro. Havia apenas um obstáculo pela frente: a eventual candidatura de Lula. Mas o STF tratou de inviabilizá-la.

O primeiro passo foi a votação de uma liminar para impedir que Lula fosse preso por Sérgio Moro. A liminar foi rejeitada por 6×5. Votaram pela manutenção da prisão de Lula os Ministros: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luiz Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Como houve empate, o voto de desempate foi da presidente do STF, Carmen Lucia. A PGR Raquel Dodge defendeu a rejeição da liminar.

Em 31 de agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a liminar impetrada pela defesa de Lula, para suspender a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que indeferiu seu registro de candidatura à presidência da República nas eleições de 2018.

Por 6 votos a 5, o STF negou a liminar e manteve a inegibilidade de Lula.

O voto de Luís Roberto Barroso foi um dos mais controversos do Tribunal. E teve um impacto significativo no cenário político brasileiro, influenciando o resultado das eleições de 2018.

A partir dali o STF escancarou as portas do país para a entrada das milícias de Jair Bolsonaro e de militares conspiradores. Mais à frente, quando se deu conta do desastre que produzira, comportou-se como Charles Laughton em “Testemunha de Acusação”, usando a toga como armadura para reabilitar a democracia que ele próprio havia condenado.


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[18] https://tinyl.io/AGQs

[19] https://tinyl.io/AGQv

[20] https://tinyl.io/AGQv

[21] https://tinyl.io/AGVZ

[22] https://tinyl.io/AGVY

[23] https://tinyl.io/AGVd

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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