OS JUROS E A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

CHARGE DE BRAILY

Hoje é a chamada quarta-feira gorda nos mercados financeiros globais. Após o Banco da China manter inalteradas as taxas de juros, visando estimular a recuperação de sua economia, o Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos reúne se Comitê de Open Market, para decidir, uma esperada parada nas taxas de juros em 5,25/5,50%. Os dados de um PIB mais forte podem deixar aberta a possibilidade de mais uma alta até o fim do ano. Tal qual um pai severo, o Fed e os bancos centrais em todo o mundo, mesmo na baixa, sempre deixam uma porta aberta, a ameaça de alta de juros, caso surjam riscos de a inflação fugir do controle.

Assim fez o Banco Central Europeu, semana passada ao subir os juros do Euro em 0,25 ponto percentual, em suposto fim de ciclo de alta. Apesar das ameaças recentes da escalada do barril de petróleo Brent no mercado futuro (que chegaram a US$ 95, mas já cederam hoje abaixo de US$ 93,86), em função das escaramuças provocadas pelo Azerbaijão no avanço sobre as reservas de petróleo em torno de Baku, nos enclaves de Nagorno-Karabakh, o Banco da Inglaterra, que se reúne amanhã, já tem boas notícias no refluxo da inflação, que pode levar a uma parada na escalada dos juros, que abriria espaço à retomada da economia.

No Brasil, os sinais do Comitê de Política Monetária são de que será mantida a previsão da ata da reunião de 2 de agosto de nova redução de 0,50 ponto percentual, para 12,75% ao ano, já precificada pelo mercado. Atenção estará voltada para o comunicado, em especial, a avaliação da atividade econômica, as suas projeções de IPCA e ao balanço de riscos que poderá incorporar o risco sobre o cumprimento das metas fiscais. Bradesco, Itaú, Genial Investimentos, Santander e LCA Consultores preveem baixa de 0,50 p.p.

A LCA descarta uma baixa maior, de 0,75 ponto percentual, pedida pelo comércio e a indústria e pelo ministro da Fazenda, Fernando, Haddad, por três motivos: 1º, não há uma “reancoragem bem mais sólida das expectativas de inflação”, que continuam 0,50 p.p. acima da meta para prazos mais longos, isto é, para 2025 em diante; 2º, não há sinais contundentes de abertura do hiato do produto. (…) o desempenho da economia no 2º trimestre foi bem mais positivo do que se antecipava, o que levou a uma rodada de clara elevação das projeções do mercado para o crescimento do PIB neste ano. Além disso, os dados relativos a julho do comércio varejista e dos serviços, assim como o IBC-Br, corroboram a percepção de resiliência da atividade econômica, compatível com a virtual estabilidade esperada para o PIB neste 3º trimestre do na; 3º, apesar da melhora na dinâmica da inflação de serviços, parece prematuro afirmar que esse movimento deverá se revelar progressivo. Quanto à inflação “cheia”, apesar da perspectiva de que o atacado vá registrar mais uma rodada de deflação dos preços agropecuários, os preços industriais no atacado (…) já caminham para registrar variações positivas.

Assim, a maior parte do impulso advindo do atacado que conduziu a taxas mais moderadas de aumento dos preços de alimentação no domicílio em breve deverá ficar para trás. O mesmo raciocínio vale para os preços no varejo dos demais bens comercializáveis (isto é, intensamente transacionados no mercado internacional). (…) Assim, seguimos projetando taxa Selic terminal de 11,75% e 9,25% a.a. em 2023 e 2024, respectivamente.

PIB, quem está certo: FGV ou BC

O Banco Central criou um indicador próprio antecedente do Produto Interno Bruto, que é oficialmente calculado pelo IBGE, o IBC-Br, que aumentou 0,44% em julho, segundo dados divulgados ontem (3ª feira).

Nesta 4ª feira, 20 de setembro, a Fundação Getúlio Vargas divulgou seu monitor do PIB referente a julho, com direção inversa: uma queda de 0,3%, com ajuste sazonal frente a junho. Na comparação com julgo de 2022 houve expansão de 1,8% e de 2,7% no trimestre móvel findo em julho. Segundo a FGV, houve queda “nas três grandes atividades econômicas (agropecuária, indústria e serviços) e, pela ótica da demanda, recuos no consumo das famílias (o 1º em cinco meses) e na formação bruta de capital fixo” (investimentos).

A FGV alerta que o garrote dos juros está desacelerando muito rápido a economia. O IBGE divulga o PIB do 3º trimestre em 5 de dezembro.

Ou seja, pela ótica do Comitê de Política Monetária, a economia está aquecida e é preciso cautela na baixa dos juros. Mas só saberemos quem estava com a razão, no começo do último mês do ano. Até lá estarão perdidos dois trimestres para a indústria e o comércio e as famílias e microempresários endividados.

