ARGENTINA A 70 HORAS DE SEU DESTINO

CHARGE DE THIAGO

Pelas regras do sistema eleitoral da Argentina – o candidato que obtiver 45% +1 por votos será eleito em 1º turno; ou se tiver 40%, mas garantir diferença de dez pontos percentuais para o 2º mais votado estará eleito – dificilmente as eleições vão indicar o novo presidente neste domingo, 22 de outubro. A definição seria adiada para o 2º turno (la segunda vuelta) 30 dias depois, em 19 de novembro. As pesquisas eleitorais têm funcionado como pêndulo, ao sabor das derrapadas dos candidatos ou do agravamento da crise econômica.

A surpresa eleitoral, Javier Milei, o economista ultra-liberal, que venceu as primárias em agosto, prometendo substituir o peso pelo dólar e fechar o Banco Central, e outras estatais, andou surfando na escalada da inflação (que superou os 120% em 12 meses, em agosto, na esteira da desvalorização do peso, no dia seguinte às prévias). Mas, na reta final da eleição, sua escalada radical, gerou fortes reações contrárias ao anunciar que romperia relações com o Estado do Vaticano, cuja chefia cabe ao Papa Francisco (o argentino Jorge Mário Bergoglio), líder da Igreja Católica Apostólica Romana.

Tanto melhor para o candidato do governo peronista, o ministro da Economia, Sérgio Massa. A inflação refluiu em setembro. E o peso reagiu ante o dólar com o avanço das negociações para o empréstimo de US$ 7,5 bilhões do Fundo Monetário Internacional e o acordo assinado esta semana, na Indonésia, entre o presidente Alberto Fernández e o presidente Xi Jinping. Maior comprador de produtos argentinos a China abriu empréstimo-ponte em yuane (moeda chinesa) equivalente a US$ 6,5 bilhões. Fernández disse que o empréstimo garante cobrir os compromissos financeiros do país até 31 de dezembro.

O 3º concorrente mais votado em agosto, a ex-ministra da Segurança do governo de Maurício Macri, Patrícia Bullrich, cresceu na reta final da campanha e pode ser a surpresa no 2º turno, desalojando Milei ou Massa, a quem faz duras críticas, porém sem o radicalismo de Milei e com o apoio político de uma base no Congresso mais unida da coligação “Juntos pela Mudança”, do que a base reunida em torno de Milei, no “União pela Pátria”.

Argentina lembra o Brasil em 1982

A dramática situação da Argentina, me lembra muito a crise da dívida externa brasileira, em 1982. Com a moratória do México em agosto, na reunião do FMI, na 1ª semana de setembro, em Toronto (Canadá), o Brasil, representado pelo então ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, e o presidente do Banco Central, Carlos Geraldo Langoni, recebeu dezenas de nãos dos banqueiros privados presentes.

Galvêas voltou às pressas ao Brasil. Fez escala em Brasília e relatou ao presidente, general Figueiredo, a situação dramática. O Brasil só produzia 30% do seu petróleo e não tinha crédito para as importações. Mas, ainda havia um complicador: em novembro haveria eleições diretas para governador (as primeiras desde 1965), e seriam eleitos os deputados e senadores que fariam a composição do Colégio Eleitoral que escolheria o sucessor de Figueiredo em janeiro de 1985. Em acordo com os donos dos grandes jornais, ficou acertado que as notícias sobre a ida ao FMI só poderiam ter manchete se fossem com declarações em “on” (com o nome da fonte – ninguém queria se arriscar, e as declarações vinham em “off”).

Editor de Economia do JB, na ápoca, usava as manchetes do México, que negociava abertamente com o FMI e dava manchetes do Brasil, mesmo em “off”, no meio da página, para o leitor tirar as conclusões. Às vésperas das eleições, a situação ficou tão dramática, que o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, veio a Brasília dar um cheque de US$ 300 milhões para o Brasil não ficar sem petróleo (ao ler seu discurso, no teleprompter, mandou um “saúdo o povo da Bolívia” (sic). Ante as reações, se desculpou. Disse que a Bolívia seria sua próxima visita. Na verdade, seria a Bogotá, na Colômbia.

