“A CULPA É DAS ÁRVORES”, MENTE O GOVERNADOR

Ao privatizar a distribuição de energia, está-se privatizando um monopólio natural, daí a necessidade de haver um controle rígido

Embora não seja o tema desta coluna, mas por este autor militar por mais de trinta anos com o agronegócio, também por profunda indignação, torna-se imperativo escrever sobre o descaso da Enel Brasil com nossa rede elétrica e com os consumidores. Os mais de 100 km/h da ventania da última sexta-feira puseram a nu o resultado da privatização de um monopólio natural.

Os monopólios são caracterizados pelo alto custo de entrada, que impede que haja concorrentes, e pelo alto custo de abandono, que impede a entrada de concorrentes em potencial. Isso faz com que haja somente um fornecedor para muitos consumidores. Naturalmente, é o fornecedor que impõe preço, pois todos os consumidores estão à sua mercê. Os monopólios dividem-se em dois tipos, institucionais e naturais. Os institucionais são os que derivam de dispositivo legal como uma concessão de serviço público, ou mesmo uma patente. Os monopólios naturais são os cujo custo de entrada são proibitivos, como é o caso da distribuição de água ou de eletricidade, visto que seria impossível mais de uma empresa instalar o encanamento ou a rede elétrica, pois ambos crescem juntamente com a cidade. Por causa disso, os monopólios naturais tendem a tornarem-se institucionais, pois somente o poder público tem recursos para fazer as instalações.

Ao privatizar a distribuição de energia, está-se privatizando um monopólio natural, daí a necessidade de haver um controle tão rígido que ele próprio anula a o valor recebido pelo direito leiloado.

Junto com a distribuição de energia, privatizou-se a obrigação pelo investimento em tornar subterrânea a rede, coisa que empresa alguma quer investir, esquivando-se por vias judiciais, usando filigranas contratuais para deixar de fazer.

São dois os motivos para a Enel não enterrar os cabos. O primeiro – e mais óbvio – é o custo, pois são milhares de quilômetros de galerias a se construir, que, se bem planejadas, podem ser compartilhadas pelas empresas de comunicação e pela distribuidora de água, como ocorre, por exemplo, em New York. O segundo motivo – e desconhecido da população – é que a Enel perderia a receita pelo aluguel dos postes para as empresas de comunicação passarem seus cabos metálicos ou de fibra óptica. São as árvores que sofrem com isso. Elas é que são mutiladas para evitar que toquem a fiação. São elas que sofrem com a falta de higiene dos servidores que as podam sem trocar a lâmina dos instrumentos de corte. São elas que têm seu crescimento desordenado pela podas sem supervisão técnica. São elas que têm suas copas desequilibradas, tombando a cada ventania. E quem faz isso? A própria Enel, como se pode comprovar em https://www.enel.com.br/pt-saopaulo/quemsomos/meio-ambiente/manejo-e-poda-de-arvores.html.

Com a maior desfaçatez, vem o governador declarar que o vilão do apagão decorrente da falta de pessoal para manutenção são as árvores. Vem também dizer que  é preciso encaminhar um projeto de lei para facilitar o “manejo arbóreo”, na intenção de eliminar as de grande porte,  com sua sombra, com seus ninhos de passarinhos, com seus frutos, com sua beleza e com qualquer prazer que nos venham a prover. Para ele, a questão está resolvido, a Natureza já foi julgada e condenada e a solução é agravar o problema que o próprio Homem criou, desde que não se mexa no lucros da concessionária.

LUIZ ALBERTO MELCHERT ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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