A HORA DE ACORDAR PARA TEMAS CONCRETOS

CHARGE DE PATAXÓ

A discussão nacional está focada em temas mais abstratos que fazem a glória dos acadêmicos e a festa dos financistas

É hora de virar o disco da discussão econômica, PIB potencial, taxa de juros neutra, déficit zero. Há um maremoto pela frente, e a discussão econômica se restringe à viabilidade ou não do arcabouço, da meta de déficit.

O maremoto tem duas frentes principais.

Internacionalmente, há os desdobramentos da crise da economia norte-americana. Como expus no “Xadrez do Waterloo de Lula”, há sinais de uma recessão a caminho, mas indicadores pontuais que mostram uma melhoria no emprego, o que obrigará o FED (Banco Central dos EUA) a um aumento das taxas de juros, reduzindo a possibilidade de um pouso sereno da economia.

Não apenas isso:

* Preços mais elevados de energia pressionam a inflação.

* Rumores sobre a sustentabilidade da dívida norte-americana, com o Tesouro emitindo e o Federal Reserve reduzindo sua participação.

* Mudanças geopolíticas reduzindo a procura de títulos do Tesouro por outros países.

* Muitos indicadores apontando para uma recessão no país, apesar do mercado de trabalho aquecido.

* O aumento das exigências bancárias para crédito é típico de períodos pré-recessão.

* A relação entre crescimento monetário e crescimento nominal do PIB está em nível negativo recorde. No passado, funcionou como sinal deflacionário que precedia as recessões.

* O mercado imobiliário americano, altamente sensível às taxas de juros, mostra sinais de dificuldade. O aumento dos títulos de tesouro de longo prazo, em quase 8%, restringiu a compra de casas.

* O aumento da dívida pública americana esbarra na queda da demanda por parte de outros países, devido às mudanças geopolíticas globais.

* Ao mesmo tempo, os últimos indicadores de emprego poderão promover novas altas nas taxas de juros

A segunda ameaça são os efeitos do El Niño, especialmente na Argentina e Brasil.

O El Niño é um fenômeno climático que ocorre no Pacífico equatorial, causando alterações nas temperaturas e nas precipitações em todo o mundo. Na Argentina, o El Niño geralmente provoca os seguintes efeitos:

  • Aumento das chuvas: O El Niño é associado a um aumento das chuvas no sul da Argentina, incluindo as províncias de Buenos Aires, Santa Fé, Córdoba e La Pampa. As chuvas podem causar inundações em áreas urbanas e rurais, danos à infraestrutura e perda de safras.
  • Diminuição das chuvas: O El Niño também pode causar uma diminuição das chuvas no norte da Argentina, incluindo as províncias de Chaco, Formosa e Salta. A seca pode causar danos à agricultura e à criação de gado.

Em 2010, o El Niño causou inundações severas na província de Buenos Aires, que deixaram mais de 100 mortos e causaram bilhões de dólares em danos.

Em 2015, o El Niño causou uma seca severa no norte da Argentina, que levou à perda de safras e à escassez de alimentos.

No Brasil, o El Niño já provoca secas no Norte e Nordeste, afetando a agricultura e a geração de energia hidrelétrica. Em 2015, o El Niño causou uma seca severa no Nordeste brasileiro, que levou à perda de safras e à falta de água em algumas cidades.

A seca afetará preços das commodities agrícolas, com impactos no custo de vida.

Há outros pontos de stress, como os riscos de ampliação da guerra da Ucrânia e, agora, dos conflitos na Palestina e a posição da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).

A OPEP realizou sua 28ª Reunião Ministerial Ordinária em 2 de agosto de 2023, em Viena, Áustria. Na reunião, os ministros da OPEP concordaram em manter a produção de petróleo inalterada em 43,28 milhões de barris por dia (bpd). Em meio à instabilidade atual, a decisão deverá levar a um aumento nos preços do petróleo.

Os riscos do câmbio

E aí se chega no busílis da questão. Todos esses fatos impactarão a economia brasileira, e de todo Sul Global, através do mercado de câmbio. E serão movimentos caóticos, que afetarão não apenas as economias locais, como o próprio mercado financeiro global. Esse é o alerta que Joseph Stiglitz trouxe, em sua visita ao Brasil.

No pós-guerra, esses riscos de desestabilização foram enfrentados pelo acordo de Bretton Woods.

O acordo não restringiu o livre fluxo dos capitais, mas definiu regras para tirar o mercado de câmbio desse jogo fundamentalmente instável. Estabeleceu um sistema de taxas de câmbio fixas, com base no dólar americano. O dólar era conversível em ouro, a uma taxa de US$ 35 por onça.

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O acordo criou também o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). O FMI ajudaria os países a enfrentar desequilíbrios de balanço de pagamentos, e o BIRD para promover o desenvolvimento econômico.

Por trás de tudo, a proteção ao grande capital. Tanto no empréstimo ao Brasil, em 1998, como para a Argentina, no ano passado, o dinheiro serviu exclusivamente para permitir uma saída segura aos capitais especulativos, os capitais-gafanhoto, que chegam, devoram a grama da economia e depois se mandam.

A questão central é que uma crise cambial continuada imporá restrições ao fluxo de capitais, especialmente no Sul Global, além de uma enfraquecimento ainda maior dos mercados – através das instituições multilaterais ocidentais – em favor do modelo chinês.

É uma discussão que se abre no BIS (Banco de Compensações Internacionais), espécie de banco central dos bancos centrais e que, em breve, vai se alastrar pelos centros financeiros internacionais.

Embora historicamente a favor da liberalização dos capitais, em 2019, o BIS publicou um relatório que reconheceu que a liberalização do fluxo de capitais pode levar a uma maior volatilidade dos mercados financeiros, o que pode aumentar o risco de crises financeiras.

Por enquanto, limitou-se a defender medidas de aumento da transparência e da regulação dos mercados, o fortalecimento de mecanismos de proteçào financeira e promoção da cooperação internacional.

Mas a discussão nacional está focada em temas mais abstratos, como arcabouço fiscal, meta de déficit zero, taxa de juros neutra, PIB potencial e outras firulas que fazem a glória dos acadêmicos e a festa dos financistas.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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