O PETRÓLEO É NOSSO, UMA CAMPANHA QUE MUDOU O BRASIL

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Publicado em 24 de fevereiro de 2015

Petrobras conseguiu consolidar uma competência internacional em águas profundas, único setor em que o país brilha, além do aeronáutico

Quando ganhei o Prêmio Esso de 1987, fui à premiação no Rio de Janeiro. Fiquei na mesa principal ao lado do presidente da Esso do Brasil. Na mesa, estava um representante, se não me engano, da Casa da Moeda. Reconheci o Almirante Henrique Miranda. Foi um dos grandes nomes pouco conhecidos da campanha do Petróleo é Nosso. Brinquei com o presidente da Esso: “Aquele ali é um dos culpados de termos criado uma concorrente para a Esso”.

Conheci Henrique Miranda no Rio de Janeiro em 1977, em uma reportagem que propus à revista Veja sobre os 25 anos da Petrobras. A campanha era um eco distante na memória dos mais velhos e praticamente desconhecida para minha geração. O regime militar escondia qualquer forma de manifestação popular, da Abolição à campanha do Petróleo é Nosso.

Soube da campanha graças ao meu amigo Negão Almeida, na época vendedor de livros.

Almeida conhecia um delegado do DOPS, pai de um colega de seu filho. E o delegado providenciava os livros “subversivos” apreendidos para que o negão pudesse revender. Foi assim que conheci os escritos de Gondim da Fonseca, o maior texto jornalístico que até então tinha lido. E soube de Mattos Pimenta, do Jornal de Debates.

Passei cinco dias inesquecíveis no Rio, entrevistando os sobreviventes do movimento. Não consegui encontrar Gondim. Depois, soube que morrera naquele ano, provavelmente em Petrópolis.

Mas conheci Henrique Miranda e sua esposa Alice Tibiriçá Miranda, neta de um ex-governador de São Paulo e filha de uma ativista social, dona Maria Tibiriçá, que comandava as marchas contra a carestia alguns anos antes.

Não fiquei nisso. Em sua casa em Laranjeiras, encontrei Mário Bittencourt Sampaio, o criador do DASP (Departamento de Administração do Serviço Público), o técnico que levou o grande Fernando Luiz Lobo Carneiro para uma conversar com o engenheiro e deputado Maurício Joppert, engenheiro emérito ligado à UDN. Dessa conversa nasceu a convicção de que a Petrobras necessitava nascer integrada, controlando a prospecção, o refino e a distribuição, caso contrário será sufocada pelas Sete Irmãs.

Foi a partir daí que o udenista Bilac Pinto, amigo da família, foi convencido a ampliar o projeto de criação da Petrobras, incluindo nele o monopólio estatal. Outro amigo da família, o marechal Juarez Távora, ferrenho adversário do monopólio, foi derrotado.

Na conversa, Bittencourt Sampaio me presenteou com um livrinho sobre o governo Dutra, para desmentir a história de que havia acabado com as reservas cambiais brasileiras acumuladas na Segunda Guerra. Pelo menos parte das reservas foi utilizada para importar as primeiras refinarias brasileiras, me disse ele. Depois, tornou-se sócio do legendário Daniel Ludwig em uma empresa naval de transporte de produtos químicos.

O último suspiro de Mattos Pimenta

No último andar de um dos espigões de Copacabana, um hotel, encontrei Mattos Pimenta, do Jornal de Debates, vivendo seus últimos momentos. Mudara-se para lá com um motorista incumbido de acompanhá-lo em seus últimos momentos. Apesar de esquerdista, mantinha uma coluna no Globo, graças às afinidades imobiliárias com Roberto Marinho. Mattos tinha uma empresa de avaliação de imóveis, a Bolsa de Imóveis; Roberto Marinho sempre foi um investidor imobiliário compulsivo.

Velho, velhíssimo, como se tivesse a idade dos tempos, estava estirado na cama de casal do apartamento. Levara para lá apenas roupas e a coleção do Jornal de Debates. Cada episódio que eu perguntava, ele sabia de cor o volume e a página.

De repente, desandou a falar sobre a morte de Ferdinando da Áustria, a imprudência da Primeira Guerra. O motorista correu para pegá-lo e levá-lo a uma banheira. Com um pouco de descanso, voltou a 1977.

Conheci também Joel Silveira, o grande repórter co-autor do clássico “Tudo o que você queria saber sobre petróleo”. Presenteou-me com o livrinho, que jamais devolvi. Na época, foi o carro-chefe da grande campanha pelo petróleo.

O mergulho na campanha do Petróleo jamais saiu de minha memória afetiva. E dali em diante os personagens daquela história me acompanharam para sempre.

A primeira Página Amarela que emplaquei na Veja foi com Rômulo de Almeida. Mais tarde, no Jornal da Tarde, consegui uma reportagem com o correspondente dos Estados Unidos com Walter Link, o indigitado Mr. Link, execrado pelos nacionalistas, mas que salvou a Petrobras da aventura amazônica, além de ter criado as bases do departamento geológico.

Meus escritos posteriores me valeram um bilhete carinhoso de Fernando Luiz Lobo Carneiro, um dos heróis anônimos da campanha e que, na época de minha ida ao Rio, estava fora do país.

Não era apenas a esquerda de Rômulo, a direita de Bilac. Mais tarde, convivendo com Walther Moreira Salles, soube do papel dos empresários da época.

A conversa surgiu no dia em que o economista Paulo Guedes sugeriu que a grande desgraça do Brasil foi a Petrobras não ter nascido de capitais privados. Perguntei ao embaixador o que ele achava. Ele sorriu: “Que bobagem! Não havia capital privado suficiente na época”.

E contou como foi pensada a capitalização da Petrobras. Em uma noite, na sala de Wolff Klabin em Teresópolis, reuniram-se alguns empresários e o geólogo Glycon de Paiva – alvo preferencial das verrinas de Gondin da Fonseca, depois que descobriu que o nome Glycon não podia se pronunciar Gláicon, porque era uma apócope de Glycerides alguma coisa, a mãe, com o CON do pai. Glycon era parente dos Paiva de Poços e foi um de meus entrevistados de 1977.

Coube a Glycon montar a engenharia financeira, que consistia em vender lotes de ações às prefeituras.

Construindo o futuro

Mais tarde, a importância da Petrobras transcendeu o petróleo. Na grande crise cambial do início dos 80, a empresa montou um trabalho de certificação dos fabricantes nacionais, uma política de substituição de importações que foi uma das grandes revoluções industriais da história, embora pouquíssimo analisada.

Seus investimentos em tecnologia, o trabalho do CENPES, as redes de pesquisa montadas com as universidades, os projetos de capacitação de pequenos fornecedores, tudo isso consolidou a convicção de que as chamadas externalidades positivas da empresa eram ainda mais relevantes que seu objetivo central: extrair petróleo.

Em sua existência, a empresa conseguiu consolidar uma competência internacional em águas profundas, o único setor em que o país brilha, além do aeronáutico. Consolidou uma política industrial que permitiu avanços enormes à indústria de máquinas e equipamentos. Nos últimos anos, permitiu o renascimento da indústria naval.

Hoje à noite, no evento da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) estarão presentes a memória de Artur Bernardes, símbolo político maior da campanha, dos tarefeiros que organizaram o movimento, dos jornalistas, dos militares que emprestaram seu nome, dos sindicalistas, geólogos, fornecedores que, ao longo da história, ajudaram a transformar a empresa em um foco de futuro em um país que mal e mal dá conta do presente.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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