O espetáculo de mil drones a desenhar no céu de Manhattan frases como “a Amazônia queima e o mundo pega fogo” acendeu uma luz amarela. O que se deseja com isto? Lula, sabemos todos, abrirá a Assembléia- Geral das Nações Unidas na próxima terça-feira . O tema da preservação das florestas – não apenas da Amazônia- estará certamente dentre os temas que Lula abordará. Não será surpresa para ninguém que o Presidente se refira a escassez das contribuições dos Estados- Membros da ONU para dar sustentabilidade aos programas relacionados com a preservação das florestas.
Se os mil drones que encantaram os visitantes de Nova Yorque, inclusive as centenas de chefes de Estado e de Governo que lá estão para manifestar seus pontos de vista sobre a conjuntura internacional, tiverem como objetivo recordar ao mundo em geral que a preservação da Amazônia só se fará com o concurso de todos em torno de um objetivo comum e que, para tanto, a contribuição financeira de cada um deveria ser proporcional ,no mínimo, à própria emissão de gases poluentes, desde logo congratulo-me com a iniciativa.
Temo, porém, que os efeitos de um espetáculo pirotécnico como este sobre as águas do East River possam ultrapassar os bem- intencionados objetivos de seus organizadores e simplificar o problema de forma caricatural ,jogando nos braços dos países amazônicos uma responsabilidade que não lhes cabe.
É particularmente danosa a – certamente involuntária- associação entre os incêndios que vimos mundo afora neste verão em que o “El niño” resolveu mostrar toda sua capacidade de criança autoritária, e a frase escrita pelos drones de que “ A Amazônia queima e o mundo se incendeia”. Convenhamos, aqui, a ONG ,responsável pela pirotecnia drônica, escorregou na maionese.
É inclusive um desserviço ao consumidor americano e canadense que tiveram incêndios em seus territórios imaginar que as emanações gasosas de seus super-SUVs alimentados a gasolina “premium” nada tem a ver com o aquecimento global.
Os problemas que estamos enfrentando neste quase primeiro quarto do século 21 são consequências de ideologias neoliberais e de um capitalismo arrogante e predatório. Depois de quarenta anos— desde o advento do casal Reagan-Thatcher- até a entrada em cena do bocarrotismo trumpiano ,em que se passou de uma defesa irracional da desregulamentação do Estado, até à volta a um protecionismo pré- Segunda-Guerra mundial, a tentativa de isolar culpados exclusivos pelas catástrofes climáticas, comerciais e financeiras é tão inútil quanto tentar ganhar a eleição no tapetão esfarrapado de uma dialética de vigarista consumado.
Na realidade, para usar o surrado símile de que, quando o navio afunda a Primeira-Classe também naufraga, pondero que até o naufrágio a turma da champanhota se achava super-iluminada e olhava para a turminha do sanduíche de mortadela com infinita arrogância.
Portanto, com todas as vênias aos drones e seus dromedários, me permitam registrar aqui, como se dizia nos meus tempos de ginásio, “brincadeira tem ó clock” e vamos reconhecer que se há alguma prioridade entre as prioridades, certamente a primeira delas é rever a patacoada que nos foi enfiada goela abaixo durante quarenta anos, dentre as quais, recordo com particular asco, a teoria de que” primeiro o bolo tem que crescer para que todos possam comer”, e que a concessão abusiva de patentes farmacêuticas é imprescindível para a pesquisa médica altruística dos laboratórios farmacêuticos.
Na terça-feira vou me sentar diante da televisão e assistir o discurso do Presidente . Tenho certeza de que ele saberá colocar os devidos pontos nos” ïis”. O Brasil, como dizia Noel Rosa, não quer humilhar ninguém. Só quer mostrar que faz samba também. Apesar de muita gente ter tentado atravessar o ritmo na cacofonia dos últimos tempos. Vade retro.
ADHEMAR BAHADIAN ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)
Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado.