Jornalistas árabes e do Oriente Médio produziram um guia orientando a cobrir de forma mais crítica a guerra entre Hamas e Israel
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A Associação de Jornalistas Árabes e do Oriente Médio (AMEJA) produziu um guia com orientações para ajudar as redações do mundo a cobrir de forma mais “precisa e crítica” as questões relacionadas a Israel e à Palestina.
O manual, traduzido da língua inglesa pelo GGN, é uma resposta a pedidos de repórteres, editores e demais produtores de conteúdo para “obter recursos para melhor compreender o contexto histórico e as nuances” do conflito, na esteira da guerra entre Israel e Hamas.
O guia contém contribuições de jornalistas membros de todos os tipos de plataformas de mídia do globo, e não pretende ser “uma lista exaustiva de diretrizes” para a cobertura. A AMEJA “espera que estas recomendações evoluam à medida que os acontecimentos se desenrolam”, declarou a associação.
Confira, abaixo, as orientações dos jornalistas da AMEJA:
● Lembre-se do contexto mais amplo das relações palestino-israelenses e de como elas se relacionam com o eventos que você está cobrindo atualmente. Todas as reportagens devem levar em consideração que, de acordo com o direito e consenso internacionais, Israel ocupa o território palestino e que os palestinos – quer vivam na Cisjordânia, em Gaza ou dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas de Israel — estão sujeitos a um sistema injusto e desigual, conforme documentado por organizações internacionais como Human Rights Watch e a organização israelita de direitos humanos B’Tselem.
● Esteja atento, também, ao contexto atual. Por exemplo, nos meses que antecederam o ataque do Hamas contra Israel em outubro de 2023, os militares israelenses invadiam rotineiramente cidades palestinas como Jenin, Tulkarem, Nablus, Hebron e outros, matando e prendendo palestinos combatentes e civis, e confiscando suas terras. Colonos israelenses de assentamentos considerados ilegais pelo direito internacional, perseguiram e atacaram agricultores palestinos e suas famílias com impunidade. Termos como “ataque não provocado” muitas vezes ignoram eventos anteriores.
● Evite enquadramentos de “ambos os lados”. Reconheça o desequilíbrio de poder entre Israel e o povo palestino. Este não é um conflito entre Estados, mas sim entre Israel, que tem uma das forças armadas mais avançadas do mundo, e os palestinos, que não têm exército formal e utilizam em grande parte armamentos improvisados e relativamente básicos.
● Seja preciso ao reportar vítimas. Evite reportar manchetes ou leads como “mais de 30 mortos em Gaza e Israel à medida que os combates aumentam rapidamente”, se, por exemplo, você souber que a maioria dos mortos eram palestinos em Gaza. Diga aos leitores quem foi morto ou ferido, onde e por quem, usando linguagem ativa e não passiva.
● Esteja atento ao bloqueio contínuo de Israel a Gaza. Embora o Hamas seja o governante político no território, Israel ainda controla as fronteiras de Gaza e o movimento de pessoas e mercadorias através de um bloqueio terrestre, aéreo e marítimo em curso, com o Egito a controlar a passagem de Rafah.
● Substitua “despejo” e “disputa imobiliária” por “expulsão”. Os termos “despejo” e “disputa imobiliária” sugere um desacordo entre proprietário e inquilino, obscurecendo os esforços do governo de Israel para deslocar à força a população palestiniana de Jerusalém. No caso do bairro de Sheikh Jarrah e outros territórios palestinos ocupados, as Nações Unidas disse que tais expulsões “violariam as obrigações de Israel sob o direito internacional”.
● Evite a palavra “conflitos” em favor de uma descrição mais precisa. Pense duas vezes antes de descrever confrontos entre manifestantes palestinos e a polícia israelense fortemente armada como “confrontos”. Os confrontos muitas vezes começam com a polícia dispersando as manifestações usando gás lacrimogêneo e balas de borracha.
● Verifique novamente as fontes “oficiais”, sejam governamentais ou militares. Se nenhuma evidência for fornecida para uma reivindicação, diga isso aos seus leitores, no alto de sua história. Além disso, tenha cuidado em como atribuições de declarações ou reivindicações são feitas. Considere a diferença entre: “Dois palestinos homens armados que planejavam emboscar uma minivan cheia de cidadãos israelenses morreram quando confrontados por policiais israelenses de fronteira, disse um porta-voz do governo israelense” e “funcionários palestinos afirmam que os soldados israelenses ajudam rotineiramente os colonos a retomar casas que afirmam ser legalmente suas.” A primeira instância é lida como uma declaração de fato com uma ressalva no final. A segunda instância é lida como uma reivindicação e isso está em debate.
● Entrevistar palestinos. Sua história está sempre incompleta sem eles. Ex-diplomatas dos EUA, os analistas militares de Israel e os comentaristas não palestinianos do Oriente Médio não são substitutos para vozes palestinas.
● Esteja ciente de como você está identificando os palestinos. Pergunte às pessoas que você está entrevistando como eles querem ser descritos. Dentro de Israel, as respostas potenciais poderiam incluir árabe-israelenses, cidadão palestino de Israel ou simplesmente palestino. Reconhecer também os palestinos representam múltiplas origens religiosas, incluindo muçulmanos, cristãos e outros. Ignorar essa diversidade perpetua a noção enganosa de que o conflito é, em sua essência, religioso entre judeus e muçulmanos, em vez de natureza política.
● Verifique seus funcionários de ascendência árabe e do Oriente Médio, especialmente aqueles que podem ser pessoalmente impactados pela situação. Seja receptivo ao feedback deles sobre sua cobertura da guerra sem impor-lhes encargos indevidos. Reconheça que seu conhecimento da região e fluência cultural podem ser uma vantagem para o sucesso da cobertura da sua organização de mídia.
LOURDES NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)