Vários amigos, inclusive o prezado embaixador Adhemar Bahadian, que sempre me faz companhia nas páginas do JBonline aos domingos, e me avisou, sexta-feira, que só escreveria seu artigo semanal na segunda-feira, após o resultado das eleições na Argentina, me aconselharam a esperar mais um dia. Por dever de ofício, escrevo a coluna sábado em compasso de espera. Os fatos mostram que a precipitação não leva a bons termos. Mas são os ossos do ofício. O pioneirismo é malcompreendido de saída, mas o tempo pode nos dar razão.
Vejam o caso da posição brasileira, defendendo iniciativas de Paz quando presidiu o Conselho de Segurança da ONU em outubro. Iniciativas de Paz e cessação de hostilidades tanto serviam para a prolongada guerra da Rússia, que invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022 e parece ter saído da linha de frente do noticiário, quanto para o conflito que se seguiu à invasão de Israel por terroristas do Hamas, em Gaza, no sábado, 7 de outubro. O grupo matou famílias em kibutz na fronteira expandida em quatro décadas e sequestrou duas centenas de israelenses não ortodoxos que não respeitaram o descanso semanal e, ao participarem de festa rave no deserto, foram presas fáceis.
A proposta brasileira de uma parada humanitária nas hostilidades e na justa gana de retaliação de Israel, para evitar uma carnificina de consequências preocupantes, era viável e contou com 12 aprovações entre os 15 votantes do CS da ONU. Mas não passou, por veto dos Estados Unidos. Como o presidente Joe Biden – em campanha eleitoral para uma revanche com Donald Trump, bem nas pesquisas para 2024 – tinha pretensões de que sua viagem ao Oriente Médio para negociações com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e com os presidentes do Egito e mandatários da Jordania e Catar, em Amã, pudesse esfriar a ebulição, a Casa Branca ordenou o veto da resolução que não sofrera restrições do Departamento de Estado. O secretário de Estado, Antony Blinken, já estava em frenéticas consultas na região para evitar o alastramento do conflito pelas fronteiras de Israel e envolver o Irã, que já apoia o Hamas e o Hezbollah, que atua no Sul do Líbano, além da Síria.
Acontece que Netanyahu também estava pressionado politicamente em Israel pelo rotundo fracasso de seu gabinete e das forças de segurança do Mossad e do Exército em não prever o ataque traiçoeiro. Ele não esperou pelo pedido de cautela de Biden e ordenou os pesados revides e o aviso de evacuação de mais de 2 milhões de habitantes que ocupavam o norte da Faixa de Gaza, por sua vez submetida a bombardeios e restrição no fornecimento de água, energia e combustíveis. Quando Biden chegou, só restou conversar com Netanyahu, a quem reiterou o apoio dos Estados Unidos, mas, pediu, em vão, moderação no revide. As demais tratativas foram canceladas na viagem fracassada.
A escalada de Israel, que contabiliza 1,2 mil mortes, além de 5,5 mil feridos, já supera as 11,5 mil mortes na faixa de Gaza e nos territórios ocupados pelos palestinos, a maioria de crianças e com centenas de milhares de feridos. O revide de Israel causou mais de 10 mil baixas à população de Gaza, sem ainda estar garantida a aniquilação do Hamas.
Ao Brasil, enquanto gestionava na ONU, com uma nova resolução para uma pausa humanitária, restou oferecer o maior suporte possível à evacuação de brasileiros que estavam em Israel como turistas ou em visita a familiares. Foram vários aviões da FAB e fretados para trazer os brasileiros de volta ao Brasil. O mais complexo foi o resgate de pouco mais de três centenas de brasileiros e familiares que estavam sob grave ameaça na Faixa de Gaza. O presidente Lula, que convalescia de cirurgia no quadril e estava em recuperação no Palácio da Alvorada, pôs à disposição para o resgate, via Egito, o avião presidencial que estava ocioso. Mas a fronteira de Rafah com o Egito ficou fechada por mais de três semanas, e só após muita insistência do presidente Lula junto ao presidente de Israel, Isaac Herzog, foi reaberta no último domingo e o grupo atravessou o deserto até o Cairo, onde o avião da presidência estava há três semanas.
