XI, BIDEN E O CURSO DA HISTÓRIA

Vice President Joe Biden and Secretary of State Hillary Clinton host a luncheon for Vice President Xi of China at the State Department, Washington, DC, February 14, 2012. Also pictured are former Secretary of State Henry Kissinger and New York Times columnist Tom Friedman. (Official White House Photo by David Lienemann)

Contribua usando o Google

<

Será que o cerne dos nossos valores seriam desvirtuados por uma suposta hegemonia econômica?

Polemizando…

O artigo do Lourival Sant´Anna, intitulado “O longo caminho para China e EUA”, que o Estadão publicou no dia 19/11, no qual ele analisa a “competição entre democracias (EUA…) e autocracias (RPC…) para mobilizar o Ocidente contra China, Rússia, Irã e Coreia do Norte”, o âmago de um conflito que “pode ser adiado, mas dificilmente evitado”, estimulou-me a refletir sobre a fatalidade destas afirmações.

Segundo o articulista, “depois de se reunir com Xi Jinping, Joe Biden foi indagado por uma repórter da CNN se o presidente americano ainda considerava o líder chinês um ditador. Ele respondeu que sim. A chancelaria chinesa repudiou a declaração. O episódio revela os imensos obstáculos a uma distensão entre as duas superpotências”… Ainda conforme o artigo, “durante a reunião a portas fechadas entre os dois líderes, segundo a agência oficial chinesa Xinhua, Xi argumentou que a China não tem planos de ultrapassar ou desbancar os EUA, e os EUA não deveriam tramar para suprimir ou conter a China”.

Vamos refletir sobre a “alegação da inevitabilidade de um conflito EUA X RPC”… e “os planos de a RPC desbancar os EUA.” ?

Para tanto, é preciso tentar entender como a China – antes mesmo de ser percebida como uma “República Popular” – se vê. Lourival Sant’Anna tem razão quando afirma que “a China acredita ter vocação milenar a ocupar o centro do mundo”. Na verdade, a primeira impressão que se pode ter é que os chineses se vêem antes como uma “civilização” do que um “país” segundo o conceito westfaliano. Com efeito, o nome oficial do país, em mandarim, é “Zhōng guó” (中国),”país do centro/meio”. Esta tem sido a imagem pela qual os chineses têm-se identificado perante eles mesmos ao longo da sua História. Como corolário deste conceito, para manter a integridade da sua civilização, eles se mantiveram isolados do mundo durante séculos pelas muralhas que construíram a partir do século VII AEC até o final da dinastia Ming (1368-1644). Entrementes, expandiram o seu comércio através da(s) Rota(s) da Seda e se tornaram a maior potência econômica do planeta ao longo dos séculos, mas nunca ocuparam de forma “imperialista/colonialista” territórios além dos que – “à tort ou à raison” – consideram como seus: o Tibete, Xinjiang, Hong Kong, Macau e Taiwan, todos eles, aliás, contestados pela população nativa e por grande parte da comunidade internacional. Até que nos séculos XVIII/XIX os ocidentais vieram romper este “esplêndido isolamento” e catapultar a sociedade chinesa ao conturbado século XX, que ela enfrentou de forma atabalhoada.

O que isto tem a ver com alegadas “veleidades hegemônicas” de Pequim? Em suma, como as elites políticas e empresariais chinesas– e a população, na sua grande maioria – vêem o papel da China no mundo contemporâneo?

