Contribua usando o Google
Lula tem que desenvolver um discurso que coloque sob a mesma tena as federações de indústria, as centrais sindicais e mais
Peça 1 – ganhos e perdas de 2024
No plano externo, Lula conseguiu firmar-se como um dos grandes estadistas da atualidade. No plano interno, até agora, mostrou-se como um líder frágil, disposto a todas as concessões. Mas havia uma lógica política nessa posição defensiva.
De fato, sobreviver ao caos administrativo, político e militar herdados dos governos Temer e Bolsonaro foi um feito político maiúsculo. Para tanto, Lula teve que ceder em várias frentes:
– Atendeu às demandas do mercado com o arcabouço fiscal.
– Cedeu às Forças Armadas, empurrando para baixo do tapete os crimes militares de conspiração, um golpe que só não se concretizou por falta de apoio externo. E nomeou um Ministro da Defesa que comparou os acampamentos em torno de quartéis a piqueniques.
– Cedeu à Polícia Federal, com aumentos expressivos nos salários, em contraposição ao congelamento das demais carreiras públicas, especialmente professores.
– Cedeu ao Centrão, com a manutenção das emendas secretas.
Talvez não houvesse alternativa. Mas a série de concessões cobrou seu preço. Lula desapontou parte de sua base popular mais atuante e, mais do que isso, até agora mostrou-se um líder frágil, com pouca auto-confiança em sua intuição. Enfatizo sempre o “até agora”.
Ao mesmo tempo, até agora não conseguiu desenvolver um discurso inovador, capaz de mobilizar politicamente sua base e unificar o país. Pelo contrário, os acenos à conciliação são pontuais e com poucos desdobramentos.
Não significa que 2024 será um repeteco de 2023. Há duas hipóteses que só poderão ser comprovadas com a prova do pudim:
Hipótese 1 – Lula se poupou no primeiro ano para preparar a casa e reconstruir o Estado. E agora partirá para uma ofensiva política.
Hipótese 2 – continuará no mesmo bordão por não ver saídas políticas para o cerco que sofre.
Este é o grande enigma: qual Lula emergirá em 2024. Será o líder capaz de unir o país em torno de uma bandeira de desenvolvimento social; ou apenas um inaugurador das obras que caibam no arcabouço fiscal?
Peça 2 – possibilidades e restrições de 2024
Para quase todos os ministérios orgânicos (para diferenciar dos ministérios loteados para o Centrão), 2023 foi um ano de reconstrução interna e de montagem de planos de vôo.
2024 deveria ser o primeiro ano de reconstrução, com os Ministérios tentando colocar os projetos de pé. E aí se esbarra no arcabouço fiscal e na meta de déficit zero.
9 entre 10 analistas apostam na necessidade de rever as metas de superávit primário ainda no primeiro semestre. Será um embate duro, porque o Ministro da Fazenda Fernando Haddad apostou tudo em uma meta quase impossível. Flexibilizar a meta seria um sinal óbvio de bom-senso. Mas, para mídia-mercado, será sinal de rendição.
O Ministro Haddad conta com o aumento da receita fiscal para cumprir suas metas. Mas há os seguintes pontos jogando contra:
1. O desempenho do PIB de 2023 se deveu à PEC da Transição, que permitiu forte aumento dos investimentos públicos. A LOA (Lei Orçamentária Anual) não abrirá nenhum espaço para aumento de investimentos em 2024.
1. Houve também uma safra recorde com bons preços de commodities. Há dúvidas sobre se haverá repeteco.
1. As taxas básicas de juros continuarão em níveis proibitivos, mesmo com a queda de 0,5 ponto por reunião do Copom. E há um aumento expressivo do número de empresas em recuperação judicial.
1. Os setores dinâmicos da economia, como a indústria, mantiveram-se estagnados em 2023 e nada indica que haverá uma melhora no desempenho.
Por onde virão os impulsos para o crescimento da economia?
Há um conjunto de programas anunciados pelo MDIC (Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio), alguns com estímulos fiscais negociados com a Fazenda. A dúvida é se serão suficientes para contrabalançar todos os fatores negativos e salvar as eleições municipais.
Alterar a meta fiscal será uma das grandes batalhas políticas do primeiro semestre.
Peça 3 -os desafios de 2024
Os quatro principais temas de desgaste do governo Lula:
– com o Congresso, a expansão das emendas parlamentares, em meio a um vendaval de denúncias sobre mau uso e corrupção.
– com a Polícia Federal, um aumento expressivo de salários, em meio ao congelamento de salários de todas as demais carreiras do setor público, incluindo a de professores; e toda imunidade aos crimes praticados especialmente pela Lava Jato.
– com as Forças Armadas, a manutenção da pensão para filhos, independentemente da idade, e nenhuma medida de punição aos militares golpistas, que participaram do planejamento e execução dos episódios de 8 de janeiro.
– um afastamento sistemático da academia e dos intelectuais que poderiam contribuir para um novo projeto de país.
Portanto, o grande desafio de 2024 será o enquadramento institucional das Forças Armadas, da Polícia Federal e dos tribunais e procuradores rebeldes. É aí que entra o fator Paulo Gonet.
Peça 4 – o fator Paulo Gonet
Há indícios (enfatizo: indícios) de que Gonet terá função ativa na Procuradoria-Geral da República. O pedido de aposentadoria do delegado Maurício Moscardi Grillo, da tropa da Lava Jato, é sinal eloquente. Grillo foi responsável pela Operação Carne Fraca e por abusos no uso das verbas da Lava Jato. A manipulação da Operação Carne Fraca foi denunciada pela Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais. Sobreviveu graças à proteção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Recentemente, o Ministro Gilmar Mendes cobrou investigações sobre o papel de militares golpistas. Não cobraria se não confiasse na atuação de Gonet. Caso a PGR passasse a atuar firmemente na punição dos conspiradores militares e da PF, haveria, finalmente, o enquadramento das corporações armadas sem a interferência do Executivo.
Até agora, a correição do TRF-4 e da 13ª Vara Federal de Curitiba, pelo ministro Luiz Felipe Salomão, co Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não apresentou resultado nenhum. É possível que estivesse aguardando a entrada de um PGR mais assertivo. É possível que não.
O CNJ é uma das incógnitas do sistema judicial, assim como o papel do Conselho Nacional do Ministério Público. De qualquer modo, um dos desafios de 2024 será definir uma nova composição do Conselho Nacional de Justiça e do CNMP com conselheiros independentes, que permitam aos dois órgãos atuar efetivamente como freio aos abusos individuais de juízes e promotores.
Peça 5 – a bandeira aglutinadora
Desde fins do ano passado anuncia-se uma reforma ministerial, como ponto de partida para o segundo tempo do governo Lula 3.
Ainda falta a bandeira unificadora. No governo Lula 1, a bandeira foi o comnbate à fome. No Lula 2, o desenvolvimentismo, após a explosão da crise de 2008. No Lula 3, não bastará o Bolsa Família, ou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), mitigado pelo déficit zero.
A bandeira unificadora é a da neo-industrialização, mas pisando o barro, aumentando a auto-estima do pequeno empreendedor, mostrando que o verdadeiro país se constrói com produção, e não com gestores de investimento.
Lula tem que desenvolver um discurso que coloque sob a mesma tena as federações de indústria, as centrais sindicais, as associações comerciais, a agricultura familiar, o cooperativismo, a meritocracia das religiões evangélicas, o modelo de negócios do MST.
É a bandeira capaz de fugir das armadilhas dos temas morais.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)