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Estadão ataca entrada de mulher do Comando Vermelho no MJ e ignora sua passagem pelo governo do Amazonas e Congresso
O Estadão publicou nesta segunda-feira (13) uma matéria cuja manchete é “Ministério da Justiça recebeu mulher de líder do Comando Vermelho para duas reuniões”. Escrita em tom de alarde, a reportagem insinua que a inteligência do MJ não é capaz de barrar a entrada de uma “integrante do Comando Vermelho” em suas dependências, o que representa um risco à segurança dos servidores.
A matéria – cuja intenção parece ser a de balançar um pouco mais a cadeira do ministro Flávio Dino – tem repercutido por outros meios de comunicação e políticos alinhados à direita, que tratam de ampliar a fábula.
O texto destaca que as agendas no MJ foram divulgadas sem o nome da mulher ligada à facção criminosa – como se o propósito fosse esconder sua passagem pela Pasta.
Em vários parágrafos, Estadão narra atrocidades e crimes cometidos por Luciane Barbosa Farias (“conhecida como dama do tráfico amazonense”) e Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, líder do Comando Vermelho no Amazonas, com quem a mulher é casada há 11 anos.
“Ela e o marido foram condenados em segunda instância por lavagem de dinheiro, associação para o tráfico e organização criminosa. Tio Patinhas cumpre 31 anos no presídio de Tefé (AM). Luciane foi sentenciada a dez anos e recorre em liberdade”, publicou o Estadão. “Sobre Luciane, o Ministério Público do Amazonas aponta que ela atuou como o braço financeiro da operação do marido”, acrescentou.
Na apuração do jornal, Luciane esteve em março numa agenda de advogadas com Elias Vaz, secretário Nacional de Assuntos Legislativos do MJ. Depois, em maio, as mulheres foram encaminhadas para uma agenda com Rafael Velasco, chefe da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Luciane também teria se encontrado em maio com Paula Godoy, da Ouvidora Nacional de Serviços Penais (Onasp), e Sandro Abel Barradas, diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen.
Os encontros foram tornados públicos pela própria Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), da qual Luciane Farias. Nas redes sociais, ela postou fotos de encontros no MJ e em outras instituições e poderes da República – o que mostra que a implicância do Estadão era apenas com o Ministério da Justiça.
Colocando os pingos nos is, o MJ divulgou nota à imprensa informando que quem solicitou as agendas este ano foi uma advogada vinculada à ANACRIM.
Também em nota, nesta segunda (13), o núcleo federal da ANACRIM esclareceu que não é autora do pedido, mas sim a advogada Janira Rocha, que é vice-presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da ANACRIM-RJ e integrante de diversos outros movimentos sociais. Foi o nome de Janira que apareceu na agenda pública do MJ.
Segundo o Estadão, Janira, que é ex-deputada pelo PSOL, teria participado do evento de fundação da Associação Instituto Liberdade do Amazonas. O jornal também dedicou linhas ácidas à descrição de Janira, frisando que ela é defensora da ex-deputada Flordelis e também que teria sido condenada em 2021 pela acusação de rachadinha na ALERJ. O GGN procurou a advogada, que preferiu se manifestar em nota que será divulgada à imprensa em breve.
A presidência nacional da ANACRIM sublinhou que Janira Rocha “compareceu [à reunião no MJ] sem solicitar absolutamente nada em nome da ANACRIM, sendo certo que a mesma faz parte de diversos movimentos sociais e, neste sentido, por sua atuação pessoal e de outras entidades, levou ao Ministério da Justiça a legítima reivindicação de tratamento digno à família de presos, especialmente nos presídios federais, onde não há resquício de tratamento digno ou humano, pauta que somente a advocacia criminal conhece, mas que, infelizmente, não interessa à pequena parte conservadora dos veículos de comunicação.”
Para a ANACRIM, “não é novidade que, quando uma parte conservadora da imprensa quer atacar o relevante trabalho social realizado pelo Ministério da Justiça, levantam a fantasiosa ‘conexão’ do MJ com facções criminosas, o que também ocorreu, de forma lamentável, por ocasião da visita do Exmo. Sr. Ministro Flávio Dino a comunidades do Rio de Janeiro, local de residência de centenas de milhares de trabalhadores.“
Segundo o Ministério da Justiça, não era possível saber com antecedência que Luciane Farias participaria dos encontros em nome do Instituto Liberdade do Amazonas. “A cidadã mencionada no pedido de nota não foi a requerente da audiência, e sim uma entidade de advogados. A presença de acompanhantes é de responsabilidade exclusiva da entidade requerente e das advogadas que se apresentaram como suas dirigentes”, apontou o MJ em nota à imprensa.
“Sobre atuação do Setor de Inteligência, era impossível a detecção prévia da situação de uma acompanhante, uma vez que a solicitante da audiência era uma entidades de advogados, e não a cidadã mencionada no pedido de nota. Todas as pessoas que entram no MJSP passam por cadastro na recepção e detector de metais“, acrescentou o MJ.
Não foi só no Ministério da Justiça
Embora tenha demonstrado preocupação com a entrada de Luciane no Ministério da Justiça, o Estadão simplesmente ignorou que a mulher já esteve nas dependências do governo do Amazonas, para conversar com o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, assim como também entrou na Câmara dos Deputados, em Brasília, além de ter postado fotografia em frente ao Conselho Nacional de Justiça.
Para o Estadão, o problema parece ter sido Luciane entrar no Ministério comandado por Flávio Dino – a quem o jornal fez questão de descrever como um ministro que periga cair do cargo. Para além de tentar prejudicar o ministro e seus assessores, a matéria serve de combustível para a direita reforçar a “conexão fantasiosa” entre o Ministério da Justiça e facções criminosas, como denunciou a nota da ANACRIM.
Pelo que documentou no Instagram e em seu site oficial, tampouco a Associação Instituto Liberdade do Amazonas parece ser de “fachada”, como reportou a matéria do Estadão com base na opinião da polícia. A matéria retratou a instituição como uma forma de o Comando Vermelho “obter capital político para negociações com o Estado” e que, em última instância, seria financiada pelo tráfico, já que depende de doações – inclusive dos beneficiários, que são os familiares de presos.
LOURDES NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)