O Barão de Itararé, uma pequena biografia
Fernando Aparício de Brinkerhoff Torelly, nasceu em 29 de janeiro de 1895, numa diligência a caminho da fazenda do avô, no Uruguai. Num lugar incerto e não sabido.
O pai descendia de italianos. A mãe era uruguaia. O avô, norte-americano; e a avó, índia charrua. “Sou internacional. Uma espécie de Liga das Nações”, definia-se Torelly.
Aparício Torelly, também conhecido por Apporelly e pelo falso título de nobreza de Barão de Itararé – numa referência à anunciada batalha que aconteceria na cidade paulista de mesmo nome, mas que nunca ocorreu de fato – , foi um jornalista, poeta, matemático, escritor e pioneiro no humorismo político brasileiro.
Aos dois anos, perdeu a mãe. Foi criado no Uruguai, pelas tias, na fazenda do avô. Aos sete, voltou para Rio Grande, para morar com o pai, João da Silva Torelly.
Em 1916, os 21 anos, publicou seu primeiro trabalho, o livro de poesias Pontas de Cigarro. A boa recepção a essa iniciativa literária acabou por levá-lo ao Rio de Janeiro, em 1925.
Em 1923, ainda em Bagé, foi diretor do jornal “Diário do Comércio”. Em 1924, em São Gabriel, do “A Razão”. Em 1925, chegou ao Rio de Janeiro onde conseguiu emprego no jornal “O Globo”, onde assinava seus textos como Aporelly.
Ainda nesse ano, trocou “O Globo” pelo “A Manhã”, dirigido por Mário Rodrigues, pai do jornalista Nelson Rodrigues, onde tinha uma coluna intitulada: “Amanhã tem mais”.
Não teve por muito tempo. Foi posto na rua.
Em 1926, como vingança, fundou “A Manha”, um jornal em formato tabloide, de circulação nacional, que foi um sucesso e iria inspirar jornalistas e humoristas, 40 anos mais tarde, a criar “O Pasquim”, “Cartoon” e “Planeta Diário”, entre outros.
O jornalista foi amigo, entre outras personalidades, de Luís Carlos Prestes, Samuel Wainer, Cândido Portinari, Assis Chateaubriand e Carlos Drummond de Andrade.
Colaboraram no jornal escritores de renome como José Lins do Rego, Sérgio Milliet, Rubem Braga, Raimundo Magalhães Jr. e Álvaro Lins. “A Manha” não poupava ninguém. Enfrentou a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas; criticou os integralistas de Plínio Salgado; ironizou políticos corruptos e censurou a elite conservadora brasileira.
O tom da publicação já estava claro em seu expediente: “Não temos expediente, jornal sério não usa de expedientes”. Nessa primeira fase, o jornal era totalmente produzido por Torelly.
Era um tipo de jornalismo de humor corrosivo, mordaz, irônico e debochado. Uma novidade na imprensa brasileira. Uma publicação assim, só apareceria anos mais tarde, com o lançamento da “Mad”, de Harvey Kurtzman e “National Lampoon”, nos Estados Unidos. No começo dos anos 30, alguns artigos seus desagradaram a oficiais da marinha. O resultado foi uma surra em Torelly, na Avenida Niemeyer, no Rio de Janeiro.
Mesmo machucado, ele não perdeu o humor nem a pose. É o que conta Joel Silveira, que o conheceu pessoalmente. “Ao voltar para o escritório, ele tratou logo de pendurar uma plaqueta de aviso na porta: ‘Entre sem me bater”.
Em 1934, fundou o “Jornal do Povo”, um diário que teve vida curta. Durou apenas 10 dias. Militante e um dos fundadores da Aliança Nacional Libertadora, Torelly foi censurado, vítima de agressões políticas e preso pela polícia política de Getúlio Vargas. Ficou na Casa de Correção durante todo o ano de 1936. Continuaria a entrar e sair da prisão quando Getúlio se tornou ditador, durante o período chamado Estado Novo (1937-1945).
Em uma de suas passagens pelos porões da ditadura de Getúlio, foi companheiro de cela do escritor Graciliano Ramos, além de outros intelectuais perseguidos pelo regime, como Nise da Silveira, Hermes Lima e Eneida de Morais.
O episódio, acabou por transformar o Barão em personagem do livro Memórias do Cárcere, no qual Graciliano narra seu período na prisão. Nessa ocasião, o Barão já se casara pela terceira vez – e logo ficaria viúvo. Durante seis anos, a partir de janeiro de 1938, publicou no “Diário de Notícias” a coluna “Amanhã tem mais…”.
Em 1945, conheceu Pablo Neruda, o poeta chileno, que lhe dedicou estes versos: “Ao Barão de Itararé / um grande entre os grandes / com respeito o saúda / de pé / o poeta dos Andes: / Neruda”.
Em 1947, Torelly foi eleito vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Comunista Brasileiro. O slogan de sua campanha política era: “Mais leite, mais água, mas menos água no leite – Vote no Barão de Itararé, Aparício Torelly”.
Em 1948, o registro do “Partidão” foi cassado e Torelly perdeu o mandato.
Convidado pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes, Torelly começou a escrever na “Folha do Povo”, junto com o poeta Carlos Drummond de Andrade, o pintor Di Cavalcanti e o escritor Jorge Amado.
Para o cartunista e jornalista Jal (José Alberto Lovetro), “o humor corrosivo do Barão era uma espécie de charge escrita, de grande poder contestador”.
Desde os anos 50, Fortuna alimentava a idéia de lançar uma compilação de edições de “A Manha”. Uma coletânea dos textos de Torelly nos moldes dos “Almanhaque” – uma paródia dos almanaques tradicionais – lançados a partir de 1949, por Torelly.
Em parceria com Jaguar, a proposta foi levada adiante, e o material ficou pronto em 1968, bem às vésperas da decretação do AI-5, ato institucional que acirrou a perseguição política do governo militar.
“Desistimos então do lançamento, pois Torelly poderia ser preso”, conta Jaguar. “Aquilo me deixou muito deprimido.” Em meio ao tumulto daqueles dias, o cartunista lembra que acabou esquecendo os originais do livro num táxi, numa madrugada carioca.
Posteriormente, o projeto foi retomado por Fortuna, que fez uma outra compilação dos textos de Torelly, terminada pouco antes da morte do cartunista.
Nessa época, já longe do jornalismo, Torelly isolou-se em seu pequeno apartamento, atulhado de livros, no bairro de Laranjeiras, onde morou até sua morte, em 1971, aos 76 anos.
EDIEL RIBEIRO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)