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Há necessidade urgente de Lula convocar um think tank, com as melhores cabeças de cada área para montar seu plano de desenvolvimento
Peça 1 – a decepção com o início do Lula 3
Não há como não concordar com dois pontos centrais de análise:
1. Lula assumiu o governo sitiado pelo Congresso, pelo mercado, pelo bolsonarismo e pelas Forças Armadas.
2. Montou uma estratégia inicial de contemporização, na esperança de juntar força política para poder impor sua agenda.
Até aí, tudo bem. Ocorre que ficou prisioneiro da agenda inicial. No Congresso, tem uma posição extraordinariamente apática em relação ao Centrão. Na economia, uma submissão ampla aos dogmas de mercado. O Ministério está descoordenado, incapaz de produzir uma pauta positiva – com exceção da Saúde.
Fez todas as apostas em um trabalho de conquistar o mercado e Roberto Campos Neto – que é um agente explícito de boicote ao governo -, sem avaliar o cenário futuro, os impactos da queda lentíssima da Selic, impedindo a recuperação da economia, e do discurso único, mercadista, comprometendo a imagem do governo.
Por outro lado, há uma enorme demanda do arco democrático – aquele que se uniu para derrotar o bolsonarismo – por uma agenda positiva, inclusiva, que fique acima das quizílias ideológicas e partidárias e das masturbações econométricas da Faria Lima.
Essa agenda positiva tem que contemplar os seguintes pontos de consenso:
1. Uma ação efetiva pela novo desenvolvimentismo, com prioridade para o pequeno empresário e agricultor. Mas também pela defesa intransigente das empresas e dos empregos nas negociações com parceiros comerciais.
2. Uma política efetiva de redução da desigualdade e da miséria.
3. A consolidação final da democracia, contra a Hidra de Lerna do bolso-militarismo.
Peça 2 – os recados e a estratégia de comunicação
Nos últimos dias, Lula deu dois recados relevantes.
O primeiro é que sua suposta apatia inicial seria consequência das dores que sentia com seus problemas de coluna – resolvidos agora, depois da cirurgia. O segundo, uma condenação dessa discussão bizantina sobre déficit público.
Vamos dividir o tema entre a razão e o mercado.
Lula está coberto de razão quando diz que 0,25% a mais de déficit não vai acabar com o país. O mercado já precificou um déficit de 0,8% para o próximo ano. E a situação brasileira está muito, mas muito longe de qualquer ideia de descontrole fiscal. Os terroristas fiscais continuam levantando a bandeira do descontrole porque contam com a ignorância cavalar da cobertura jornalística.
A maneira de acabar com a síndrome do déficit zero é parar de falar nele. Ao explicitá-la, Lula provocou os seguintes efeitos:
1. Deixou em maus lençóis o Ministro Fernando Haddad e todos aqueles que endossaram o arcabouço fiscal – que, afinal, havia sido avalizado pelo próprio Lula.
2. Abriu espaço para o terrorismo do mercado. Ignore-se o terrorismo da mídia, o uso desmedido da palavra “gastança”, os editoriais falando em descontrole. São bordões ideológicos primários, discutidos com tanta profundidade quanto os campeonatos de futebol. O que aconteceu é que havia um vencimento dos fundos multimercados e a maioria estava apostando na melhoria do mercado, coisa de +0,73%, +0,10%. +0.04%. Com a declaração de Lula, a aposta caiu alguns décimos levando prejuízo. É um mero cassino, sem nenhuma ligação com o mundo real. Mas bastou para ampliar a gritaria da mídia e do pior time de editorialistas que a velha mídia teve em muitas décadas.
Peça 3 – as estratégias legitimadoras
Lula só conseguirá enfrentar o Centrão se tiver um projeto legitimador. E por tal, entenda-se um projeto abrangente, mobilizador, lógico, que conquiste corações e mentes do centro democrático e crie uma expectativa de futuro.
O primeiro passo será consolidar o Ministério. E isso passa por tratar de reabilitar rapidamente seu principal Ministro, Fernando Haddad, tirando-o do discurso único do déficit zero e envolvendo-o na montagem do plano. Haddad conhece como ninguém o funcionamento da máquina, passou por funções em várias áreas, das finanças municipais ao Ministério da Educação, e é um planejador emérito. Precisa apenas casar sua capacidade de gestão com a intuição política de Lula.
O segundo passo é se valer de todas as formas de democracia participativa. Há muitas ideias circulando que permitem projetos de ação articulada de federações empresariais, centrais sindicais, movimento cooperativista, movimentos sociais, estrutura de ciência e tecnologia, rede de associações comerciais.
Enfim, temos um país com enorme potencial para montar uma grande orquestra. Há instrumentistas de toda ordem, uma ópera clara – a nova economia em torno da digitalização e da economia verde -, e o único maestro capaz de conduzir a orquestra, Lula. E há uma tradição de eventos mobilizadores, o Conselhão, as Conferências Municipais e Nacionais. Precisa apenas o roteiro, a partitura, a definição de papéis de cada instrumento.
Peça 4 – a construção da estratégia
Lula não recuperará a iniciativa rapidamente, e apenas com discursos. Nem meramente repetindo as iniciativas meritórias do Bolsa Família, Minha Casa e Minha Vida e PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Os três são programas relevantes, com impacto positivo para a economia e para o social.
Mas não basta. O jogo político exige a construção da utopia. Tem-se hoje um país com a auto-estima jogada no bueiro, sem lideranças empresariais visíveis, sem lideranças sindicais e políticas, sem partidos políticos, sem mobilização das chamadas forças progressistas, com Judiciário e Legislativo desconjuntados, praticando ativismo político, com toda a esperança democrática nos ombros de uma pessoa – Lula. E ainda bem que o país ainda pode contar com o ativo político de Lula, contra a Hidra de Lerna bolsonarista.
Ao mesmo tempo, há um mundo novo a caminho, com a digitalização, as expectativas que se abrem no campo da transição energética, nas mudanças na geopolítica mundial.
Há a necessidade urgente de Lula convocar um think tank, com as melhores cabeças de cada área, para montar seu plano de desenvolvimento. Não basta apenas juntar lideranças empresariais para discutir mudanças legais e burocráticas. Elas têm que ser acção para a ação, para serem instrumentos de mobilização de seus associados, em cada canto do país.
E, a partir daí, Lula iniciar sua ofensiva contra o Centrão e o lixo amontoado nesses anos de dissipação política.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)