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As razões da difamação de Lima Barreto moram além da garrafa. Mora na filosofia. Ele foi o pioneiro da propaganda do marxismo no Brasil.
No Canal Curta, assisti em 01/02/2024 ao documentário “Noite e Dia – Lima Barreto, Obra & Vida”.
Nas boas falas de professores e pesquisadores sobre o escritor, foi mencionado que Lima Barreto ganhou a fama, má fama, de beberrão. (No Recife, diríamos bebarrão). Com essa desculpa infâmia, ele foi barrado 3 vezes na Academia Brasileira de Letras, porque seria um homem de maus costumes. Em determinado ponto do documentário, um professor observou muito bem que Lima Barreto começou a ter problema com a bebida a partir dos 35 anos de idade. Mas antes, ele havia publicado, pelo menos, uma obra máxima da literatura brasileira, “Triste fim de Policarpo Quaresma”. E estivera em plena atividade de luta e talento nos jornais. Então, por que ser afastado por um vício posterior?
Mas o ponto que desejo destacar aqui é o seguinte: em nenhum momento foi dito que o vício do álcool atingiu alguns dos maiores nomes da literatura no mundo. E neles, o álcool era um charme, uma bela característica da sua literatura. Sem pesquisa, lembro Hemingway, que bebia a partir do momento em que deixava a sua escrita a partir das 11 da manhã, todos os dias. Lembro de James Joyce, de Faulkner, que numa visita a São Paulo, depois de uma bebedeira abriu a janela do hotel e gritou:
– O que foi que eu vim fazer em Chicago?!
No Brasil, como esquecer o genial poeta e compositor Vinícius de Moraes? E o magnífico escritor e compositor Chico Buarque? Jamais sobre eles foi dito que eram beberrões, indignos do convívio humano. Pelo contrário, são dignos da civilização brasileira até hoje. E com absoluta razão, por obra, mérito e justiça.
As razões da difamação de Lima Barreto moram além da garrafa. Mora na filosofia. Ele foi o pioneiro da propaganda do marxismo no Brasil. Ele acompanhou a Revolução Russa com entusiasmo. Ele foi, é escritor de combate, que transformou o preconceito racial em sátira e literatura contra os poderosos. Ele foi o primeiro escritor feminista do Brasil. Essa era a sua maior cachaça. Daí que ganhou a fama de bêbado, beberrão, bebarrão, sujeito desclassificado, um negro que não reconhecia o seu lugar. Assim o honravam na sociedade de classes do Rio de Janeiro, a capital federal, metida a branca e europeia. Mas a sua literatura falou e não falhou ao apontar o ridículo da burguesia e a tragédia dos desclassificados do Brasil.
Nos inimigos, são maximizados os defeitos. Nos amigos, tudo é graça, elegância e beleza. Marx dizia: “os proletários se embriagam, os burgueses vão ao club”.
Lembram-se de Lula, o cachaceiro?
O documentário volta a ser exibido em 03/02/24 às 13:30h, em 04/02/2024 às 22:00 h e em 05/02/2024 às 9:30h;.
*Vermelho https://vermelho.org.br/2024/02/03/lima-barreto-beberrao-por-urariano-mota/
Urariano Mota – Jornalista do Recife. Autor dos romances “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “A mais longa duração da juventude”
Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de “A mais longa duração da juventude”, “O filho renegado de Deus” e “Soledad no Recife”. Também publicou o “Dicionário Amoroso do Recife”.