O BRASIL GIRA MAIS DO QUE O MUNDO

CHARGE DE NANDO MOTTA

“O mundo gira e a Lusitana roda”, dizia o velho “slogan” da empresa de mudanças. O mundo continua girando e eis que um ano depois, na 78ª Assembleia Geral das Organizações das Nações Unidas, o Brasil, como é tradição desde 1955, volta a ser o protagonista da abertura dos trabalhos da governança mundial com o tema “Paz, Prosperidade, Progresso e Sustentabilidade”. Decididamente, na comparação com a última figuração do ex-presidente Jair Bolsonaro, quando em sua 2ª e última participação no púlpito da ONU, no dia 20 de setembro de 2022, aproveitou as menos de duas semanas para o 1º turno para fazer um discurso de campanha, transmitido para todo o país pela EBC e pelas redes sociais engajadas na sua reeleição, para atacar duramente o PT e o ex-presidente Lula, que volta nesta 3ª feira a ocupar, pela 8ª vez, a tribuna da ONU (em 2010, Lula deixou de ir a Nova Iorque, sendo substituído pelo chanceler Celso Amorim). Pode-se dizer que, neste ano de giro da Terra em torno do Sol, o Brasil avançou mais que o mundo.

Entre as 20 maiores nações do mundo, além do Reino Unido, que trocou a primeira-ministra conservadora Liz Truss, que sucedera a Boris Jonhson, o farsante defensor da ideia do Brexit (a saída da União Europeia, que afundou mais a economia britânica), por Rishi Sunak, como novo primeiro-ministro, só o Brasil mudou o timão. Os Estados Unidos continuam liderados por Joe Biden, a China, por Xi Jiping, o Japão, por Fumio Kishida, a Alemanha, pelo chanceler Olaf Scholz, a França, presidida por Emmanuel Macron, a Índia, pelo primeiro-ministro Narendra Modi, e a Rússia, que invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, segue comandada com mão de ferro por Vladimir Putin, enquanto Volodymyr Zelensky, defende como pode a Ucrânia, com forte ajuda da Otan.

Se voltarmos à roda da história, veremos que se Lula não tivesse derrotado jair Bolsonaro, apesar de todas as medidas extraordinárias de gastos eleitoreiros e de tentativas, da Polícia Rodoviária Federal, de barrar, no 2º turno, em 30 de outubro, os eleitores do Nordeste, em especial os da Bahia, 4º colégio eleitoral do país e onde Lula teve mais de 3 milhões de votos de vantagem no 1º turno, o país provavelmente estaria sendo governado por uma ditadura militar comandada por Jair Bolsonaro. Pelas atitudes tomadas em seus quatro anos de (des)governo, com o “autorizo” das urnas (neste caso elas não seriam “fraudadas” se a vitória fosse do ex-presidente), um regime radical, de ultradireita, seria implantado no país, com restrição à liberdade de opinião, perseguição a índios, pobres, negros e grupos LGBT+ e o mais completo despeito à preservação dos recursos naturais. Mas deu Lula e Bolsonaro, além de não reconhecer formalmente a derrota, tramou (antes de fugir da cena do crime, para Orlando – EUA), várias tentativas de golpe.

Como foi demonstrado na cronologia do julgamento esta semana, pelo Supremo Tribunal Federal, dos primeiros três réus do atentado contra o Estado de Direito Democrático, que culminou com a invasão e depredação das sedes dos três Poderes da República Federativa do Brasil, em 8 de janeiro, a saber, o prédio do Congresso Nacional (Poder Legislativo), o Palácio do Planalto (Poder Executivo) e a sede do STF (Poder Judiciário), tudo foi planejado, desde a eleição de Lula, em 30 de outubro, a partir de quando se formaram acampamentos de bolsonaristas diante dos quarteis das forças armadas, para se criar o caos em Brasília e suscitar a convocação das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem. O primeiro ensaio se deu na noite da diplomação de Lula e do vice, Geraldo Alkimin, em 12 de setembro, pelo Tribunal Superior Eleitoral. Em seguida vieram tentativas de explosão de um caminhão tanque de querosene de aviação no aeroporto de Brasília – o que causaria muitas mortes – e de torres de alta tensão nos linhões de transmissão de energia – que geraria apagão no país, forçando a GLO pela possível onda de saques instigada por agentes provocadores ligados ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e, finalmente, o frustrado golpe de 8 de janeiro.

