BRENO RUIZ, O AUTO DE UMA CIDADE

Uma das virtudes de Pequenas Impressões sobre o Caos, o novo álbum de Breno Ruiz, é ser quase um auto teatral, dramático e lírico, feito em louvor a São Paulo. As melodias criadas pela genialidade deste compositor, pianista e cantor paulistano, somadas aos versos de Roberto Dídio, são o sinal de que algo irresistivelmente criativo veio para acolher ouvidos ansiados pelo gozo supremo da música tatuando a pele. Disponibilizando-se para ser algo ainda maior.

Amadurecido, Breno cria harmonias e melodias que têm a beleza de serem ao mesmo tempo tradicionais e vanguardistas. Para tanto, a parceria com Dídio é fundamental: os dois complementam-se e se engrandecem. Tudo só se potencializa com a participação de um violonista do porte de João Camarero (presente, dentre outras, em “Semaforica”*, “Desacalanta”**, que conta com a voz de Renato Braz, e “Campos Elísios”, que também conta com Renato Braz, cantando e tocando percussões). Outra composição marcante é “A Tempestade”, com Cristóvão Bastos (piano) e Miguel Rabelo (violão e voz). Criações com a marca exclusiva de Breno!

Teatrais de tudo, as músicas compõem o auto de uma cidade à qual Breno pertence. Os personagens (bailarinas, sinhás, sertanejos, camelôs, Severinos), enfim, tudo o que a memória musical de Breno dispõe e a dramaturgia de Dídio reflete, estão lá, numa jornada camerística de insuperável brasilidade.
Impressionam as introduções e as finalizações musicais criadas por Breno para cada música. Ora trazendo só o piano, ora só o violão e ora ambos, elas são obras-primas à parte, prontas para quem sabe serem lançadas num futuro álbum instrumental.

Breno Ruiz é um grande cantor. Eu, inclusive, já lhe disse isso. Sua voz é personalíssima! Afinada, com graves e falsetes seguros, ela dá vigor ao álbum/auto e à dramaticidade composta por Dídio. Essas características ficam ainda mais evidentes nos versos “Pau de arara no sertão passou/ Severino de manhã partiu/ Pau de arara no rincão tombou/ Boia-fria no terrão caiu (…)”.

Em 2016, Breno lançou o seu primeiro CD, Cantilenas Brasileiras, sobre o qual, à época, expus meu arroubamento: “Estaria ele predestinado a ser um músico para sempre elogiado, mas eternamente desconhecido do grande público? (…) Mas os caminhos de Breno se abriram ainda mais quando Paulo César Pinheiro, sempre ele, escreveu todas as letras para o álbum.” E assim, o poeta generoso juntou-se ao compositor singular, dando-lhe ainda mais asas para o voo inaugural. O resto é história.

O cidadão Breno Ruiz, consciente das desditas de sua gente, que também são suas, segue na luta, ainda mais disposto a fazer o que mais sabe e gosta: compor, cantar e tocar piano. Sorte dos que sabem de sua existência e o acompanharão enquanto tiverem ânimo de ouvir e fome de viver.

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‘Semafórica’

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‘Desacalanta’

AQUILES REIS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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