Procuradora da Espanha demonstra má-vontade, mas o DRCI também não cobra. Por trás, pode estar o interesse de grande escritório de advocacia ligado à Odebrecht
O advogado Rodrigo Tacla Duran não prestou depoimento no Brasil ainda por conta dos obstáculos que têm sido colocado por uma procuradora da Espanha e também pela falta de empenho do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI), órgão que faz parte da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Como titular da 13a. Vara Federal de Curitiba, em abril o juiz Eduardo Appio entrou em contato com a procuradora Maria Tereza Galvez Diez, do Tribunal Nacional da Espanha, para que ela permitisse que Rodrigo Tacla Duran viajasse ao Brasil para prestar depoimento. A procuradora, no entanto, negou e intimou Tacla Duran para que informasse se tinha tirado passaporte brasileiro.
O advogado, que tem dupla nacionalidade, já tinha entregue o passaporte espanhol às autoridades daquele País. “Muda o governo, mudam os juízes. Não vou permitir que ele vá ao Brasil, sob o risco de fuga. E que ele não tente sair da Espanha por fronteira terrestre”, afirmou a procuradora ao juiz brasileiro, segundo este comentou com autoridades também empenhadas na vinda de Tacla Duran.
Num primeiro momento, a posição da Maria Tereza Galvez Diez poderia ser interpretada como a atitude de uma procuradora zelosa, preocupada com o processo a que Tacla Duran responde desde 2019 na Espanha por iniciativa de Sergio Moro.
O problema é que o processo que tramita lá deveria ter se encerrado no início do ano, quando o ministro Ricardo Lewandowski anulou as provas da Odebrecht usadas pelo Ministério Público Federal nos processos contra Tacla Duran. O ministro considerou essas provas “imprestáveis”, já que há indícios de que foram fraudadas.
A Maria Tereza não caberia decidir sobre os processos de Tacla Duran, já que, tendo a ação se iniciado em Curitiba, a jurisdição do caso é do Brasil. O processo aberto na Espanha pode revelar outra ilegalidade de Sergio Moro. Ele teria dividido o processo. Deixou uma parte sob sua autoridade e enviou outra para a Espanha, por fatos conexos.
Seria uma forma de punir Tacla Duran por ter obtido na Interpol uma decisão incomum: tornar sem efeito o mandado de prisão assinado por Moro, que foi considerado pela Interpol um juiz parcial – parcialidade, aliás, que foi decidida antes do STF no processo relativo a Lula.
A exemplo de Moro, a procuradora da Espanha teve sua isenção questionada, num escândalo de corrupção que envolve um vereador de Madri, Francisco Granados, num caso que é conhecido como Púnica. O chefe de Maria Tereza, Juan Antonio García Jabaloy, tinha deixado o Ministério Público e integrado a banca de advogados para defender o vereador.
“É necessário abordar o mais rapidamente possível uma regulação adequada das situações em que, sem quebra de continuidade, se pode passar do Poder Judiciário ou do Ministério Público para o exercício da advocacia e vice-versa”, afirmou o jornal El Español no editorial com o título “Caso Púnica: o perigo das portas giratórias”.
O antigo chefe de Maria Tereza também foi contratado por um dos maiores escritórios de advocacia do mundo, o DLA Piper, com sede nos Estados Unidos e que, em nome da Odebrecht, atuou em vários países da América Latina, especialmente no Peru e Colômbia.
Na Colômbia, a DLA Piper esteve no centro de um escândalo, em dezembro de 2019, quando o procurador-geral Néstor Humberto Martínez foi afastado por envolvimento em casos de corrupção relacionados à atuação da Odebrecht no país.
Néstor era uma espécie de Sergio Moro da Colômbia, devido à sua reputação de honestidade, mas com habilidade política. Foi ministro em mais de um governo — inclusive da Justiça —, de centro-esquerda e de direita.
Ao mesmo tempo em que servia ao governo, mantinha negócios com a multinacional DLA Piper, com o escritório, formalmente dirigido pelo filho, associado à banca norte-americana.
O depoimento de Tacla Duran no Brasil preocupa os delatores da Odebrecht, como anotou a jornalista Renata Agostini, na CNN.
“Enquanto advogados do grupo se debruçaram sobre a extensa decisão, ex-executivos da empresa trocavam mensagens e externavam medo sobre os possíveis efeitos”, afirmou a jornalista, em 6 de setembro.
“Ninguém sabe ao certo o que vai acontecer a partir de agora”, disse um ex-integrante da cúpula da companhia, segundo a jornalista.
