XADREX DOS DESAFIOS DE LULA E A MALDIÇÃO DO BRASIL DE DUNGA

Idiossincrasias e falta de foco na vitória continua sendo o principal fator de atraso do país. Resta saber se, em 2024, Lula conseguirá superar a maldição de Dunga.

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Peça 1 – o entendimento sobre desenvolvimento

Duas coisas chamaram atenção em Lula, na nova inauguração da Refinaria Abreu e Lima (RNEST). 

A primeira, o seu discurso. A presença da multidão, as imagens de mocinhas e rapazes humildes, chorando enquanto cantavam o Hino Nacional, inspirou um discurso de Lula, como não se ouvia há tempos.

Teve espaço para desabafos, em relação à campanha ignominiosa que sofreu, mas na maior parte do tempo foi recheado de princípios políticos, econômicos e sociais da mais alta relevância – embora dito com a linguagem simples de um homem do povo. Essa é a mistura imbatível: princípios que parecem ser de um senso comum mas que, somados, definem um projeto de país como nenhum outro governante ousou fazer.

Mostra a profunda empatia com o povo, com a geração de empregos, com a mudança na vida das pessoas, com o meio ambiente, com os princípios fundamentais da neoindustrialização. Depois, uma defesa enfática do desenvolvimento – visto como um processo de construção do país, com espaço para o social, para o setor privado e para o Estado.

Segundo: o discurso contrasta com a política do seu primeiro ano de governo, absolutamente submissa aos 3 emes – mídia-mercado-militares – e amarrada ao Centrão.

Peça 2 – a herança da Lava Jato

Hoje em dia, apenas pessoas ignorantes ou de má fé – como Demétrio Magnolli -, para tratarem as informações sobre a influência dos Estados Unidos na Lava Jato como teoria conspiratória.

Na série “Lava Jato Lado B” detalhamos como se deu essa influência.

Aliás, em 27 de fevereiro de 2021 enviei o documentário a Gaspar Estrada. No dia 10 de abril ele publicou reportagem no Le Monde com as mesmas conclusões do documentário. Mas me garantiu, via mensagem do Twitter, que não teve tempo de assistir o documentário. Que seja! Mas a coincidência mostra os fatos disponíveis, para quem se dispuser a ir atrás.

Orientada pelo Departamento de Estado, o tiro da Lava Jato foi certeiro, ao mirar os seguintes alvos:

1. Liquidando com as empreiteiras nacionais, não apenas matou a competição com empreiteiras americanas no exterior mas, principalmente, desequilibrou totalmente o jogo político, especialmente no Congresso. As empreiteiras eram o único setor que se contrapunha ao lobby do mercado.

2. Tentou liquidar com os instrumentos de financiamento interno, como o BNDES.

3. Atirou de modo fulminante na parceria da Marinha com a França, para construção do submarino nuclear, ao atingir simultaneamente o Almirante Othon, o governo francês – através das denúncias contra o presidente Nicolas Sarkozy – e a Itaguaí Construções Navais (ICN), parceria entre o grupo Novonor e a empresa francesa Naval Group. Othon foi atingido por denúncias que o então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, recebeu diretamente de Leslie Caldwell, procuradora adjunta da Divisão Criminal do Departamento de Justiça. E Sarkozys por denúncias colhidas no Brasil pelo procurador suíço Stefan Lenz.  Em 2016, Lenz foi demitido do Ministério Público da Suíça. As razões para sua demissão não foram divulgadas oficialmente, mas especula-se que tenha sido devido a reuniões informais que ele teve com autoridades brasileiras envolvidas na Operação Lava Jato. O inacreditável PGR Janot tentou até contratá-lo como assessor da Lava Jato. Após sua demissão, Lenz fundou um escritório de advocacia em Zurique e ofereceu seus serviços para clientes brasileiros.

4. Por orientação de procuradores norte-americanos, a Lava Jato poupou o sistema financeiro, mesmo sabendo que a lavagem de dinheiro ocorria através dos bancos. Poupou, inclusive o banco BTG, tão influente no governo Lula quanto a Odebrecht. A alegação era a de que denúncias contra bancos poderiam desestabilizar a economia. As investigações da Lava Jato revelaram que o sistema financeiro brasileiro era amplamente utilizado para lavar dinheiro de corrupção. A única punição foi a um banco de São Paulo, de baixíssima penetração.

O golpe do impeachment completou o ciclo, ao quebrar as pernas do BNDES, dar autonomia completa ao Banco Central e amarrar os gastos públicos com metas de gastos, que só não estipulava limites ao pagamento de juros da dívida pública.

Em cima disso tudo, surge o Centrão, como força política maior, e as bancadas do agro, do tiro e das religiões.

