OS ERROS DO BANCO CENTRAL CUSTAM 100 BILHÕES AO TESOURO

CHARGE DE CARLOS CAMPOS

O Banco Central é uma mina de informações sobre a economia. Para ajudar o Comitê de Política Monetária, colegiado integrado pelo presidente, Roberto Campos Neto, e oito diretores, que a cada 45 dias decide o nível do piso dos juros da economia (a taxa Selic, que agora caiu para 12,75% ao ano) e a intensidade da política monetária, o BC faz a pesquisa Focus toda 6ª feira auscultando 150 instituições financeiras, consultorias e institutos de pesquisa sobre os dados macroeconômicos.

Praticamente todos os dias o BC divulga informações que realimentam e remetem aos dados macroeconômicos. E a cada fim de trimestre esses dados são compilados num balanço parcial da economia brasileira chamado de Relatório Trimestral de Inflação. O RTI ajuda aos agentes econômicos a entender o cenário que está levando o Banco Central a nortear a política monetária.

O país adotou o sistema de metas de inflação, há 24 anos, em março de 1999. Desde então, para que a política monetária persiga metas (fixadas com, no mínimo, de 18 meses antecedência), os RTIs servem como um boletim para se examinar os erros e acertos do BC. Quanto maior o grau de acerto, maior a credibilidade do Banco Central em digerir previsões e transformá-las em parâmetros para a política monetária, com impacto sobre o câmbio e a inflação.

Mas os bancos centrais não são infalíveis. A declaração de independência do Banco Central do Brasil perante o Executivo, aprovada pelo Senado, com a Lei 179, de fevereiro de 2021, não lhe outorgou o poder da infalibilidade. Nem lhe deu mandato de ignorar as demandas da sociedade. Erros do Banco Central na avaliação da conjuntura podem fazê-lo demorar a elevar os juros como prevenção a riscos inflacionários; e vice-versa: pode exagerar na dose do remédio, ao supor que a inflação seria maior do que a esperada.

Num e noutro caso, os erros do Banco Central têm enorme custo. Para o Tesouro Nacional e/ou para a sociedade. Quando demorou a elevar os juros da Selic, reduzidos a 2% ao ano, em março de 2020, com a declaração da pandemia da Covid-19 e a liberação de trilhões ao sistema financeiro, o Copom ficou a reboque de uma escalada do dólar, que foi pressionar a inflação em 2021 (10,06%, acima do teto da meta de 5,25%) e, sobretudo em 2022, depois que a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro e sofreu sanções que impactaram os preços do petróleo, combustíveis, fertilizantes e alimentos.

No ano eleitoral de 2022, as surpresas fizeram o Copom aumentar em quase 50% (48,65% a taxa Selic em apenas seis meses: a Selic, que estava em 9,25% ao ano em dezembro, saltou para 10,25% em 2 de fevereiro e teve nova alta para 11,75% em 16 de março, até chegar a 13,75% ao ano em 3 de agosto de 2022. Entretanto, ao perceber que a escalada dos juros não derrubaria a inflação a curto prazo (e custaria a reeleição do presidente Jair Bolsonaro), o ministro da Economia, Paulo Guedes, rasgou a ortodoxia e fez mega intervenção eleitoreira na economia: cortou impostos federais e estaduais dos preços públicos de maior impacto no IPCA (combustíveis, sob a liderança da gasolina, energia elétrica residencial e comunicações). E ainda despejou bilhões nos bolsos dos eleitores. Derrubou a inflação em 12 meses, de 12,13% em abril, para 5,79% em dezembro. Não adiantou. Deu Lula.

O Banco Central estava preparado para a guerra, entrincheirado na taxa Selic de 13,75%, que implica juro real (descontada a inflação) de 8,55% em dezembro de 2022. E assim se manteve, acreditando que em 1º de janeiro haveria reoneração total dos impostos. Se tivesse trocado ideias com a equipe econômica, Campos Neto saberia que a política seria cautelosa. Afinal, Lula prometeu em campanha “abrasileirar” os preços dos combustíveis em substituição ao sistema de Paridade de Preços Internacionais, adotado em 2016.

Erros no PIB, IPCA e balança comercial

O Banco Central não só errou em superestimar o impacto da reoneração – foi escalonada e não retornou aos níveis de junho de 2022 e veio acompanhada de uma política de uso mais intenso do petróleo do pré-sal (78% da produção nacional). Extraído a custos de 1/3 dos preços internacionais e com uso mais intenso do parque de refino (93% da capacidade instalada), a Petrobras não só ajudou a combater a inflação (reajustes seriam automáticos com o PPI), como no crescimento da indústria extrativa e, na de transformação, de coque, derivados de petróleo e petroquímica e ainda na balança comercial.