Quando o grupo desembarcou em Brasília e foi recebido pelo presidente Lula e vários ministros, antes de serem atendidos pelas instâncias do governo para regularizar a situação como imigrantes e do ponto de vista sanitário, os relatos dos apertos vividos pelo grupo levaram o presidente Lula a se exceder no tom, considerando o revide de Israel, pela intensidade e pelo impacto junto a hospitais e a populações civis como “terroristas”. Tanto bastou para os bolsonaristas, que chegaram a gestionar junto a fontes do governo de Israel para retardar a liberação do grupo e desgastar o governo, explorar as redes sociais contra Lula e seu governo. Entidades israelense também reagiram.
Não durou mais de 24 horas e uma nova Resolução do CS da ONU, desta vez apresentada por Malta, pequeno principado europeu que é um paraíso fiscal no Mediterrâneo, foi aprovada com 12 votos, mas sem o veto dos EUA, que se abstiveram, como a Rússia e o Reino Unido, que fizeram o mesmo quando da iniciativa anterior do Brasil. O novo empenho do Brasil é pelo resgate de mais cinco dezenas de brasileiros e familiares no território palestino. Lula insistiu com Herzog que cobrou mais empenho do Brasil pela libertação dos reféns israelenses em mãos do Hamas. Lula disse que tem gestionado junto a todas as nações árabes, seguindo a missão de lutar pela Paz.
Não choro por ti Argentina
Não, caro leitor, não estou nem um pouco preocupado com o jogo de Brasíl x Argentina pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2026, nesta terça-feira, no Maracanã. O Brasil vai muito mal, obrigado, desde que os jogadores passaram a querer brilhar mais fora dos gramados. Quanto ao futuro dos nossos vizinhos e parceiros do Mercosul, acredito que apesar da mania de grandeza (os motivos para tal ficaram no passado, embora o Papa seja argentino, o campeonato mundial da Albiceleste e o título de “maior jogador do mundo” seja de Lionel Messi. Com inteira justiça.
O futuro econômico da pequena economia Argentina (comparada à do Brasil seria uma Minas Gerais, e em dimensões planetárias) está limitado por seu tamanho e dinamismo. As terras planas e férteis do pampa argentino (das melhores do mundo) explicam a riqueza do país já no começo do século passado. Na Primeira Guerra Mundial, com o meio rural da Europa transformado em campos de batalha, o trigo, os cereais e as carnes e laticínios “made in Argentina” fizeram explodir a renda per capita do país. Com muitos dólares e divisas acumuladas, o país construiu ferrovias e o metrô de Buenos Aires antes da grande depressão de 1929 ameaçar o seu futuro. Os estragos da Segunda Guerra na Europa bafejaram novamente a Argentina como celeiro do mundo. Mas a pequena escala de sua indústria (o mesmo se passa no Brasil, mesmo em dimensões bem maiores) recomenda que continue como irmão-siamês do Brasil, unido no Mercosul. Isolados e sem acordos comerciais tarifários favoráveis para ambos os lados da fronteira, não há como resistir à invasão do poderio industrial chinês. Cada modelo industrial chinês tem escala de 1000 vezes a um do Brasil e de 2000 para cima da Argentina. A ruína da Argentina vem da perda de competitividade global, por falta de escala.
Sua agricultura mantém a produtividade. Mas dois anos de secas derrubaram a produção, geraram déficits comerciais e turbinaram a inflação. Os chineses, que têm fome de tudo, bancaram a revitalização de ferrovia Transpampa para escoar a produção agrícola argentina, que continua no mesmo lugar de quando foi feita há um século (no Brasil, a produção migrou do Sul para o Planalto Central, e a construção de ferrovias ligando aos portos é bem mais complexa). Mas Javier Milei quer romper relações com a China, o maior comprador de produtos do país (assim como é do Brasil).
Milei não irá solucionar nada se adotar o dólar como moeda nacional, destruir o Banco Central (Freud explica – e os argentinos são ótimos em psicanálise – a frustração de quem não passou no teste psicotécnico para o Banco Central de La República Argentina, onde era economista iniciante), e romper as relações com o Brasil e o Mercosul. Muito menos com ataques de ódio, à la Bolsonaro, à cultura e loas à ditadura militar. Esta semana, em cerimônia no austero Teatro Colón, o público reagiu com pesadas vaias à sua presença: “Milei, basura, vos sos la dictadura” Milei, sujeira (lixo) você é a ditadura, dizia o público. Resta saber o que dirão as urnas, nesta escolha de Sofia.
Falta de gentileza da CEF
A demissão, em 25 de outubro, de Rita Serrano, da presidência da Caixa Econômica Federal, na qual tomou posse em 12 de janeiro, foi uma contingência política que uniu a fome de comer do Centrão para levar o maior banco social do país de “porteira fechada” para um dos apaniguados do PP do presidente da Câmara dos Deputados, Arhur Lira (PP-AL), ao cálculo político do presidente Lula de conseguir mais apoios no Congresso para os projetos do governo.
Em nome dessa coabitação, a CEF foi entregue, dia 9 de novembro, a Carlos Antônio Vieira Fernandes, que já comandou a Caixa no governo Dilma. E já no dia seguinte Vieira Fernandes não teve pejo de assinar o balanço da Caixa no 3º trimestre (1º de julho a 30 de setembro) com as demonstrações financeiras e o andamento dos programas sociais conduzidos pela instituição. Legal e politicamente, os erros e acertos devem ser creditados à gestão de Rita Serrano.
Vou fazer a ressalva por aqui (na verdade, os feitos da CEF pertencem à atuação de seus funcionários e às próprias dimensões gigantescas como banco social). A Caixa se faz mais presente em municípios do país do que o Banco do Brasil, maior que a Caixa, que ainda dispõe das casas lotéricas que operam como postos de atendimento avançado. É justamente por isso que vem a cobiça dos políticos do baixo clero e dos que pegam carona nas placas do governo (antes Bolsonaro, agora com Lula e o novo PAC, como fizeram com Dilma e Lula na primeira versão do PAC).
Além de gerir o FGTS e o PIS, e liderar a captação de poupança no país, fatos que a tornam o maior banco do setor imobiliário do país, a CEF é o banco dos programas de saneamento e da casa popular (Minha Casa, Minha Vida). Mas, enquanto a maioria dos bancos deixou de atender a clientela na boca do caixa, induzindo os clientes a operar via aplicativos do celular, do computador ou nos caixas eletrônicos, a Caixa tem de fazer diligente atendimento presencial dos beneficiários do FGTS e do PIS, além do seguro-desemprego. De janeiro a setembro, a CEF ainda pagou R$ 112 bilhões do Bolsa Família a 23,6 milhões de famílias; pagou R$ 103,5 bilhões de INSS a 6,5 milhões de aposentados que recebem pelos canais da Caixa. Pagou ainda R$ 34,9 bilhões do seguro-desemprego e R$ 21,8 bilhões do Abono Salarial.
Os anéis pelos dedos
A gentileza foi posta de lado, com a velha teoria de entregar os anéis para salvar os dedos. Lula já tem contagem desfavorável. A prática política agrava a situação. A voracidade dos políticos do Centrão (a ampla base que une o fisiologismo político do baixo clero à truculência dos apoiadores de Bolsonaro, que já perceberam que não têm futuro político-eleitoral sem a proteção das canetas do governo federal) faz com que Lula tenha de negociar mais concessões a cada votação ou obstáculo levantado pelos caciques do Centrão.
A gula é insaciável. A base política entra em teste (na Câmara e no Senado). Foi assim na PEC da Transição, com a legislatura herdada da eleição de 2018, e se reforçou, em 1º de fevereiro, com a nova composição do Congresso, eleito em 2022. Cada votação de proposta do governo é uma batalha. Um parto de elefante. Foi assim na Medida Provisória de redesenho dos ministérios e ocorre a cada proposta de reforço da arrecadação pelo governo.
No momento, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está com duas das suas cinco prioridades dependendo de votação no Senado: a taxação das milionárias empresas “off-shores”, mantidas por grandes empresários e políticos em paraísos fiscais, e dos bilionários fundos de investimentos exclusivos (de um só dono). Tudo era isento de tributação, assim como as atividades dos sites de apostas esportivas (a maioria situada em paraísos fiscais, como Barbados, Ilha de Man (R.U.) e Malta.
E Lula, para driblar as pressões, preferiu dar prioridade ao substituto de Augusto Aras na Procuradoria Geral da República. Após várias bateções de cabeças, o cargo pode cair no colo do subprocurador geral da República. Paulo Gonet, que atuou como procurador eleitoral na condenação de Jair Bolsonaro por inelegibilidade de oito anos no episódio de uso do aparato da presidência da República para convidar os embaixadores estrangeiros na peroração contra as urnas eletrônicas, com transmissão ao vivo da EBC, a emissora oficial. Gonet era apoiado pelos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
Com isso, a PGR passa à frente do preenchimento da vaga de Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal, para a qual o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, era o favorito, antes de fazerem um cavalo de batalha contra a presença da “dama do tráfico” do Amazonas em audiência no MJSP. Acontece que a personagem foi indicada pelo governador do Amazonas, o bolsonarista Wilson Lima, e não cabia ao ministério vetar a viagem. Mas nada impede que as futuras agendas sejam checadas com antecedência, para evitar novos vexames.