“A avaliação é que o STF está ‘implodindo’ o acordo. Até então, as decisões do ministro Ricardo Lewandowski declaravam as provas da Odebrecht imprestáveis, mas circunscrevem esse entendimento a casos específicos”, acrescentou Renata Agostini.
Para os delatores, que apresentaram as provas consideradas imprestáveis tanto por Lewandowski quanto por Toffoli, o depoimento de Tacla Duran pode ser o explosivo que falta para fazer ruir os acordos da Odebrecht, não só no Brasil.
Tacla Duran, que trabalhava do Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht, tinha acesso ao sistema de comunicação da empresa, o Drousys, por onde transitavam as planilhas de valores pagos a título de propina no mundo inteiro.
Tacla Duran já mostrou uma dessas planilhas, a que envolve João Santana, e ela não batia com a que foi apresentada num processo pelo Ministério Público Federal.
Estaria a DLA Piper por trás da má vontade da procuradora espanhola? O secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, foi procurado sobre o caso, depois que o DRCI juntou um documento na ação que tramita no gabinete do ministro Dias Toffoli.
O documento não estava disponível e perguntei a ele se poderia dizer do que se tratava. Arruda Botelho disse que verificaria, mas não voltou mais a fazer contato e deixou de responder à minha mensagem.
A última delas foi esta:
“O senhor chegou a verificar se o ofício do DRCI diz respeito a providências determinadas pelo ministro Toffoli para Rodrigo Tacla Duran depor no Brasil? Perdoe-me, mas é que, como disse, pretendo escrever sobre isso, e a demora nesse trâmite.”
O deputado Rogério Correia (PT-MG), que conseguiu aprovar o requerimento para que Tacla Duran seja ouvido na Câmara dos Deputados, disse que a demora se deve à falta de ação na Espanha.
“O que o pessoal do DRCI fala é que já cumpriram tudo e que agora depende da Espanha. Mas a Espanha está com uma má vontade danada. Houve muita ingerência nisso. Moro faz ingerência direta lá. Com essa pressão, a má vontade na Espanha é muito grande. Segundo eles, o que precisava, no STF, já foi feito e enviado. É o que o DRCI fala.”
Se a Espanha não cumpre o acordo de cooperação, o dever do DRCI é cobrar.
Arruda Botelho é considerado um quadro importante do meio jurídico brasileiro e se destacou como comentarista da CNN. Com classe, inteligência e muito conhecimento jurídico, Arruda Botelho desmontava os argumentos do extremista de direita Caio Coppolla.
No caso Tacla Duran e Odebrecht, porém, há uma brecha para que Arruda Botelho possa ser criticado, já que, no passado, integrou uma banca de advocacia que, mais tarde, viria a se juntar com com um escritório que defende delatores da Odebrecht e que estão preocupados com a decisão de Toffoli.
No dia 15 de junho, quando Eduardo Appio já estava afastado e sem resultado efetivo para os pedidos formais que fez também ao secretário nacional de Justiça, Arruda Botelho, Toffoli determinou que o DRCI tomasse as providências para que Tacla Duran viesse ao Brasil, com segurança. Até agora, também não houve resultado efetivo.
Um dos delatores defendidos pela advogada Paula Sion de Souza Naves, que viria a se juntar ao escritório de Dora Cavalcanti – onde Arruda Botelho foi sócio –, é o ex-diretor da Odebrecht Luiz Eduardo da Rocha Soares, irmão de Paulo Sérgio da Rocha Soares, o especialista em informática que administrava o sistema de comunicação da Odebrecht conhecido como Drousys e também o de contabilidade, My Web Day.
Os sistemas foram hospedados em provedores da Suíça e também da Suécia, e foi Paulo Sérgio da Rocha Soares que baixou e entregou os arquivos apresentados pela Odebrecht como provas. Se são imprestáveis, Paulo Sérgio da Rocha Soares poderá ser responsabilizado.
Se Tacla Duran não fala a verdade sobre a fraude dos arquivos, como já disseram informalmente advogados dos irmãos Rocha Soares, a vinda dele ao Brasil será uma excelente oportunidade para fazer demonstração.
O que não pode é pressionar autoridades para que o ex-prestador de serviços da Odebrecht seja impedido de vir ao Brasil e, com liberdade e todas as garantias de testemunha protegida, preste depoimento, na Justiça, na Polícia Federal e também no Congresso Nacional.
JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASILO 247″ ( BRASIL)