Imagine, caro leitor, o nervosismo dos argentinos, com economia fortemente indexada em dólar, ante de cenários tão radicais à escolha do eleitor.

Dólar tem pequena queda

Um dos termômetros da eleição neste último dia de campanha dos candidatos é a cotação do dólar. Como se sabe, há mais de um século os argentinos têm o dólar como moeda de reserva. Seu mercado financeiro, comparado ao brasileiro, é muito atrofiado e incipiente.

Aqui, a criação da correção monetária (em junho de 1964), facilitou a construção das bases do sistema financeiro e do crédito a médio e longo prazo. Mas trouxe o ônus da indexação dos preços presentes à inflação passada. No entanto, na Argentina é muito pior, pois as expectativas inflacionárias derivam, em grande parte, das apostas em relação ao dólar.

Lá, com as promessas de Milei de substituir o peso pelo dólar, a diferença (ágio) entre o dólar paralelo (chamado de dólar blue) e o dólar oficial (o dólar verde) já superou os 150%, mas já caíram ligeiramente. As cotações hoje do dólar oficial estavam em 367,64 pesos por US$, com queda de 0,04%. Entretanto, mesmo com queda de 0,55%, o dólar blue era cotado a 900 pesos, segundo o site do “Âmbito Financiero”, uma das publicações mais respeitadas em economia e política da Argentina. O ágio era de 144,8%

O preço da incerteza

Em artigo publicado hoje no site, o diretor executivo do “Âmbito Financiero”, Julián Guarino resume a encruzilhada e a perplexidade dos argentinos:

“Não há respostas para as perguntas que são procriadas na prévia. É em vão fantasiar sobre cenários que concatenam variantes da lógica mais complexa. Aqui e ali, as urnas estão impiedosamente impregnadas, imaculadas e de outra forma. Se tem uma coisa que é verdade neste momento é que ninguém pode garantir nada. Incerteza significa exatamente isso: “in-certus”, em latim. Ninguém. Nada. É nisso que o mercado financeiro coloca um preço. Dólar, ações, títulos, futuros, tudo gira em busca de um lugar âncora, embora na 2ª feira embarque em um caminho de retorno. É tudo curto prazo nessas horas”.

Do outro lado do rio da Prata, no Uruguai, que se prepara para os efeitos radicais se Milei (um misto de Bolsonaro com Paulo Guedes, porém, sem o preparo acadêmico e operacional de Guedes) for vencedor, o ex-presidente José Mujica, foi curto e claro sobre o panorama eleitoral da Argentina: “Sergio Massa é o que parece menos louco”

A sinceridade de Haddad

No Brasil, indagado pela agência Reuters sobre se estaria preocupado com o resultado das eleições na Argentina, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi direto e sincero: ““É natural que eu esteja [preocupado]. Uma pessoa que tem como uma bandeira romper com o Brasil, uma relação construída ao longo de séculos, preocupa. É natural isso”, disse o ministro, em entrevista à Reuters. “Preocuparia qualquer um, porque em geral nas relações internacionais você não ideologiza a relação”.

A Argentina é o 3º parceiro comercial do Brasil, com 4,8% de participação. Só perde para a China, que responde por quase 30% das importações, e os Estados Unidos, que importa em torno de 19%. Mas a Argentina é grande comprador de produtos manufaturados do Brasil, em troca de produtos agrícolas (trigo e cereais), além de produtos manufaturados). A preocupação maior vem do fato de que os importadores argentinos acumulam mais de US$ 2 bilhões em débitos com indústrias e empresas comerciais brasileiras.

A integração entre as duas maiores economias da América do Sul se intensificou com a criação do Mercosul, iniciado em 1985, no governo Sarney, com o Tratado de Assunção, que selou o ingresso de Paraguai e Uruguai ao acordo inicial de comércio entre Brasil e Argentina. O Mercosul se consolidou em 1991. Milei promete extinguir o acordo, sem acenar com nada em troca.

GILBERTO MENEZES CORTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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