Para o dia 19 de novembro está programado o segundo turno das eleições e todo o debate tem mais a ver com a América Latina do que você pensa
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As eleições da Argentina se tornaram um processo continental. Em outras palavras, o caleidoscópio das placas tectônicas políticas na América Latina e para que direção se movimentam, em algumas semanas de maneira mais abrupta, formando novos continentes na correlação de forças.
Esta e outras análises foram discutidas nesta segunda-feira (6) durante o programa Observatório de Geopolítica, da TV GGN, que contou com as presenças do professor James Onnig, do cientista político Bruno Lima Rocha, direto de Buenos Aires, e do jornalista Tebni Pino Saavedra, em Viña Del Mar, no Chile.
A seguir, destacamos alguns pontos da conversa com uma hora de duração e que foi a fundo na política argentina e da América Latina. A mediação ficou por conta da jornalista Lourdes Nassif.
“Vemos partidos de centro, sociais-democratas, minguando. Me parece que o que está ocorrendo com a União Cívica Radical (UCR) na Argentina aconteceu com o PSDB no Brasil: de origem social-democrata, foram para o centro e depois abraçaram o liberalismo, a direita”, diz o professor James Onnig, da disciplina de Geopolítica da Faculdades de Campinas (Facamp).
Para o próximo dia 19 de novembro está programado o segundo turno das eleições na Argentina. A disputa segue apertada, na margem de erro, conforme as últimas pesquisas, tendo o ministro da Economia Sergio Massa (União pela Pátria) com pequena vantagem em relação ao ultraliberal Javier Milei (A Liberdade Avança).
A UCR decidiu declarar voto contrário em Milei, fazendo críticas à campanha e às propostas do candidato, mas ao mesmo tempo não entrou na campanha de Massa, deixando aberto o voto da agremiação. Conforme o cientista político Bruno Lima Rocha reporta, na Argentina a imagem da UCR é de uma força bastante ponderada.
“Sua liderança declarou que não vai assumir cargo num possível governo Massa porque a sociedade os colocou na oposição, mas não votam em Milei. A esquerda que fez de 2% a 3% tomou a mesma decisão”, explica. Ele analisa que a social-democracia deveria ser a UCR, mas na prática é o peronismo. “O espaço para UCR ficou mais à direita (…) pegando carona no macrismo”, diz. Já o Massa veio do neoliberalismo e foi para o centro, representando a direita peronista.
O jornalista Tebni Pino Saavedra lembra como esse fenômeno, no Chile, afetou a Democracia Cristã, que ocupava esse espaço na social-democracia, e com o passar das décadas acabou se reduzindo à direita, chegando a, nos dias de hoje, fazer oposição ao governo de Gabriel Boric.
Saavedra entende que um dos maiores perigos envolvendo a eleição na Argentina é o de o país eleger um candidato que pretende dolarizar a economia, no caso Milei. Mesmo que tenha reduzido a sua carga verborrágica de acabar com o Banco Central e acordo com ‘os comunistas’, ao falar sobre a China, esse temor mantém certa apreensão.
O cientista político explica que neste final de semana uma pesquisa gerou certo pânico entre os eleitores de Massa, pois apontou Milei na dianteira. No entanto, Rocha explica que se tratou de uma pesquisa 100% digital, espaço em que a militância de Milei é mais ativa.
“Então ela é meio furada”, disse. Por outro lado, Massa a tem usado para alertar aliados nas províncias de que podem fazer mais. Na análise do cientista político, ocorre neste momento na Argentina um jogo duplo protagonizado pelas duas campanhas para manter a militância ativa, sem acomodação.
O professor Onnig destaca que os institutos de pesquisa, diante do histórico recente de realidades diferentes dos cenários estipulados, adotaram uma postura mais em cima do muro, mais na margem de erro. Para ele, ato contínuo, o primeiro turno marcou exatamente o fenômeno internacional do embate entre as forças conservadoras e as progressistas.
“As regiões metropolitanas mais progressistas e as regiões menos cosmopolitas conservadoras. A vitória de Massa na província de Buenos Aires mostra isso. Milei acabou com uma camada mais específica da população, apartada de todo processo econômico e social, sobretudo os jovens, que buscam uma mudança social”, analisa Onnig.
Para ele, o atual processo eleitoral coloca a Argentina em outro patamar de análise política com um velho ator que segue na ribalta – e com destaque. “O peronismo precisa ser constantemente visitado, não só por ser mutante, mas pelas formas que ele traz, as forças que mobiliza”.
Kirchnerismo e peronismo: diferenças
Uma das questões levantadas durante o programa é a diferença entre kirchnerismo e peronismo. Durante o processo eleitoral, Sergio Massa buscou se afastar do kirchnerismo e da vice-presidente do país, Cristina Kirchner. Peronista de direita, a atitude de Massa fala muito sobre essas duas “instituições” da política argentina.
Onnig explica que o peronismo é “uma grande abóbada e embaixo dela existem muitas forças políticas, à esquerda, social-democrata, à direita, com bandeiras de trabalho, desenvolvimento (…) bandeiras populares”. O kirchnerismo sai debaixo dessa abóbada desenhada pela professor para ser uma versão mais atualizada do peronismo.
“O kirchnerismo seria uma leitura mais atual do peronismo perante os interesses estrangeiros e a globalização, resgatando bandeiras históricas do peronismo. Podemos dizer que se trata de uma relação simbiótica”, explica Onnig.
Para ele, o kirchnerismo está muito mais fixo na estruturação do que vem acontecendo ao redor do mundo, tratando da participação em organismos multilaterais e governança global. Para o kirchnerismo, a construção nacional passa por se posicionar na política global.
“Por exemplo, a Argentina aspira uma cadeira no Conselho De Segurança da ONU numa possível reformulação. México, Argentina e Brasil pleiteiam uma vaga neste Conselho de Segurança reformulado. Essa questão na Argentina vem com o kirchnerismo, que também resgata políticas sociais depois do corralito”, ele explica.
O ‘corralito’ é o nome informal de um conjunto de medidas econômicas tomadas na Argentina no final de 2001 pelo ministro da Economia Domingo Cavallo para impedir uma corrida aos bancos e a retirada em massa de depósitos nas contas-correntes e cadernetas de poupança.
RENATO SANTANA ” JORNAL GGN” ( BRASIL))