Na bem sacada matéria do nosso colaborador Gabriel Mansur publicada ontem sobre a entrevista do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ao apresentador Pedro Bial, que tanta repercussão ainda está dando na mídia, apenas um reparo: não foi Bolsonaro que indicou Campos Neto à presidência do Banco Central, mas o seu “Posto Ipiranga”, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, que já trabalhara com o então responsável pela Tesouraria da América Latina do Santander, quando ambos trabalhavam no Bozano. Simonsen, comprado em 2000, pelo Santander.
Faço essa observação, não só por conhecer a origem de Campos Neto, que entrevistei na Globonews quando editava a edição da tarde do “Conta Corrente”, como a própria inconfidência do presidente do Banco Central, que ficou impressionado com a conversa de quase uma hora e meia, dia 28 de setembro, com o presidente Lula, na véspera de sua operação, com a presença do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, explica melhor a escolha.
Paulo Guedes, que junto com Paulo Rabello de Castro, atuaram como assessores econômicos do senador e depois deputado federal, por Mato Groso do Sul, o ex-embaixador e ex-ministro do Planejamento, Roberto de Oliveira Campos Neto, conhecera Campos Neto ainda garoto. Campos Neto, que completou 54 anos em 28 de junho, é quase 20 anos mais moço que Paulo Guedes.
Quando deixou o Banco Pactual, no qual foi dos fundadores, no começo dos anos 80, a partir da Distribuidora Pactual, que reunia as iniciais dos fundadores (Paulo Guedes, André Jakurski e Luiz Cesar Fernandes), Paulo Guedes ingressou no Bozano, Simonsen e convidou o jovem neto do mestre Roberto Campos a operar na mesa de títulos. Lá ele evoluiu e ganhou novo impulso após o Santander comprar o Bozano, o Banespa e o ABN-Amro (Real).
Era a 2ª conversa do presidente do Banco Central com o presidente Lula. A 1ª, uma troca protocolar de gentilezas com o presidente eleito, foi na equipe de transição (em dezembro). Como em fevereiro de 2021, o Banco Central ganhou independência perante o Executivo, com o mandato de Campos Neto estendido até 31 de dezembro de 2024, ele não se sentia parte do governo.
Ao ser, precisamente, provocado por Bial a comparar as conversas que teve com o ex-presidente Jair Bolsonaro, em quatro anos de governo, com a troca de ideias com Lula, Campos Neto, que votou no ex-presidente, cometeu um ato falho e escancarou o completo despreparo do ex-presidente para assuntos mais complexos da administração pública, como a política monetária:
– Ele disse que as conversas com Bolsonaro eram rápidas – “porque depois de três minutos ele se dispersava completamente e não se interessava mais sobre o tema”. Trata-se de um ato falho que expõe o que jornalistas e críticos do governo Bolsonaro sabiam de cor e salteado. E o próprio ex-presidente, numa autocrítica sincera, já dissera em 2019 – “Não estava preparado para ser presidente”.
De certa forma, ao cometer seu ato falho que escancarou o despreparo do ex-presidente, o presidente do Banco Central também fez uma espécie de “mea culpa”, por ter exagerado ao sentar-se no trono da “independência do Banco Central” e resistido a trocar ideias com o governo eleito.
Já escrevi várias vezes aqui que assim como o próprio Paulo Guedes (outro, mais que desencantado, “magoado” com Jair Bolsonaro) desistiu de esperar resultados da política monetária em 2022. Os juros estavam nas alturas (12%) para derrubar a inflação ao centro da meta – o que só deve ocorrer no fim de 2024, mas custaria a reeleição de Bolsonaro.
Os erros do Banco Central
Assim, Guedes tratou de cortar impostos dos produtos que mais pesavam na inflação (combustíveis, energia elétrica e comunicações. A inflação caiu a 5,79%, mas estourou a meta de 5,25% e não evitou a eleição de Lula. Sem trocar ideias com o novo governo, o Banco Central manteve os juros altos, temendo a reoneração integral em 1º de janeiro.
Que veio a partir de março, escalonada e em nível inferior. Calculou mal o impacto baixista nos preços dos alimentos na supersafra (assim como no PIB e na balança comercial). E ainda não acreditou na nova política de preços da Petrobras, com uso mais intenso nas refinarias do petróleo leve do pré-sal, extraído a baixos custos. Operava em cima dos reajustes automáticos do PPI.
O resultado criticado desde a montagem do governo é que o Banco Central manteve os juros muito elevados, penalizando o Tesouro Nacional, com aumentos de R$ 350 bilhões nos gastos com juros da dívida para ricos investidores, além de ônus financeiros para as famílias e empresas. As duas reduções de 0,50 ponto percentual cada, a partir de 2 de agostos, são insuficientes para aliviar as agruras das famílias e dos setores que dependem do escoamento das vendas a prazo no comércio.
Não sei se Campos Neto “ajoelhou no milho”, como era um castigo comum na infância e juventude do avô Roberto Campos Neto. Mas ele deve um pedido de desculpas não apenas ao presidente Lula, como a toda a sociedade brasileira.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)