Isso resultou em grandes erros nas projeções do Banco Central. Não só de inflação, mas também nas projeções do PIB. No RTI de março de 2023, quando já se colhia a supersafra de grãos de 2022/23 (soja, sobretudo), o Copom revisou a previsão de alta do PIB de 2023 (de 1%, estimado em dezembro de 2022) para 1,2%. Agora está revendo de 2,0% para 2,9%. Mas o erro vem exatamente da subestimativa da supersafra agrícola: em março, o RTI previa aumento de 7% na agropecuária em 2023. Em junho aumentou para 10% e agora para 13%. Ou seja, uma revisão para cima de 85,75%!

O erro tão grande se espalhou na própria avaliação do PIB. O Banco Central não avaliou o impacto positivo da supersafra na queda dos alimentos (2,51 pontos percentuais abaixo do previsto) e seus impactos na balança comercial. O saldo da balança de 2023 começou a ser estimado em US$ 62 bilhões em março, foi reduzido a US$ 54 bilhões em junho, e elevado para US$ 68 bilhões agora em setembro, com previsão de US$ 71 bilhões em 2024. No mercado, as projeções estão mais próximas dos números estimados pelo BC para 2024.

No caso da balança comercial, um dos fatores de surpresa foi a forte redução das importações de combustíveis (efeito da política de preços da Petrobras).

Falta de autocrítica

Mas o Banco Central não sabe nem fazer autocrítica. Para justificar seus erros nas projeções do segmento de Serviços (70% do PIB), 1º diz que praticamente acertou nas previsões do desempenho da Indústria de Transformação em 2023 (-0,8% no RTI de junho e -0,9% no RTI de setembro), e justifica que a previsão do crescimento foi “revista de 1,6% para 2,1%, com melhora nas previsões para todas as atividades, com exceção de comércio, bastante influenciado pelo desempenho da indústria de transformação”.

Seria honesto dizer que “à exceção” dos setores da indústria de transformação e do segmento de serviços que incluí o comércio, ambos cujo fraco desempenho, se deve ao exagero das taxas de juros que inibe a produção e a venda de bens de consumo de alto valor, financiados a prestação. Os setores que cresceram (agropecuária e extração mineral) estão voltados à exportação, e ficam imunes ao garrote dos juros. E foi o governo e não o Banco Central que está acudindo a sociedade endividada com o Programa Desenrola.

Mas o próprio Banco Central, nas Notas Mensais sobre a Política Fiscal, que amanhã terá a divulgação dos dados de agosto, assinalou, em julho, que cada ponto de aumento na Taxa Selic acarreta, ao fim de 12 meses, um gasto extra de R$ 44,4 bilhões no giro da dívida pública. Como vimos, esse exagero teria sido de pelo menos dois a três pontos de juros reais (ou seja, pelo menos R$ 100 bilhões a R$ 133,2 bilhões).

No RTI de setembro, o Banco Central aborda a escalada dos juros reais (a Taxa Selic descontada a inflação), feita em cima de seus erros de previsão:

“Na comparação com o Relatório anterior, a taxa Selic acumulada quatro trimestres à frente, descontada das expectativas de inflação para o mesmo período, ambas extraídas da pesquisa Focus e medidas em termos de médias trimestrais, subiu na maior parte do horizonte considerado. Os valores refletem o aumento da trajetória da Selic nominal em geral mais do que compensando a elevação das expectativas de inflação. (…) depois de ter atingido vale de -1,3% a.a. no último trimestre de 2020, a taxa de juros real entrou em trajetória rapidamente ascendente, alcançando valor máximo de 7,8% no 4º trimestre de 2022. A projeção é de taxa de juros real de 7,7% e 7,8% nos dois primeiros trimestres de 2023, respectivamente, passando então a cair a partir do 3º trimestre, um trimestre depois do que ocorria no Relatório anterior. A taxa de juros real nessa métrica atinge 7,0% ao final de 2023, 5,6% ao final de 2024 e 4,8% ao final de 2025, acima ainda da taxa real neutra considerada, de 4,0%”. [Com a Selic em 12,25% e o IPCA acumulando 4,61% em 12 meses, o juro real está em 7,30%.]

Joelho no milho?

No encontro de ontem com o presidente Lula, cujo bastidor não foi revelado pelo presidente do Banco Central, nem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, qual um aluno relapso, Campos Neto deveria ter se ajoelhado no milho (prática dos tempos da juventude de seu avô, o ex-ministro do Planejamento, Roberto de Oliveira Campos), para pedir desculpas ao país e ao presidente por sua demora em baixar os juros.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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