Voltando a Haddad, esse reforço de arrecadação ajudará a fechar as fontes de receita para 2024 e, em última análise, vai determinar o maior ou menor aperto do ministro da Fazenda para se equilibrar entre a demanda de gastos do PAC e demais programas sociais, que Lula não quer sacrificar no ano eleitoral de 2024, e a promessa de gerar um mínimo de déficit (o déficit de 0% do PIB parece quimera, para o mercado financeiro). Se a meta for factível e a inflação ajudar, um empurrãozinho a mais para baixo nas taxas de juros pode incrementar o PIB e turbinar o consumo e a arrecadação. Por isso, Haddad não quis fechar na proposta Orçamentária para 2024 a meta de déficit zero.
O impacto dos juros
Para tornar o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (que tem independência funcional) mais entrosado com a política econômica do governo e fugir do risco do recesso do Congresso (de 23 de dezembro a 1º de fevereiro de 2024), Haddad já indicou dois nomes para as vagas de Fernanda Guardado, diretora da área Internacional, e de Maurício Moura, da área de Cidadania, cujos mandatos vencem em 31 de dezembro (Paulo Picchetti e Rodrigo Teixeira, respectivamente). Se forem aprovados no Senado, já participariam da 1ª reunião do Copom de 2024, em 30 e 31 de janeiro.
Guardado e Moura são da ala conservadora que levou o Copom a persistir com juros muito elevados e foi vencida na proposta liderada por Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária, empossado em julho, que insistia pela queda da taxa Selic de 13,75% (desde 3 de agosto de 2022) para 13,25% na reunião de 2 de agosto. A ala conservadora, que errou na avaliação do impacto deflacionista da supersafra de grãos e da nova política de preços dos combustíveis pela Petrobras, só queria baixar a Selic em 0,25% para 13,50%. Foi vencida pelo voto de “minerva” do presidente Roberto Campos Neto.
Para se ver como a turma conservadora via fantasmas na inflação, o IPCA deve fechar este ano dentro do teto da meta (3,50%+ tolerância de 1,50%=4,755), apesar da pressão altista nos preços de hortaliças e verduras causadas pelo calor e outros efeitos das alterações climáticas (o alarde do noticiário está fazendo a festa dos especuladores e atravessadores, entre a produção no campo e as prateleiras de feiras e supermercados). E o Copom reafirmou duas baixas de 0,50% pontos nas reuniões de 20 de setembro e 1º de novembro, e deve manter o ritmo em dezembro e janeiro. Definir um cenário mais favorável ao crescimento (e com juros mais baixos para a dívida pública no começo de 2024 é muito importante para todos os agentes econômicos e para se projetar o tamanho do déficit público e sua relação com o PIB. Vale dizer que esse déficit público se refere ao conceito primário (receitas menos despesas, sem computar o custo do giro da dívida.
Para se ver como o nível de juros é importante, além de funcionar como o eixo da gangorra que põe o PIB de um lado e saldo de receitas-despesas do governo de outro, para medir se o déficit primário é de 0,25%, 0% ou de 0,50% do PIB, cabe observar que cada ponto de alta na taxa Selic custa R$ 44,8 bilhões ao fim de 12 meses, considerando o impacto no tamanho da dívida líquida do setor público (a dívida total, excluindo os R$ 1,5 trilhão de títulos girados diariamente na carteira do Banco Central, no “open market”).
Teoricamente, se os juros caírem três pontos até março de 2024, haveria economia de R$ 134,4 bilhões em 12 meses. Ela poderia ter sido muito maior se o Copom iniciasse a baixa de juros da taxa Selic em maio, como defendia o ministro Haddad, para quem a inflação já estava sob controle. A economia poderia superar os R$ 170 bilhões, e o crescimento do PIB teria puxado para cima a arrecadação e reduzido os indicadores de déficit. Entretanto, se prevalecesse a ala conservadora do Copom que só aquiesceu em baixar os juros a partir de agosto, mas só em 0,25%, teríamos gastos mais de R$ 100 bilhões (como aconteceu em 2022), e os apertos dos juros nas finanças das famílias e empresas seria inda bem maior. A perseverança é uma virtude.
