A crise de segurança pública que abala o Rio de Janeiro leva a uma advertência. Ela serve para o Brasil inteiro, vai prosperando em S.Paulo e Bahia, depois de avassaladora passagem por alguns estados do Norte e Nordeste. Pode parecer, em primeiro lugar, um problema apenas dos cariocas. Nada mais equivocado. De forma alguma. É questão que não diz respeito só a eles. E, se para eventual e falso otimismo, alguém insistir tratar-se de questão local, é preciso tomar na devida conta que a cidade reflete o que o Brasil inteiro sente e sofre nas preliminares do terror. Portanto, nada é mais brasileiro que o Rio, para dizer que estamos a caminho do terrorismo institucionalizado; e é sobre isso que temos de refletir.
Na verdade, o crime organizado, que horroriza, deixou de ser tragédia isolada, mas abrangente, rumo a um estado de terrorismo urbano, que vai descendo dos morros e favelas, amplia-se perigosamente. Tomemos, entre muitos e vários exemplos um aqui tão próximo, bastando atravessar a divisa estadual, o caso da Zona da Mata mineira, onde há uma área dominada pelo tráfico, por coincidência conhecida como Faixa de Gaza, onde a polícia não ousa penetrar; tal como já se observa, igualmente, em algumas áreas fluminenses.
Tomado em consideração esse cenário, onde o lance mais recente foi a destruição de dezenas de ônibus de bairros e subúrbios, chega-se a terríveis constrangimentos, o primeiro dos quais é que as instituições de segurança, essas mantidas com impostos campeões mundiais em crueldade, têm sido omissas ou coniventes com o império do crime, que vem se revelando mais organizado que aquelas instituições. A organização e a eficiência indesejáveis, a serviço do mal, superam os instrumentos de defesa da sociedade. Viu-se agora no caso da vingança dos milicianos: se morre o líder de uma de suas falanges, opera-se imediatamente a sucessão. Sem solução de continuidade, faz-se a mudança no comando, não prejudica a normalidade e o progresso dos negócios ilícitos. Lamentável reconhecer tratar-se de uma eficiência nem sempre observada nos órgãos do governo, porque nele quem entra altera tudo, mesmo que seja para pior. Os comandos são confiados aos donos de votos, e só por isso.
Vai daí que, diante da necessidade de se dizer alguma coisa à população desiludida, chovem as explicações, entrevistas e notas oficiais, condenadas a um próximo esquecimento, quando outros desafios e problemas chegarem para ocupar atenções. É o caso da remessa de quatrocentos ou quinhentos soldados da força federal, que não conhecem a região, desconhecem as experiências e manias da bandidagem. Ficam alguns dias e voltam aos seus quartéis, sem resolver problemas que não podem resolver. Nesse afã de explicações, nem falta promessa de a Marinha policiar os portos e a Aeronáutica impedir os traficantes nos aeroportos. Como se tal obrigação fosse novidade de última hora, e não tarefa permanente daquelas armas.
À beira do terrorismo estamos. Sente-se. A Polícia Estadual, primeira responsável pelo combate aos criminosos, não consegue impedir a concorrência das milícias, muitas vezes montadas com a evasão dos agentes que aprendem o que depois colocam a serviço do tráfico. Armas de uso exclusivo do Exército saem pela porta da frente do quartel e vão para as quadrilhas; incendiários mais ágeis quem os bombeiros; a cidade dividida em territórios, mantidos por diferentes áreas do tráfico; a corrupção policial contrastando com a decadência dos recursos e equipamentos que deviam estar a serviço do povo; a promessa de uma intervenção, mesmo que localizada e restrita, trazendo o risco da precedência, à disposição do governo federal e de pretextos, quando a administração estadual não lhe convier. São fatores que, isolado ou em conjunto, podem comprometer a segurança e autonomia do Rio, fragilizado por se transformar em uma espécie de laboratório do terrorismo que ameaça a todos. O que falta saltar aos nossos olhos?
Ainda sob o calor dos ônibus incendidos, uma pergunta que não deixa de ser pertinente. O que devemos, o que podemos fazer? Alguém indaga, numa entrevista televisada, o que fez a Itália, décadas passadas, para colocar a Máfia sob um mínimo controle, vinda da fama de ser a mais poderosa organização criminosa do mundo. Espelhando-se na experiência, mesmo que muito há que ser feito, devíamos começar pela adoção de leis mais rigorosas, sem a brandura e a tolerância dessas que temos aqui. Lá, os juízes endureceram as penas e as audiências de custódia deixaram de ser piedosas. As progressões de pena raríssimas, diferentemente do exemplo brasileiro, que em dezembro solta os criminosos como presente de papai noel, e eles vão para a rua matar e roubar.
Entre nós, neste Brasil dos nossos dias, o criminoso sente que vale a pena arriscar, porque o castigo, se vier, será brando. A lei é cândida com os que delinquem, além da terrível constatação de que, quanto mais próspero o criminoso mais a salvo estará. Uma verdade adicional: se é poderoso não está apenas fora da lei, mas acima da lei. A definição serve tanto para políticos corruptos como para traficantes de cocaína.
Para não ver o país definitivamente transformado em base de terror urbano, a primeira reação que se espera tem de vir do Congresso e dos tribunais. Precisamos ter à mão leis mais poderosas que defendam o Rio e o resto do Brasil.
WILSON CID ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)