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O esforço de Haddad salvou o governo, pois sem credibilidade na economia, o governo terminaria o ano em crise
Existe uma percepção da opinião pública, em regra conformada por pesquisas, de que quando a economia vai bem os governos são bem avaliados. Mas existem exceções. Este é o caso do primeiro ano do atual mandato de Lula. Neste sentido, o governo termina o ano em estado de paradoxo.
A situação da economia está muito melhor do que se projetava no início do ano: crescimento de 3%, juros abaixo do que o mercado projetava para o final do ano, inflação controlada mesmo com crescimento de emprego e renda, emprego em alta, trabalhadores com carteira assinada batendo o marco histórico dos 100 milhões, consumo das famílias melhorando, balança comercial favorável, taxa de câmbio saudável e a bolsa de valores batendo recordes.
Outros fatores também foram importantes: a convergência entre a política monetária e fiscal geraram confiança e credibilidade no governo. Em grande medida isto se deveu ao ministro Haddad que conseguiu viabilizar a nova política fiscal e anular o estresse na relação do governo com o Banco Central. Haddad foi o ministro do ano. Não há como não reconhecer que o esforço de Haddad salvou o governo, pois sem credibilidade na condição da economia, o governo terminaria o ano em crise.
Com discrição, até humildade, mas com muito ativismo, Haddad conseguiu viabilizar pautas importantes do governo no Congresso. Usou a racionalidade para desfazer interesses velhacos de uns, voluntaristas de outros e confusos de terceiros. Mesmo com pressões argentinizantes vindas de setores do PT e do governo, conseguiu manter de pé a estratégia da política econômica centrada na responsabilidade fiscal e social, algo que fez melhorar a percepção de risco das agências internacionais e de investidores. A aprovação da Reforma Tributária, mesmo que precária e insuficiente, também ajudou nessa melhora.
A ideia de abrir mão da meta de déficit zero para 2024 seria desastrosa. O governo ficaria sem estratégia e o Congresso não assumiria compromissos de apoiar o esforço do ministério da Fazenda de melhorar a arrecadação. Se a meta será atingida ou não é algo que terá que se ver. Mas o fundamental é que o governo tem uma estratégia, um objetivo.
Se as coisas estão muito melhor do que as projeções na economia, então onde está o estado de paradoxo? Na percepção que a sociedade tem do governo. As seis ou sete pesquisas de avalição do governo neste final do ano apresentam a seguinte síntese: de modo geral existe uma estabilidade de janeiro a dezembro, mas com tendência de queda, tanto na avalição do governo, quanto do desempenho do presidente Lula. A situação não é desastrosa, mas é preocupante.
Existem duas áreas nevrálgicas em que o governo não vai bem: a articulação política e a Comunicação. Os principais expoentes da Câmara e do Senado, aqueles que efetivamente decidem, chegam a ignorar a articulação politica. Buscam uma interlocução direta com Lula e com Haddad. As coisas estão mal aparadas e Lula, provavelmente, fará mudanças.
O Congresso é o nó górdio do governo. Com fortes investidas sobre o orçamento, buscando um controle crescente de recursos, o Congresso no seu conjunto e o centrão em particular, cobram pesadas contrapartidas para que o governo consiga viabilizar suas pautas no Legislativo. A precária base parlamentar original dos partidos que formaram a coalizão que elegeu Lula está na raiz das dificuldades do governo no Congresso. O saldo do ano nesta área, contudo, não é negativo. As negociações evitaram derrotas significativas.
Quanto à Comunicação, alguns analistas argumentam que ela está dificultada porque o governo não consegue tornar visível um projeto claro e coerente rumo ao futuro. Admita-se que isto é verdade. Mesmo assim, o que o governo realizou de positivo neste ano indica que a avaliação deveria ser melhor. Os formatos da comunicação do presidente Lula não emplacaram. A comunicação está sendo mal feita.
O desempenho das outras áreas ministeriais, algumas com resultados mais positivos, outras com resultados regulares, não comprometeram o governo. É preciso considerar que em algumas áreas, a exemplo do Meio Ambiente, Cultura e Saúde, o governo Bolsonaro deixou terra arrasada.
Lula fez um esforço necessário e extraordinário para recolocar o Brasil no cenário e nos fóruns internacionais. Ocorreram muitos acertos e alguns resvalos, a exemplo da guerra na Ucrânia e o tratamento dado a Maduro. Lula acertou no caso da guerra de Gaza: o Hamas cometeu um ato terrorista que merece dura condenação. Mas Israel vem conduzindo uma guerra de vingança, um terrorismo de Estado, que tem como principal alvo crianças, mulheres e idosos. Mas os estrategistas do governo precisam considerar que, muitas vezes, os esforços internacionais de um presidente não se traduzem em resultados positivos internos. Para o próximo ano, Lula deveria dedicar maior atenção às questões internas.
Diante deste quadro, uma das conclusões possíveis é o de que o governo está errando na política. O slogan “União e Reconstrução” é equivocado. Lula, como presidente, precisa pregar a união do povo brasileiro. No quadro de polarização que está em vigor, não há eficácia em falar numa “união” genérica. Existem inimigos inconciliáveis com o atual governo. Inimigos que ficaram desorientados logo após o 8 de janeiro, mas que foram se reconstituindo ao longo dos meses, tanto no Congresso, quanto nas redes sociais e na opinião pública.
O governo, o PT e as esquerdas tiveram uma oportunidade de ouro para derrotar politicamente o bolsonarismo após a tentativa de golpe. O enfrentamento forte não foi feito e o momento foi perdido. O único que parece ter percebido esta necessidade foi Flávio Dino. Sua ida para o STF deixará um vácuo político enorme no governo.
Os papeis políticos e os desempenhos retóricos do presidente Lula, dos ministros, do PT, dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais precisam ser específicos e diferenciados no que diz respeito ao enfrentamento político e ideológico com o bolsonarismo e com a extrema-direita. Não se pode pressupor que não deva haver enfrentamento político e ideológico – disputa de hegemonia. Isto implica também que se deve buscar cindir as bases sociais e eleitorais da extrema-direita.
O fato é que não se consegue visualizar qual é a estratégia política do governo, do PT e dos partidos de esquerda no atual quadro de disputas políticas e ideológicas do país. Parece que existem problemas de conteúdo e de forma, de retórica persuasiva e de uso adequado dos meios digitais, de comunicação e de mediação. Existe um problema do que dizer, do como dizer e do quando dizer. Existe um problema de quem diz o que. Um governo não pode ser visto como alguém que fica prescrevendo receitas para a sociedade. Um governo e sua base partidária e política precisam ser, também, política e ideologicamente ativos.
ALDO FORNAZIERI ” JORNAL GGN” / BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.