Corregedoria Nacional deu passo importante para recuperar a credibilidade da Justiça Federal no Sul, mas falta muito, como devolver a Appio seu lugar de direito
O relatório parcial da correição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirma que a Lava Jato, em pelo menos dois casos, atendeu a critérios de autoridades estrangeiras para a definição de valores de multas e indenizações que deveriam ser pagos por empresas brasileiras.
“Um exemplo dessa sistemática empregada foi encontrado no estudo dos chamados acordos de valor global, firmados entre MPF e ODEBRECHT (autos nº 5020175-34.2017.4.04.7000/PR) e MPF e BRASKEM (autos nº 5022000- 13.2017.4.04.7000/PR). Em princípio, constatou-se que os valores apontados obedeceram a critérios de autoridades estrangeiras, o que soa como absurdo, teratológico”, diz o texto, divulgado nesta sexta-feira (abaixo, a íntegra).
Teratológico é sinônimo do que é absurdamente ilegal.
Os magistrados e técnicos que fizeram a correição consideraram caótica a gestão da Lava Jato dos recursos arrecadados juntos a empresas brasileiras investigadas. Investigadores encontraram irregularidades na destinação de 2,1 bilhões de reais durante gestão de Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba.
“O trabalho correcional encontrou uma gestão caótica no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público Federal e homologados pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba”, afirmam
Os responsáveis por essa “gestão caótica” responderão a procedimentos disciplinares que serão propostos pelo corregedor nacional, Luis Felipe Salomão, aos demais conselheiros de Justiça.
“O relatório final da Correição Extraordinária abordará, ainda, as análises processuais feitas pela equipe de servidores e magistrados nos Sistema eproc de processos do TRF4 relacionados aos procedimentos administrativos de relatoria da Corregedoria Nacional de Justiça, assim como as informações colhidas nas oitivas dos Desembargadores que integravam a 8ª Turma daquele Tribunal, aqui referenciados, assim como o exame dos procedimentos recursais, de modo a apurar corretamente a responsabilidade de todos os envolvidos. Serão propostos a abertura de procedimentos disciplinares contra os magistrados e servidores envolvidos”, diz o texto divulgado nesta sexta-feira.
Poderão ser processados disciplinarmente os juízes e servidores que passaram pela 13a. Vara e ainda continuam no Poder Judiciário. O relatório não cita nomes, mas passaram por lá os juízes Gabriela Hardt e Luiz Antônio Bonat, hoje desembargador no TRF-4.
Uma servidora da 13a. Vara que administrava os recursos é Flávia Cecília Maceno Blanco, que atualmente é assessora do gabinete da deputada Rosângela Moro. Outra servidora que administrava os recursos é Ivanice Grosskopf.
Por ser ex-juiz, Sergio Moro não poderá ser responsabilizado pelo CNJ, mas não está isento de implicação criminal, caso uma comissão a ser criada defina como criminosa sua conduta, o que parece ser o caso.
A criação da comissão é o último item do relatório de oito páginas divulgado.
“Estão em curso tratativas entre o Ministro Corregedor e o Ministro de Estado da Justiça, Flavio Dino, para criação de um Grupo de Trabalho para verificação mais ampla das condutas objeto desta correição e adoção de medidas de caráter preventivo das situações nocivas identificadas. Para compor o Grupo de Trabalho serão convidadas instituições públicas, tais como a Advocacia Geral da União, Controladoria Geral da União, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União, Polícia Federal e Receita Federal do Brasil”, diz o texto.
A Transparência Internacional é citada no relatório, por ter colaborado na redação da minuta de um acordo que fazia da Petrobras meio para atender a interesses particulares, como o dos próprios procuradores da força-tarefa, empenhados na criação da Fundação Lava Jato, de caráter privado.
A esse respeito, a ONG estrangeira aparece no item h das constatações dos corregedores.
“A força-tarefa da Lava Jato discutiu os termos e submeteu minuta do acordo de assunção de compromissos a avaliação de organismo internacional (Transparência Internacional)”, apontam os corregedores.
Segundo eles, as cláusulas do acordo “prestigiavam a PETROBRAS, a força-tarefa, em sua intenção de criar uma fundação privada, um grupo restrito de acionistas minoritários, delimitados por um dos critérios eleitos pelas partes”.
A correição diz que o acordo se deu “ao contrário da menção ao atendimento do ‘interesse público’ e da ‘sociedade brasileira’.
O relatório salienta “a homologação, pelo Juízo (13a. Vara), de acordo entre PETROBRAS e a força-tarefa, com a finalidade de destinar o valor de multas aplicadas em acordo firmado pela Companhia no exterior. Nessa homologação, pretendia-se a destinação de R$ 2,5 bilhões visando a constituição da chamada Fundação Lava Jato, pela própria força-tarefa, na cidade de Curitiba”, assinala.
Os fiscais do CNJ definiram, sem citar nomes, a ação dos magistrados, servidores e procuradores de “possível conluio”.
“Verificou-se a existência de um possível conluio envolvendo os diversos operadores do sistema de justiça, no sentido de destinar valores e recursos no Brasil, para permitir que a PETROBRAS pagasse acordos no exterior que retornariam para interesse exclusivo da força-tarefa”, anotaram.
Em bom Português, conluio significa a “combinação de dois ou mais para prejudicar outrem; conspiração, trama”.
O relatório não cita, mas é preciso destacar que a correição começou com uma representação encaminhada pelo advogado Pedro Serrano ao CNJ, em nome de Eduardo Appio, que havia sido afastado pela corte administrativa do TRF-4 sem direito à defesa, justamente depois que começou a verificar o destino dos recursos dos acordos de leniência celebrado pelos antecessores na 13a. Vara Federal.
Appio foi o primeiro a ser ouvido pelos corregedores, depois a juíza Gabriela Hardt; os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Marcelo Malucelli e Loraci Flores de Lima; os advogados Carlos da Silva Fontes Filho e Carlos Rafael Lima Macedo; Deltan Dallagnol; o diretor da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Alves Brandão; Elias José Pudelko; Fabiano Miyoshi Ezure; Flávia Cecilia Macedo Blanco; Gisele Becker; Nerli Schafaschek; e Ivanice Grosskopf.
Antes de ser afastado, Appio encontrou os acordos de leniência na 13a. Vara Federal, que estavam em grau máximo de sigilo, decretado por Sergio Moro. Tornou os processos públicos, como deve ser a regra.
O juiz que assumiu interinamente a 13a. Vara Federal por decisão do TRF-4, Fábio de Martino, recolocou esses processos que envolvem acordos de leniência sob sigilo.
O CNJ deu um passo importante, mas ainda falta muito para restabelecer a credibilidade na Justiça Federal no Sul do País.
A corregedoria ainda não decidiu se recoloca Appio no lugar que ele conquistou por critérios de seleção.
Enquanto isso, o TRF-4 avança no processo administrativo contra ele e afronta o STF, como fez na semana passada, quando anulou todas as decisões de Appio que corrigiam abusos nos processos da Lava Jato.
A anulação das decisões ocorreu algumas horas depois de Dias Toffoli ter definido como “imprestáveis” as provas apresentadas pelo Ministério Público Federal no processo da Odebrecht. E dito que, sob comando do grupo de Sergio Moro, houve “armação” e “o maior erro judicial da história”, a condenação de Lula.
O TRF-4 também vai afrontar a Corregedoria Nacional de Justiça?
JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)