“Ao deixar Massa tomar a iniciativa do ataque, Milei pode ter agido de forma consciente, mirando o eleitor indeciso e fatigado”, escreve Mario Vitor Santos
Seria possível antecipar uma derrota de Javier Milei no decisivo debate presidencial de ontem. O difícil seria prever a surra tão completa a que se submeteu o candidato da motosserra.
Milei se revelou tenso, vacilante, sem estratégia e mal preparado diante de um Massa que tomou a iniciativa e impôs uma saraivada incessante de golpes sobre o adversário em toda a primeira metade do confronto.
Milei rendeu-se logo de início, incapaz de mobilizar quaisquer das armas que tinha à disposição. Tinha uma só meta: aplacar o suposto medo que suas propostas e seu comportamento agressivo criam em parcela do eleitorado.
Um debate presidencial como esse revela as fragilidades da cobertura jornalística. As questões que o jornalismo não faz, ou não tem chance de fazer, são feitos. Os desmascaramentos das propostas mentirosas ou irrealistas os candidatos acabam tendo a oportunidade de fazer no cara a cara, quando se enfrentam pressionados pela decisão iminente do eleitor.
Assim, na noite de ontem desabou o Milei histriônico que reinava nos programas de TV e rádio de jornalistas amigos e nas redes sociais.
Talvez, porém, haja afinal um sentido na atitude de Milei. O que lhe pode dar alguma lógica é vê-la como influenciada pela traumática – para a extrema-direita – derrota de Bolsonaro diante de Lula há um ano.
Os bolsonaristas ainda tentam elaborar essa derrota, e seguem fazendo-o agora junto com seu aliado argentino. O próprio Milei parece dar muita importância a esta especie de terceiro turno da eleição brasileira (ou seria o primeiro turno da eleição de 2026?).
Até pela seguidas referências ao fantasma da presença de “marqueteiros brasileiros enviados por Lula” sempre mencionados por Milei, inclusive no debate deste domingo.
O fato é que as configurações políticas de Brasil e Argentina estão cada vez mais entrelaçadas em campos que se aliam e se opõem, em polos cada vez mais semelhantes.
Até a ascensão de uma extrema-direita radical, defenestrando as respectivas opções tradicionais da direita nos dois países, contribui para esse espelhamento dos dois processos políticos.
No caminho, resta à “mídia conservadora” a opção entre a orfandade “ideológica” e a rendição, nem sempre lamentada, ao bizarro candidato que se apresenta lá e cá.
Há, porém, uma importante ressalva a ser feita sobre a eficácia do desempenho de cada candidato no debate do domingo e suas repercussões sobre o voto dos 8 a 12% de indecisos. São estes os que importam mais agora, pois depende deles a vitória no domingo.
Ao deixar Massa tomar a iniciativa do ataque, Milei pode ter agido de forma consciente e intencional, mirando justamente eleitor indeciso e fatigado da polarização política e das agressões – mesmo que necessárias- entre candidatos.
Com esse expediente, Milei procurou afastar de si a pecha de ser o mais agressivo na disputa. Massa, nessa hipótese, atuou a favor do adversário.
Milei ofereceu-se aos dardos de Massa porque sua meta maior no combate era justamente se vitimizar para aplacar o medo que difunde, considerando que este seja um sentimento relevante para a decisão do eleitor indefinido. Bolsonaro não conseguiu. Milei conseguirá?
Neste caso, não importariam nem o conteúdo das questões, mas a forma.
Massa encaixou golpes duríssimos sobre Milei. Interpelou, com evidências, que Milei promete cortar o valor das aposentadorias em 80%, aumentar as passagens de ônibus e trens em pelo menos dez vezes, implantar educação e saúde pagas onde hoje são gratuitas, expôs a traição do adversário aos heróis da guerra das Malvinas. Milei atabalhoado teve que se desdizer uma e outra vez.
Pressentindo a delicadeza da situação, evitando temas polarizadores, Massa evitou no bloco sobre direitos humanos qualquer referência aos crimes cometidos durante a ditadura e sua exemplar punição.
Mas será que isso importa? Assim como os votantes em Massa, talvez a maioria, o façam não pelo teor de seus planos, mas para evitar o mal maior, também os de Milei não deixem de escolhê-lo pelo fracasso neste debate. Alguns talvez até sejam atraídos justamente porque ele não demonstrou nenhum preparo, nenhuma assertividade, a não ser se oferecer inerte aos golpes do adversário.
Foi a vitória de um profissional contra a aparente vulnerabilidade de um amador que jogou parado. A vitória pode não garantir, pode até complicar, a vida de Massa no domingo.
Tomara que não, mas p momento é grave. A serpente pode se mostrar frágil para seduzir os indecisos, vencer e seguir chocando seus ovos.
MARIO VITOR SANTOS ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)