Juros altos freiam transição energética

Em discurso na ONU, o presidente Lula criticou os países desenvolvidos, os maiores responsáveis pelo desmatamento em séculos passados de suas florestas e na poluição causada pelo desenvolvimento industrial à base do carvão mineral e posteriormente pelo petróleo e seus derivados. As nações em desenvolvimentos copiaram com atraso o modelo de desenvolvimento industrial. Os efeitos climáticos globais preocupam toda a humanidade, mas a maioria dos 8 bilhões de habitantes da Terra sofrem com as desigualdades.

Para que as carências sejam resolvidas por todos, junto a um enorme esforço da redução de gases de efeito estufa, é preciso um fluxo brutal de investimentos dos países ricos para que os países mais pobres reduzam suas desigualdades domésticas e perante as nações ricas e reciclem suas indústrias para a transição energética. Isso exige muito dinheiro e a juros compatíveis.

Tome-se o caso da industrialização do Brasil, no pós-guerra. A construção da Companhia Siderúrgica Nacional, marco da industrialização, foi negociada por Getúlio Vargas com o presidente Roosevelt, dos EUA, no contexto de adesão do Brasil aos aliados, contra as forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Uma grande base área americana foi construída no Nordeste, junto a Natal (RN), para facilitar voos no Atlântico Sul em vigilância a comboios marítimos pró Eixo e no apoio à campanha dos aliados na África, contra as forças de Von Rommel, que quase tomaram os campos de petróleo no Oriente Médio, enquanto Stalin garantia a derrota de Hitler sobre o petróleo e o gás da União Soviética.

Finda a Guerra, com a Europa destruída (incluindo os aliados vencedores, como o Reino Unido, a França, a Holanda e a Bélgica), com a cortina de ferro da URSS sobre o Leste europeu, cujos países foram excluídos da economia de mercado, faltavam parceiros comerciais aos Estados Unidos. O Plano Marshall, de 1948, veio para reconstruir a indústria europeia, incluindo Alemanha e Itália, que ganharam novas matrizes da indústria automobilística, com financiamentos a perder de vista do Banco Mundial.

JK aproveitou a troca das velhas matrizes das montadoras europeias para atraí-las para o Brasil e criar uma indústria de substituição de importação de bens de consumo. Assim vieram da Alemanha a VW, a Auto Union (Vemag) e a Mercedes-Benz (caminhões) e a Renault e a Simca da França. As montadoras GM, Ford e Chrysler decidiram esperar para ver e continuaram com linhas de montagem CKD. Vieram dos EUA a Willys Overland e a International Harvest (caminhões), enquanto a antiga Fábrica Nacional de Motores (em Duque de Caxias, RJ), que reparava motores na 2ª guerra fez uma parceria com a Ala Romeo italiana, para a produção de caminhões e automóveis. Nos anos 70 a Volks comprou a Vemag e a Ford a Willys. Por temor da instabilidade política no país, todas as montadoras estrangeiras atraídas por JK ganharam sócios nacionais, de grande influência nos meios empresariais e políticos.

O desafio dos veículos elétricos na Europa

O momento atual mostra que a transição energética mais avançada nos Estados Unidos, na Europa, na China, no Japão e na Coreia do Sul pode deixar o Brasil à margem das novas oportunidades da cadeia mundial de produção movida à fontes energéticas verdes. A economia verde.

Vejam, os dados da ACEA, a entidade automotiva europeia, sobre o número de veículos vendidos no continente em agosto. Houve um aumento surpreendente de 21% sobre julho, pois agosto é um mês de sazonalidade fraca. O que chamou a atenção foi o fato de que os veículos elétricos, pela 1ª vez, somaram 21% das vendas totais. A notícia mostra como estão acelerados, nas nações desenvolvidas, os impactos industriais da transição energética para o alcance das metas climáticas de redução das emissões de gás carbônicos até 2030. A União Europeia proibiu, a partir de 2035, a circulação de veículos a combustão.

Um dinossauro industrial

Em termos de Brasil, a notícia é preocupante para a Fundição Tupy, já que uma demanda maior por veículos elétricos no curto prazo indica a tendência de desaceleração na demanda de carros a combustão de maneira mais rápida que o esperado. Com fábricas em Joinville (SC), Mauá (SP) e Betim (MG), além de duas unidades no México e outra em Aveiro (Portugal), a Tupy, controlada pelo BNDES e o fundo de pensão Previ (BB), foi amealhando antigas fundições da Mercedes, Cofab, Fiat e MWM, tornando-se a maior fabricante global de blocos de motores a combustão. Entretanto pode virar um “dinossauro” na corrida da transição energética, pois ainda não tem escala na produção de veículos elétricos, que será o mercado do futuro.

Quem examinar a fundo o perfil industrial brasileiro verá que, desde o esforço do governo Geisel de fomentar uma indústria de substituição de importações após o 1º choque do petróleo, para poupar divisas antes gastos com a importação de alumínio, não ferrosos, petroquímicos, autopeças e bens de capital, para bancar a compra de petróleo e combustíveis, pouco se modernizou o parque. Sobretudo nos produtos voltados ao mercado interno.

Os chineses dizem que desafios são grandes possibilidades. Entretanto, sem juros acessíveis, os investimentos para a reciclagem industrial não sairão do papel.

GILBERTO DE MENEZES CÕRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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