As mudanças em 1 ano

Vou usar como roteiro de comparação o discurso eleitoreiro de Bolsonaro para mostrar como o Brasil melhorou (e não falo apenas do ambiente político menos tóxico). Apesar de ter sido até bem elaborado pelos padrões toscos de seus pronunciamentos de improviso (Lula comete gafes também, mas, com melhor domínio da oratória, seus discursos são bem mais elaborados), Bolsonaro errou muito nas cifras. Ao falar da Amazônia, disse que a região “abrigava mais de 20 milhões de brasileiros”; na verdade, são 30 milhões, uma omissão de 1/3. Numa gafe monumental (justificada pelo alvo que queria atingir, os eleitores com renda acima de dois salários-mínimos, beneficiados pela redução dos preços da gasolina (e dos outros combustíveis, da energia elétrica e das comunicações), com os cortes de impostos federais e estaduais) Jair Bolsonaro se jactou de “ter reduzido em 30% o preço da gasolina”; na verdade, segundo os dados do IBGE, apesar das fortes reduções em julho e agosto, a baixa nos preços da gasolina ficou 19,30% até agosto (até dezembro, caiu 25%). A gafe está no fato de que a medida incentivava o uso de combustíveis fósseis, condenado pelo Acordo de Clima da ONU, negligenciado por Bolsonaro.

Na ocasião, com as medidas de cortes de impostos em produtos e serviços críticos, a inflação acumulava 4,39% até agosto e 8,73% em 12 meses. Alimentação e Bebidas, item que mais pesa nas despesas das famílias com renda até 40 salários-mínimos, com 21,7%, subia 10,10%, acima do IPCA. Os gastos com alimentação estavam à frente dos gastos com Transportes (onde se inclui a gasolina e combustíveis, além de passagens de transporte público), que pesavam 21,4% e tiveram, com a baixa de impostos, queda de 0,91% no ano. Ou seja, o arranjo eleitoral para agradar uma fatia mais rica da população, não tinha qualquer preocupação social. Como diz uma canção dos “Titãs”, intitulada “Comida”, a “gente tem fome de quê?”. Gasolina ou carne?

Um ano depois, Lula, se quiser, falar para o seu público doméstico, pode dizer que está cumprindo a promessa de campanha de baratear a alimentação e facilitar o churrasco com cerveja no fim de semana. Aos que vierem me alertar, com razão, de que o responsável pela queda da inflação, que acumula alta de apenas 3,23% de janeiro a agosto e 4,60% nos últimos 12 meses encerrados em agosto, foi a supersafra de grãos plantada em 2022 e colhida no 1º trimestre, lembro que o próprio Bolsonaro subestimou os ganhos da colheita de grãos de 2022/23, que estimou em 270 milhões de toneladas. As últimas previsões do IBGE apontam para 313 milhões de toneladas (ou seja, 16% maior). E vale ressaltar que uma das razões do aumento é a alta prevista para a 2ª safra de milho (plantada no 2º trimestre e colhida agora no 3º trimestre, portanto, integralmente no governo Lula). Mas os dados da safra agrícola (com cuidados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de todas as fases de suas responsabilidades, em especial o abastecimento do mercado doméstico), os preços da alimentação acumularam queda de 0,31% de janeiro a agosto, puxando a inflação para baixo, e aliviando as despesas das classes de menor renda, para as quais a alimentação responde por mais de 25% dos gastos. A alimentação em domicílio teve queda de preços de 1,8%. As carnes bovinas caíram 9,35% de janeiro a agosto, e o litro do óleo de soja ficou 28,40% mais barato. E a cerveja acumulou alta de 3,92%. Ou seja, a redução de 14,07% no quilo da alcatra bancou a alta da cerveja. Vale lembrar que em setembro de 2020, em plena pandemia, o Brasil “celeiro do mundo”, teve de importar soja em grão para esmagar e produzir óleo, cujos preços, pela imprevidência do MAPA, comandada pela ministra Teresa Cristina, tinham subido 100%.

O Banco Central fora do tom
O front dos combustíveis e de todos os serviços, cujos preços foram derrubados eleitoralmente pelo ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, na tentativa de reeleger Bolsonaro, foi uma desculpa usada pelo Banco Central para manter puxado o freio de mão dos juros. Com a independência perante o Poder Executivo, autorizada pela Lei 179, do Congresso Nacional, em fevereiro de 2021, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sem trocar ideias com a equipe econômica do governo Lula, se preparou para uma inflação feroz a partir de 1º de janeiro, quando supunha que o governo reindexaria integralmente os impostos federais e estaduais reduzidos em julho do ano passado. E ainda calculou mal o impacto benéfico na inflação da superoferta de alimentos e no crescimento dos setores envolvidos com o agronegócio e as exportações, que escaparam imunes ao garrote dos juros altos e geraram emprego. Apesar do garrote do Banco Central, a taxa de desemprego caiu os 9,3% exibidos por Bolsonaro na ONU, para 7,9¨agora em julho. E o Produto Interno Bruto (PIB), que cresceu 2,9% turbinado por medidas temporárias e eleitoreiras de Bolsonaro em 2022, vai superar os 3% com Lula.

O Banco Central retardou a queda dos juros – só em 2 de agosto a taxa Selic, que é o piso do mercado fixado pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), foi reduzida de 13,75% ao ano (nível fixado em 3 de agosto de 2022, quando Paulo Guedes usou um atalho para tentar derrubar a inflação, que seria inútil pelos esforços do Banco Central), para 13,25%. Nesta terça e quarta-feira, o Copom se reúne novamente para nova redução, prevista em 0,50 ponto percentual, para 12,75%. É pouco para reestimular as vendas da indústria para o comércio e deste para os consumidores na última quadra do ano.

Já que os preços dos alimentos seguem em baixa, e a nova política de preços da Petrobras (em substituição à famigerada fórmula da paridade de preço internacional, que não tirava partido da autossuficiência do país em petróleo e gás), compensou a reposição parcial dos impostos sobre combustíveis, sem gerar a explosão de preços mal calculada pelo Banco Central, o recomendável é uma aceleração na baixa agora, para 0,75 p.p., para a Selic cair a 12,50% e provocar uma baixa mais sensível nos juros na ponta do setor produtivo e do consumidor. O presidente do Banco Central, Campos Neto, celebra o sucesso do PIX, que ampliou o alcance do mercado financeiro a milhões de brasileiros, via celular. Mas é preciso fazer justiça. A concepção do PIX foi feita e iniciada no governo Temer, na gestão de Ilan Goldfajn. O corpo técnico do Banco Central, já atuante na gestão anterior, é que merece os louros do sucesso.

No tocante à gestão do próprio Sistema Financeiro Nacional, Campos Neto está devendo. Os juros médios para as pessoas físicas estavam 37,2% ao ano em julho deste ano. Estão maiores que os 34,5% ao ano de agosto de 2022, mesmo com a inflação em declínio. Roberto Campos Neto deve explicações sobre isso à sociedade, que não se conforma com a velha prática dos juros bancários subirem rapidamente pelo elevador, mas descerem lentamente pela escada. Isso acontece porque falta determinação e vontade política ao Banco Central (cujas diretorias mais políticas são chefiadas por egressos do mercado financeiro que querem assegurar que a porta giratória do mercado os barrem após o fim da quarentena do expediente no BC).

Entre todas as modalidades de taxas de juros, a que apresentou queda mais sensível em um ano foi a do crédito consignado (com desconto em folha e baixo risco) aos aposentados do INSS. Caíram de 26,5% ao ano em agosto de 2022 para 24,8% em julho de 2023. E não foi por força da desaceleração da inflação ou da atuação do Banco Central. Deve-se à pressão do ministro da Previdência, Carlos Luppi, que peitou os banqueiros e forçou a queda.

GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)

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