É necessária mobilização permanente da classe trabalhadora, de maneira a manter a pressão sobre as castas das quais o “outsider” Milei havia prometido se livrar
Os trabalhadores argentinos mais uma vez mostraram sua capacidade de mobilização, promovendo nesta quarta-feira (24/jan) uma enorme manifestação na Praça do Congresso, em Buenos Aires. E apesar das ameaças de representantes do governo federal, os manifestantes “cortaram” as ruas – de fato, a manifestação lotou a Praça do Congresso, várias quadras da Av. de Mayo e todas as ruas transversais, por onde os manifestavam tentavam, muitas vezes sem sucesso, chegar à praça.
O motivo da “bronca” geral é unânime: as leis (decretadas ou projetadas) pelo governo Milei favorecem as famílias ricas e os grandes grupos empresariais (inclusive estrangeiros), prejudicando os trabalhadores, os aposentados, e os pequenos e médios empresários. A promessa de “acabar com as castas” (políticas e econômicas) ficou para trás com a chegada ao poder, quando seu ministério foi ocupado pelos representantes destas mesmas castas, oriundos do antigo governo Macri, de péssima lembrança aos trabalhadores argentinos. E o discurso ultra-liberal e libertário expresso no mote “Viva la Libertad, carajo!”, serve para encobrir o verdadeiro objetivo dos grandes grupos econômicos, que estiveram por trás da redação do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) e das Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos (“Ley Ómnibus”), que procuram alterar ou revogar leis de proteção aos trabalhadores e pequenos e médios empresários, consolidando e incrementando os benefícios às corporações dominantes, além de prever superpoderes para Milei até o final de seu mandato.
O Decreto de Necessidade e Urgência, que já está em vigor até que seja rejeitado pelo Congresso, promove a total desregulamentação das relações comerciais e empregatícias, favorecendo os indivíduos e empresas de maior poder econômico (especialmente grupos estrangeiros). Assim, ficam liberados os aumentos de preço de planos de saúde e aluguéis, a propriedade cruzada entre grupos de comunicação, o estabelecimento de grandes redes farmacêuticas internacionais, a propriedade estrangeira de terras rurais, entre dezenas de outras determinações que favorecem o grande capital em detrimento dos trabalhadores (e dos pequenos capitalistas, os chamdos PYMES). Por outro lado, o decreto altera leis trabalhistas, de maneira a favorecer a criação de empregos de menor qualidade e precarizar o trabalho assalariado, consolidando essas transformações por meio do enfraquecimento dos sindicatos e da negociação coletiva (já vimos isso antes, e os resultados não foram positivos, nem para os trabalhadores, nem para o país).
Além da revolta contra as leis propostas, há outro fator bem mais urgente a levar as pessoas para a rua nesta quarta-feira: a carestia e o aumento da pobreza, provocados pela maxidesvalorização do dólar nos primeiros dias de governo, seguida pela dolarização informal de bens e serviços, com reajustes generalizados nos preços. Como os salários e aposentadorias não foram reajustados, na prática houve uma desvalorização de mais de 40% no poder de compra dos trabalhadores no espaço de pouco mais de um mês, ocorrendo um processo que também já conhecemos bem, dos terríveis anos do interregno fascista no Brasil, simbolizado pelo ovo substituindo a carne na alimentação da classe trabalhadora.
A multitudinária manifestação em Buenos Aires deste dia 24, repetida em diversas outras cidades pelo país, pode aguçar o sentimento de conflito social, levando os elementos mais autoritários do governo a promoverem alguma forma de repressão, que por sua vez intensificará os distúrbios sociais. Por outro lado, pode representar um alento para os que defendem os interesses dos trabalhadores, reforçando a vontade dos congressistas de oposição para trabalharem contra a aprovação das leis propostas e pela revogação daquelas já decretadas (como a estapafúrdia proibição de que três ou mais pessoas se reúnam na rua sem autorização policial). Para isso é necessário a mobilização permanente da classe trabalhadora, de maneira a manter a pressão sobre as “castas” econômicas e políticas das quais o “outsider” Milei havia prometido se livrar (já vimos isso por aqui também…)
ANDRÉ GATTAZ ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)
Jornalista, historiador e editor. Doutor em História Social pela USP. É autor de “A Guerra da Palestina” (Usina do Livro, 2003) e editor da Editora Pontocom