Peça 3 – o desequilíbrio político

Se Lula tem certeza sobre os fundamentos básicos de funcionamento do Estado e da iniciativa privada, por outro lado tem uma cautela ampla em relação aos setores com potencial de desestabilizar a política. 

A cautela já se manifestava no Lula 1 e 2, mas ampliou-se agudamente no Lula 3 – justamente em função do enfraquecimento substancial do poder político do Executivo.

O dilema de Lula é claro. Há pouco espaço no orçamento, e na política, para as políticas públicas. Ele optou, então, por ceder a todos os setores com algum poder político ou armado – Igrejas, PMs, Forças Armadas, Polícia Federal, empresas com isenção na folha de pagamentos, mercado etc -, e tirar o espaço de todos os setores historicamente alinhados com ele. 

Os setores beneficiados jamais apoiarão seu governo; os prejudicados são da sua base de apoio, eis a questão.

Cada concessão política mina sua imagem junto aos setores que o apoiam. O caso mais ostensivo de temor reverencial é a não retomada da Comissão de Mortos e Desaparecidos, deixando dezenas de mães morrendo sem saber o destino dos filhos. E também a recuperação dos salários da Polícia Federal e de outras forças de controle, em contraposição ao congelamento das verbas das universidades e do salário dos professores.

Lula tentará compensar esse desgaste avançando nas brechas. Do mesmo modo que fez no primeiro e segundo governo. Mas lá, o boom das commodities abriu espaço para os gastos atenderem a todos os setores. 

A reinauguração da Refinaria, no entanto, mostrou que nem o desastre Jair Bolsonaro foi suficiente para conferir um mínimo de bom senso à imprensa. Uma medida totalmente racional – o aumento da capacidade de refino do país, para economizar divisas e aumentar a segurança energética -, e a ampliação da refinaria para produzir, também, energia verde, foi tratada como crime de lesa-pátria. Todas as besteiras foram levantadas, de argumentos ambientais – como se os refinados importados não afetassem a natureza – à lembrança da Lava Jato.

O discurso único dos comentaristas da Globonews foi a prova cabal da ordem unida – ou seja, ordem de cima, acatada por quem tem juízo. O restante da mídia veio atrás, em cima de slogans tão superficiais e preconceituosos como um artigo do Joel Pinheiro da Fonseca. Começou um ensaio de “delenda Lula”, mostrando que um Lula desenvolvimentista ainda é tratado como risco maior do que um bolsonarismo tresloucado.

Peça 4 – Lula 3, ano 2

Agora, Lula 3 viverá seu grande desafio. Promete sair pelo país, defendendo seu legado. Suas armas são as seguintes:

– Tentará obter apoio do setor industrial com o lançamento da política industrial nesta semana.

– Tem um conjunto de medidas de estímulo fiscais a novos investimentos e linhas do BNDES que estão sendo organizadas, com juros abaixo da Selic.

– A Petrobras voltou a ser um centro importante de investimentos públicos, permitindo a reconstrução da cadeia do petróleo – incluindo portos e estaleiros – sem as restrições fiscais impostas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.

– Tem a parceria com a rota da seda, da China, e com o banco dos Brics, para financiar as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

– O papel do Supremo Tribunal Federal e da Procuradoria Geral da República, que, através do levantamento das irregularidades das emendas parlamentares poderão coibir um pouco o apetite estrondoso do Centrão.

Na contramão, há os seguintes fatores negativos:

– A manutenção de taxas de juros proibitivas para a economia, com a maior parte do orçamento sendo consumida para pagamento de juros da dívida interna.

– A invasão dos produtos chineses, cada vez mais presentes na economia.

– As restrições orçamentárias, que o obrigarão a encarar, ainda no primeiro trimestre, a necessidade de cortes orçamentários.

– Um Congresso totalmente subordinado a interesses setoriais e corporativos.

– A impaciência cada vez maior de seus apoiadores históricos.

E, no final da linha, as eleições municipais.

O final do jogo é imprevisível, assim como é imprevisível o comportamento do nosso Ronaldinho da política – Lula. Em 2010, Dunga não levou Ronaldinho, alegando que ele não tinha comportamento adequado para um jogador de seleção. A razão era mais banal. No final dos anos 90, em um Grenal, Ronaldinho humilhou Dunga. No final, o Brasil foi eliminado nas quartas de final da Copa do Mundo de 2010. Dunga foi demitido após o torneio e Ronaldinho nunca mais foi convocado para a seleção brasileira.

Idiossincrasias e falta de foco na vitória continuam sendo os principais fatores de atraso do país. Resta saber se, em 2024, Lula conseguirá superar a maldição de Dunga e voltará a marcar gols.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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