A ESTRATÉGIA POLÍTICA DE MILEI NOS SEGUINTES TEMAS: DIREITOS HUMANOS , GÊNERO E CIDADANIA

CHARGE DE AMORIM

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Em resumo, as ideias e as estratégias discursivas de LLA não operam no vazio, nem podem ser entendidas de maneira isolada.

Na Argentina, o próximo 22 de outubro será uma data atravessada por grandes desafios e riscos muito concretos para os feminismos, os ativismos LGBTIQ+ e os movimentos de direitos humanos. O que está em jogo na próxima eleição nacional não é só um conjunto específico de políticas públicas, senão o status mesmo de direitos de cidadania e sua garantia estatal.

No dia da eleição, os locais de votação abrirão logo pela manhã uma disputa presidencial em que, pela primeira vez em 40 anos de democracia ininterrupta, um candidato autoproclamado “libertário”, um fanático do mercado como um mecanismo legítimo de coordenação social, que nega o terrorismo de estado e a desigualdade de gêneros, tem chance de vencer em primeiro turno ou ir para o segundo turno. Em todas as projeções conhecidas, Javier Milei e sua candidata a vice-presidente, Victoria Villarruel, passarão por um desses dois cenários. Existem numerosas e lúcidas análises que nos ajudam a entender como chegamos até aqui.

A eleição de 22 de outubro coincidirá com uma data carregada de sentido para a democracia argentina: o Dia Nacional do Direito à Identidade, o qual reconhece as Avós da Praça de Maio e sua luta incansável na busca por meninos e meninas roubados durante a última ditadura cívico-militar. Embora não se conheça os dados exatos das vítimas do genocídio, o número de 30.000 dá conta da sistematicidade dos desaparecimentos forçados.

No primeiro debate presidencial rumo às eleições gerais, além de questionar a existência de 30 mil pessoas desaparecidas, Milei afirmou que na década de 1970, a Argentina passou por uma “guerra”, usando os mesmos termos e argumentos usados por genocidas para tentar evitar seu julgamento. Nos últimos 40 anos, a ideia de que o terrorismo de Estado não foi “uma guerra” na qual foram cometidos “excessos”, mas sim a aplicação de um plano metódico de extermínio, com centros de detenção clandestinos, tortura, roubo de bebês e violência sexual, fazia parte do acordo democrático majoritário da sociedade argentina. Esse acordo está atualmente em disputa.

Com maior taxa de intenção de votos entre os homens, o candidato do partido La Libertad Avanza (LLA, A Liberdade Avança) se manifestou em várias tribunas contra o aborto legal, seguro e gratuito (chegou a sugerir a possibilidade de revogar a lei que tanto custou a vigorar no país); assemelhou a Educação Sexual Integral ao “doutrinamento” ideológico e à destruição da família; ignorou a diferença de renda entre homens e mulheres e os feminicídios; e prometeu eliminar as políticas de  gênero e diversidade se chegar a ser eleito para governar o país (a enumeração podia ser bem mais extensa).

A negação de fatos tão palpáveis como a violência ou a desigualdade econômica em função do gênero não é uma mostra de desconhecimento: é uma arma política para instalar ideias que deslegitimam demandas de direitos das mulheres e a diversidade sexual, mas também o direito à identidade, a desfrutar de um ambiente saudável, a receber educação e saúde pública de qualidade, a sonhar com um país menos injusto.

Em resumo, as ideias e as estratégias discursivas de LLA não operam no vazio, nem podem ser entendidas de maneira isolada. Elas fazem parte da ascensão global e regional de movimentos e discursos radicalizados e profundamente anti-igualitários, que utilizam a desinformação para propor uma visão idealizada de futuro, que, na realidade, serão diretamente inalcançável e excludente para inúmeras pessoas. O final está em aberto.

MARIANA CAMINOTTI ” PORTAL DO IDDC “/ ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

Mariana Caminotti – Pesquisadora do Instituto de Investigaciones Políticas (UNSAM-CONICET). Professora da Universidade Nacional de Rosario, na Argentina, e integrante da Rede de Politólogas #NoSinMujeres.

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