A opinião pública nacional passa a ser conduzida por slogans, em processo muito similar ao das bolhas de redes sociais.
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Arrumando meus arquivos, encontro uma carta de Emilio Botin – o então presidente do Banco Santander – agradecendo minha participação em um seminário organizado pelo banco na Espanha. Fui convidado pelo Miguel Jorge, ex-diretor de redação do Estadão, que se tornara diretor de comunicação do Santander.
Foi um momento curioso. O seminário foi na Universidade Hernandes Pelaez, presentes vários presidentes de grandes empresas espanholas, o então presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Enrique V. Iglesias.
O debate começou com um editor do El País acusando as empresas espanholas de usarem o dinheiro das viúvas espanholas para investir em países selvagens. Aquilo calou fundo.
Na minha vez, expliquei aos colegas que o “país selvagem” tinha empresas muito melhor administradas que as espanholas, que a Telesp estava em um estágio técnico superior à Telefonica, que nossa agricultura dava de dez na Espanha.
– A única vantagem de vocês foi terem saído na frente, conseguirem recursos no mercado internacional e adquirirem nossas melhores companhias estatais.
Aconselhei-os em vez de seguir as bobagens do mercado financeiro, acompanhassem o processo de desenvolvimento dos países através de instituições como o próprio BID.
– Se não fosse o governo brasileiro entregar a Telesp para a Telefonica, vocês teriam sido engolidos pela empresa de telefonia alemã.
Não sei se minha indignação dificultou, para os jornalistas espanhóis, a compreensão do que eu disse. Só sei que ninguém rebateu. O único a se manifestar foi Iglésias, satisfeito por ter recolocado os temas no lugar.
Ali me dei conta de que a internacionalização do capital passou igualmente pela pasteurização da cobertura econômica. Em seu formidável “Moedas”, o grande André Araújo descreve com perfeição esse processo. Começou com as primeiras cartas do Citi, ainda nos anos 40. Depois, foi sendo ampliado pela concertação entre os bancos centrais nacionais em depois, entre esses e os departamentos econômicos de bancos, até transbordar para a mídia.
A opinião pública nacional, então, passa a ser conduzida por slogans, em processo muito similar ao das bolhas de redes sociais. Política industrial é coisa velha; metas inflacionárias têm que ser seguidas a ferro e fogo, assim como o déficit zero, senão a economia será destruída.
Nos anos 90 convivi muito com o banqueiro Walther Moreira Salles – de quem escrevi uma biografia. Na época, seu sonho era aplicar os recursos do Instituto Moreira Salles em dois projetos: um para incentivar a cultura; outro para formar advogados. E os economistas?, indaguei. E ele:
– Se fosse seguir conselhos de economistas, não teria chegado onde cheguei.
Sua crítica – especificamnente em relação aos economistas de mercado – era a incapacidade de enxergar o novo, analisar o dinamismo da sociedade, da economia, das empresas. Por isso mesmo, seus grandes conselheiros econômicos eram José Luiz Bulhões Pedreira e San Thiago Dantas, sempre atentos aos novos modelos de negócios que surgiam.
Mais de vinte anos depois, o Santander se tornou um dos grandes bancos brasileiros, depois de adquirir o Banespa.
Mas aí, recorreu a uma lição que não se ensina na escola.
– O Banespa, privatizado, não tinha mais direito a receber contas públicas.
– José Serra era Ministro do Planejamento e amplamente influente no governo.
– Botin conseguiu autorização para o banco continuar operando contas públicas.
– Ao mesmo tempo, pagou R$ 700 milhões para uma empresa argentina, que tinha montado um sistema de banco digital. Foi 10 vezes mais do que esperavam. Tempos atrás visitei um banco brasileiro e o presidente me apontou um computador desligado.
- Sabe o que tem ali? O Patagon.
Justamente o sistema adquirido por R$ 700 milhões por Bottin.
– Por coincidência, Verônica Serra, filha de Serra, ganhou 10% da empresa.
E foi assim que nasceu o Mercado Livre.
LUIS NASSIF “JORNAL GGN” ( BRASIL)