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Disputa aos cargos no próximo domingo (1º) é bastante visada por religiosos, que usam o posto para promover “ações salvadoras”.
O destino de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social será decido no próximo domingo (1º), nas Eleições Unificadas dos Conselhos Tutelares. Mas ao contrário de 2019, quando houve uma grande disputa ideológica entre conservadores e progressistas pelos cargos, este ano a temática parece pouco falada, pelo menos entre os defensores dos direitos humanos.
Até o momento, nenhum grande veículo de imprensa falou sobre a escolha dos representantes populares a quem denúncias de descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são encaminhadas. A maioria das notícias são dos próprios portais municipais, com informações sobre o pleito.
“O processo de escolha dos conselheiros tutelares é muito impotante, porque são os órgãos que fazem a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes na prática, no território. O responsável por zelar pelas crianças e jovens frente a qualquer omissão do estado ou da família”, ressalta Camila Bahia, mobilizadora do Nossas, organização responsável pela campanha A Eleição do Ano.
Em vez de proteção, mais violência
Camila Bahia comenta que, enquanto as forças progressistas renegam as eleições do conselho tutelar, as igrejas evangélicas, especialmente as neopentecostais, ganham mais espaço nesta função que deveria acolher e proteger menores de 18 anos.
Além de engajar candidaturas em todo o Brasil, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, a maioria dos conselheiros é evangélico. Enquanto na capital paulista 53% dos conslheiros são ligados a igrejas neopentecostais, no Rio, o índice é ainda maior: 65%.
A religião, em si, não é o problema, mas sim a ocupação de um cargo para a prática de dominação ideológica, em que os representantes acreditam ter a missão de promover “ações salvadoras” com menores que estão em situação de vulnerabilidade, sem considerar se a “salvação” condiz, de fato, com o que está determinado no ECA.
Absurdos
Contar com conselheiros tutelares mais comprometidos com as próprias convicções do que com o que está garantido na lei pode ter consequências graves. Dois casos que ganharam visibilidade na mídia. Um deles foi o episódio em que os conselheiros vazaram para a então ministra da Mulher, Damares Alves, os dados de uma menina de 10 anos, que engravidou após ser vítima de estupro.
Com os dados da criança, Damares fez uma ampla campanha contra o procedimento de aborto, que além de ser garantido por lei, também colocaria a vida da menina em risco, caso a gravidez não fosse interrompida.
O conselho tutelar também foi envolvido no caso de uma menina afastada da mãe por intolerância religiosa. Na ocasião, em 2020, a avó católica denunciou a mãe por maus tratos, uma vez que a criança raspou o cabelo para cumprir com as tradições do candomblé. A mãe, no entanto, conseguiu recuperar a guarda da criança, pois ficou provado que a menor não sofreu qualquer tipo de violência ou negligência.
“Quando o conselho tutelar falta, o que a gente pode ter é uma repetição da violação ou violência sofrida pela criança ou pelo jovem. Casos de crianças e adolescentes LGBTQIA+ que são encaminhados pelo conselheiro tutelar, que é pastor, para sessões de ‘cura gay’, em vez de ter os seus direitos legitimados e acolhidos. O mesmo para praticantes de religião de matriz afriacana, podem ser vítimas de perseguição de conselhos tutelares conservadores”, continua a representante do Nossas.
Campanhas
Enquanto os candidatos começaram a se divulgar, especialmente nas redes sociais, algumas instituições progressistas investem em campanhas para dar mais visibilidade aos aspirantes a conselheiros comprometidos com o ECA.
O Nossas criou o site A eleição do ano, que conta com mais de dois mil progressistas candidatos ao Conselho Tutelar, a fim de estimular que a população participe mais do pleito.
“Em 2019 [ano da última disputa] tinha um calor de eleição e disputa política muito grande. Isso está mais apazinhado, uma vez que o bolsonarismo foi derrotado nas eleições presidenciais, e pode ter passado esta sensação de que a disputa foi vencida. Mas a verdade é que não. Nesses espaços menores de poder, a disputa continua muito grande no sentido das forças conservadoras e fundamentalsitas”, conclui Camila Bahia.
CAMILA BEZERRA ” JORNAL GGN” ( BRASIL)