A julgar pelos conceitos enunciados logo no primeiro capítulo do livro “The China Dream”, de autoria do professor e diretor da “China´s National Defense University”, Liu Mingfu…”, que o Presidente Xi Jinping cita amiúde, “… it has been China´s dream for a centrury to become the world´s leading nation…But what does it mean for China to become the world´s leading nation? First it means that China´s economy will lead the world. On that basis, it will make China the strongest country in the world. As China rises to the status of a great power in the 21st century, its aim is nothing less than the top – to be the leader of the modern global economy”: ou seja, ela se vê como a superpotência econômica do século XXI.. Possível?… Preocupante?… Em outros termos, seria uma “revanche” contra o espoliação a que foi submetida pelas potências europeias no século XIX , que a sua história registrou como o “Século das Humilhações”?…

De um outro ângulo de análise, este livro foi publicado inicialmente em 2015, quando a economia chinesa crescia a galope… Seria o mesmo cenário, agora? Será que os desafios que a economia e a sociedade estão enfrentando na atualidade constituem o presságio de um novo ciclo, ou até mesmo de um possível declínio?… Ou a adaptação a um novo paradigma de desenvolvimento, voltado cada vez mais para o mercado interno e não tão dependente do comércio exterior, não demandando, portanto, PIB´s tão superlativos?

E o que isto tem a ver com o encontro entre Xi Jinping e Joe Biden?

A leitura que os americanos estão fazendo, pelo que entendo, é a de uma “ameaça aos valores do Ocidente” – democracia, direitos humanos, liberdades individuais, etc. – impulsionada pelos conceitos e valores promovidos pelos “comunistas chineses“. Este entendimento levou Joe Biden a chamar Xi Jinping de “ditador”, como vimos. Porém, estamos falando de ideologia, valores… ou de conceitos/preconceitos civilizacionais? Certamente, o presidente americano, e a maioria de nós neste lado do planeta, analisamos e prejulgamos uma cultura alienígena segundo nossos padrões… é a lógica; mas, será que estes padrões, que fazem todo sentido para nós, são válidos “erga omnes” num planeta cada vez mais interligado? Qual é a fronteira entre as ideologias e a boa convivência? Onde estaria o equilíbrio?

Ademais…

A História segue o seu curso… Testemunhei quatro hegemonias no meu tempo de vida (nasci em 1945): 1) o ocaso do Império Britânico, ao final da II Guerra Mundial; 2) a hegemonia disputada entre os Estados Unidos/Ocidente e a União Soviética/países da “Cortina de Ferro”, na “détente” das décadas de 60/70/80; 3) a hegemonia unívoca dos Estados Unidos após a dissolução da URSS, em 1991; e 4) a hegemonia compartilhada entre os Estados Unidos e a China neste início do século XXI. Conjecturando, eu me pergunto qual seria a próxima…Tenho as minhas suposições…

Desta forma, convido os amigos a refletir comigo sobre se os valores que compartilhamos neste lado do planeta estariam “ameaçados”, como julga o Presidente americano, pela emergência da que aparentemente está fadada a ser a principal economia do mundo. Será que o cerne dos nossos valores seriam desvirtuados por uma suposta hegemonia econômica? Qual é a fronteira entre “Oriente” e “Ocidente” no planeta globalizado?

Questionamentos e desafios para as nossas convicções. Enquanto isto, “la nave va…”

FAUSTO GODOY ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

Fausto Godoy, Serviu nas Embaixadas do Brasil em Bruxelas (1978); Buenos Aires, (1980); Nova Delhi (1984); Washington (1992) e Tóquio (2001). Foi designado Embaixador junto aos governos do Paquistão (2004) e Afeganistão (2005). Serviu posteriormente em Hanoi (2007); Consulado do Brasil em Tóquio; Escritório Comercial do Brasil em Taipé; e nas Embaixadas do Brasil em Bagdá (sediada em Amã), Daca, Astana e Yangon. Foi Cônsul-Geral do Brasil em Mumbai (2009). Aposentou-se do Serviço Exterior Brasileiro em 2015. Doou sua coleção de arte e etnologia asiáticas (com cerca de 3.000 peças), ao Museu Oscar Niemeyer, de Curitiba. Esta coleção constitui a primeira ala asiática em um museu brasileiro. É membro da Diretoria da Câmara de Comércio Brasil-Índia. É coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Asiáticos na ESPM

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *