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“A ordem do capital” é um verdadeiro confronto às bases do liberalismo econômico, demonstrando que modelos não democráticos de poder abriram políticas de austeridade
A obra “A ordem do capital: Como economistas inventaram a austeridade e abriram caminho para o fascismo” é um verdadeiro confronto às bases do liberalismo econômico, demonstrando que modelos não democráticos de poder abriram a economistas a possibilidade de implementar políticas de austeridade e que tais modelos se perpetuam ainda hoje em “sentenças democráticas” disfarçadas, obrigando os trabalhadores a uma condição passiva e subordinada, e retirando da sociedade a esperança de que haja outros caminhos para além do próprio capitalismo.
Em entrevista exclusiva ao Jornal GGN, uma das principais referências atuais de pesquisas econômicas internacionais e escritora do livro, Clara Mattei jogou luz sobre o que sustenta o capitalismo mundial, tendo como importantes ferramentas a austeridade e modelos não democráticos de poder.
“Se você olhar para a história, você vê que há uma tensão muito grande entre o capitalismo e a democracia. A austeridade, para funcionar, requer Estados fortes, requer governos fortes e, possivelmente, prefere fascismos em vez de participação democrática”, afirmou.
No livro, Mattei explica como a austeridade eclodiu no berço do fascismo, na Itália de Benito Mussolini, de 1922, que “chegou ao poder com a agenda de esmagar a mobilização dos trabalhadores”.
“O que eu conto no livro é a história que, depois da Primeira Guerra Mundial, no centro da nossa economia capitalista, na Europa Ocidental, houve muitos experimentos para diferentes sociedades, experimentos que realmente colocavam no centro a participação dos trabalhadores, nas fábricas e no campo e a ideia de produzir para a necessidade e não para o lucro. Experimentos que iriam potencialmente propor uma sociedade que parecia muito diferente foram anulados pela austeridade, e isso aconteceu com muito sucesso, muito rapidamente na Itália por causa da mão forte de Benito Mussolini.”
A economista estabelece, assim, a relação direta entre os economistas que levantaram os modelos de austeridade e o fascismo: “porque Mussolini se tornou mais forte por causa do apoio daqueles economistas”
“Eu uso o trabalho de arquivos para realmente mostrar o quanto o establishment liberal financeiro adorava Mussolini. Por causa de sua capacidade de apaziguar a população, restringir greves, reduzir salários, privatizar, demitir funcionários públicos, conseguiu toda a receita da austeridade muito rapidamente.”
Com a recuperação dessa cronologia histórica, a pesquisadora também vem desmontar, com “A ordem do capital”, a tese de que o capitalismo precisa de “menos Estado” e o poder mais concentrado nas instituições privadas.
Isso porque a austeridade exige a intervenção estatal para manter esse modelo econômico funcionando e, contraditoriamente, quanto menos democrático for o governo, mais sucesso tiveram tais intervenções, a exemplo da Itália de Mussolini e do Chile na ditadura do general Augusto Pinochet.
“Se lermos a história, entendemos que esse autoritarismo não é contra o capitalismo, ele trabalha a favor do apoio à ordem do capital e é capaz de fazer ainda melhor esta agenda de austeridade”, expôs.
“O que normalmente se diz é que a austeridade é menos Estado e mais mercado e, na verdade, o que tento mostrar é que o mercado exige sempre o Estado. A questão é qual é esse tipo de intervencionismo estatal, e o que se vê é que a austeridade tem tudo a ver com a transferência de recursos dos trabalhadores em favor da minoria que investe no mercado. Por isso, não é menos Estado, é o Estado agindo de uma maneira classista, nossos governos agindo de uma forma classista para subordinar e enfraquecer a maioria em favor da minoria, que se enriquece com o funcionamento da nossa economia capitalista.”
Clara alerta para o fato de que, se no passado, a austeridade encontrou espaço em governos escancaradamente antidemocráticos, hoje ela tem seus frutos em “ambientes liberais [politicamente] e democráticos”.
“A austeridade funciona de uma forma que é menos explícita, mais disfarçada e a maneira como eles fazem isso é em uma sentença democrática (…). Então, há degraus no qual se pode democratizar os medos dos economistas, e em democracias atuais, na Itália, por exemplo, você coloca o corte do Orçamento na Constituição, então se torna uma questão técnica e as pessoas não podem se opor à austeridade, mas ainda é a mesma maneira de democratizar o espaço econômico.”
Ao longo de suas pesquisas, a economista enxerga que os caminhos atuais estão em compreender a história, compreender que “o capitalismo não é um sistema natural fixo que está aí para durar para sempre” e que as condutas econômicas são, na realidade, decisões políticas, e o modelo atual baseado em formas de “se perpetuar a exploração dos trabalhadores”.
“Hoje, a teoria econômica dominante justifica que a austeridade é uma necessidade técnica e que a única sociedade que se está pensando é uma em que os investidores lucram, o empresário lidera a economia e os trabalhadores têm que ter esse papel passivo de apenas aceitar sua subordinação.”
“Esses modelos econômicos que colocam o empresário no centro da economia e negam que haja classes e conflitos e, em vez disso, vêem tudo como muito harmonioso e muito benéfico para todos, o mercado como o espaço onde todos podem prosperar, isso é claramente algo que as pessoas não acreditam mais”, completou.
O livro “A ordem do capital: Como economistas inventaram a austeridade e abriram caminho para o fascismo”, de Clara Mattei, foi lançado este mês pela Boitempo.
Confira a íntegra da entrevista exclusiva de Clara Mattei na TVGGN:
PATRICIA FAERMANN ” JORNAL GGN” ( BRASIL)
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 8 anos.