” VOCÊ FAZIA UMA MATÉRIA CRÍTICA E O RESTO DA IMPRENSA CAÍA PARA PROTEGER MORO”, DIZ A JORNALISTA MÔNICA BERGAMO

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Para a jornalista, pior momento da cobertura da Lava Jato foi quando alguns meios defenderam censura prévia à entrevista de Lula na prisão

A jornalista Mônica Bergamo, colunista da Folha de S. Paulo e apresentadora da BandNews, comentou sobre bastidores da Lava Jato e relatou o “desafio” que foi fazer a cobertura da operação, que contou com apoio de setores da grande mídia em sua cruzada para colocar o presidente Lula na cadeia e afastá-lo da disputa eleitoral de 2018.

Mônica Bergamo, que é uma das autoras da primeira entrevista que Lula concedeu ainda preso, relatou que o alinhamento da Lava Jato com setores da grande mídia era tão grande que quando qualquer jornalista fazia uma matéria “minimamente crítica” à operação, acabava sofrendo ataques ou era repreendido por colegas ou por membros da própria Lava Jato.

“Tinham duas dificuldades. Uma era a cobertura dos próprios fatos da Lava Jato. Todos os furos eram dados praticamente só para repórteres totalmente alinhados. Isso até acho ok, [porque] a fonte dá informações para quem ela confia. E [o segundo desafio foi] trazer fatos críticos da Lava Jato, [porque isso] te transformava [em opositor] e te carimbava como defensor de corruptos.”

A jornalista viveu a experiência na própria pele quando foi a Curitiba para fazer um perfil sobre Sergio Moro. Chegando lá, Moro deu um “chá de cadeira de horas” em Mônica Bergamo, se recusou a dar entrevista e chamou de “lamentável” a matéria que ela havia publicado anteriormente, sobre a situação precária de presos da Lava Jato. Moro disse que a jornalista estava “vitimizando” corruptos. E, no final da história, ainda deu um jeito de retaliar os presos pela reportagem.

“Uma das primeira matérias que fiz da Lava Jato, o Otávio Frias Filho – que nunca tinha me pautado – ele me chama e me pede para fazer a vida dos ricos na prisão. Quando os primeiros ricos foram presos. Era ordem dele, ele queria fazer aquela matéria. Eu descobri um cara do segundo escalão que tinha saído [da prisão] e topava me contar. Me contou tudo! Que eles desenhavam relógio de sol na parede para saber a hora. Que comiam com a mão porque o garfo de plástico quebrava. Que não tinham banheiro… Tudo aquilo. Fiz e publiquei. A segunda matéria que tinha me pedido era um perfil do Sergio Moro. Lá fui eu para Curitiba. O Moro, depois de me dar um chá de cadeira de horas, ele me deixa entrar na sala dele, me diz que não iria dar entrevista, era só uma conversa, e disse que minha matéria ela lamentável. ‘Você está vitimizando essas pessoas que são corruptas’. (…) Ele não me deu entrevista. Me tratou bem, foi educado, mas não quis fazer perfil nenhum. No dia seguinte, eles tiram transfere todos os presos da Polícia Federal e manda para um presídio muito pior, como se eles fossem os culpados pela minha matéria. (…) Foram punidos os presos. Então eu percebi a enorme dificuldade que eu teria tanto para cobrir quanto para criticar a Lava Jato.”

Os relatos de Mônica Bergamo ocorreram na manhã desta quinta (26), durante um painel sobre Lava Jato e imprensa, ao lado dos jornalistas Luis Nassif, Marina Rossi e Florestan Fernandes Jr, na Faculdade de Direito da USP. O evento foi promovido com apoio do Museu da Lava Jato. Nassif fez uma análise ampla sobre como a mídia travou relações promíscuas com o Judiciário e a classe política, para atingir seus interesses. Leia mais aqui.

“A imprensa protegia o Moro”

Mônica Bergamo ponderou que apesar de receber muitas críticas, a Folha de S. Paulo deu amplo espaço para a cobertura crítica da Lava Jato. Prova disso é que o jornal “rapidamente embarcou” na cobertura da Vaza Jato com o site The Intercept Brasil e outros meios de comunicação, ela disse.

Outro exemplo é a primeira matéria de Rodrigo Tacla Duran dizendo que o compadre de Sergio Moro – Carlos Zucolotto – estava oferecendo vantagens na Lava Jato. O furo foi de Mônica Bergamo na Folha.

“No dia seguinte, um dos nossos concorrentes deu uma entrevista com Moro, de duas páginas, sem perguntar uma vez sobre Tacla Duran. A partir daí, Moro passou a falar de jornalismo irresponsável. Tinha essa dificuldade: você fazia uma matéria minimamente crítica e o resto da imprensa caia para proteger o Moro”, comentou Bergamo.

A entrevista histórica com Lula

Ela ainda lembrou da entrevista que fez da prisão em Curitiba com Lula, em 2019, e revelou que aquele momento foi o mais chocante em termos de cobertura da imprensa.

“Quando surgiu a possibilidade de entrevistar o Lula, ali foi o momento que mais me chocou, de perceber como uma parte da imprensa se corrompeu num nível que eu achava que não chegaria nesse nível. Não estou falando de dinheiro. Foram editoriais apoiando a censura à Folha de S. Paulo. Censura prévia. Se fez a entrevista, não pode publicar. Fux deu uma decisão assim. Isso é censura prévia. E os jornais fizeram editoriais a favor da censura e criticando o ministro Lewandowski.”

O jornalista Florestan Fernandes falou sobre como o papel da mídia foi fundamental para a Lava Jato, ao mesmo passo em que restou aos meios independentes a missão de fazer uma cobertura mais crítica. “Todos os criminalistas usaram veículos de comunicação progressistas para denunciar o viés fascista da Lava Jato. (…) A imprensa independente manteve-se alerta cumprindo seu papel democrático”, pontuou.

Marina Rossi, ex-El Pais, também ponderou as críticas à cobertura da Lava Jato e exaltou o papel da imprensa na cobertura da operação, sobretudo quando da série Vaza Jato. “Santo hacker, mas também santa imprensa.”

Também participaram do evento os jornalistas Luis Nassif, Florestan Fernandes e Marina Rossi. Assista a abaixo:

CINTIA ALVES ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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