Haddad é meio novato na política, mas parece ter aprendido algumas lições da escola política de Minas, sempre lembrada pelo saudoso Tancredo Neves: “Meu filho, você só escreva uma carta depois de receber a resposta”, era uma delas. A outra era: “Entrevista coletiva para anunciar acordo com fotos, só deve ser convocada depois que o acordo estiver assinado e registrado em cartório”. Quantos acordos na política não se romperam mesmo assim…
Um fracasso gigante
Na área econômica, o fracasso de acordo mais notório foi o da fusão do Bradesco, então o maior banco comercial do país, com o Unibanco, dono do BIB, o maior banco de investimento, em 1972. Os presidentes do Bradesco, Amador Aguiar, e do Unibanco, Walther Moreira Salles, chegaram a posar para fotos ladeando o ministro Antônio Delfim Neto, em seu gabinete, no Ministério da Fazenda, no Rio. Mineiro de Pouso Alegre, Walther, desconfiado como todos os que vieram das montanhas, tinha um timaço de advogados escarafunchando os termos da fusão. José Luiz Bulhões Pedreira, futuro responsável pela nova Lei das Sociedades Anônimas, de 1976, e Dario de Almeida Magalhães, pai do então vice-governador carioca, Raphael de Almeida Magalhães, alertaram a Moreira Salles para os riscos do negócio.
Quando o simplório paulista de Ribeirão Preto e fundador do Bradesco, em 1943, em Marília, Amador Aguiar, desembarcou serelepe com sua turma de diretores de táxis fuscas na mansão do embaixador Moreira Salles, no Alto da Gávea (depois transformada na Fundação Instituto Moreira Salles), ficou clara a incompatibilidade de estilos que dificultaria a fusão. Moreira Salles apresentou seu grupo de diplomatas e refinados executivos PhDs, enquanto Amador apresentava seu time formado nas agências bancárias do interior paulista (o Bradesco só mudaria a sede para São Paulo em 1953, e se instalaria na Cidade de Deus, em Osasco, em meados dos anos 60). Walther inventou uma desculpa, alegando precisar estudar melhor o contrato, e a operação gorou.
Delfim ficou furibundo com o fiasco. As fissuras da fusão custaram a ser cicatrizadas dos dois lados. Disposto a ampliar as operações de longo prazo no mercado financeiro brasileiro, Delfim patrocinou, no mesmo ano de 1972, uma associação paritária entre o Bradesco com a Sul América (a maior seguradora da época) e a Atlântica-Boavista, de Antônio Carlos de Almeida Braga. Caberia ao Bradesco 25% de cada uma das seguradoras, que teriam menos de 10% do banco. Braguinha explorou melhor a parceria, com o Top Clube Bradesco, com venda maciça de seguros nas agências do Bradesco e rateio dos prêmios (a arrecadação mensal ou à vista dos seguros) mediante comissões aos gerentes.
Dez anos depois, intrigou Amador Aguiar com Leonídio Ribeiro, principal executivo da Sul América, antes mais próximo de Aguiar, e passou a ser o único sócio, quando a parceria com a seguradora da família Larragoiti se desfez. Braguinha chegou a presidir o Bradesco de 1983 a 1986, quando Aguiar se recolheu ao Conselho de Administração. Mas a incompatibilidade de estilos (espartano, da parte de Aguiar, e feérico e festeiro de Braguinha, aficionado dos circuitos de tênis e Fórmula1) levou ao rompimento da associação em 1986. O Bradesco, no distrato, ficou com o controle do grupo Bradesco de Seguros e Previdência (que já era o maior grupo segurador do país, atual Bradesco Seguros, controlado 100% pelo banco).
Quando o Unibanco perdeu liquidez com a crise financeira mundial de 2008, que explodiu com a falência do Lemann Brothers, em setembro, executivos do Unibanco procuraram, em outubro, inicialmente o Bradesco, que era o maior banco do país. Mas a cultura do Bradesco, de querer exercer o largo controle das associações, paralisou as tratativas. E a mesma proposta de associação compartilhada foi apresentada ao Itaú, com o Unibanco como sócio minoritário. A operação foi fechada no fim de semana de Finados, e na segunda-feira, 3 de novembro, foi anunciada com estrondo que abalou os alicerces do Bradesco em Cidade de Deus. Caía uma liderança de 45 anos no mercado financeiro privado brasileiro, assumida pelo Itaú-Unibanco desde então.
Os dois bancos sofreram com os calotes da Americanas, mas a os resultados da seguradora atenuaram parte das perdas do Bradesco desde o fim de 2022.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)