Há quarenta anos eu senti que não se deveria falar da família Ramil sem louvar sua matriarca, Dona Dalva Ramil. Feito crocheteira, ela que a todos abriga sob seu vasto manto, como que bordado e estendido sobre sua casa, lá em Pelotas. Junto com o marido Kleber Ramil, Dona Dalva, hoje com 97 anos, propiciou que os Ramil crescessem num ambiente cultural que encaminhou várias de suas gerações para a criação.
Pois bem, a família de Dona Dalva está lançando o CD Casa Ramil – Ao Vivo (Biscoito Fino), que conta com arranjos vocais de Kleiton. Os instrumentais são coletivos e a cargo de Kleiton, Kledir, Vitor, Ian, Gutcha, Thiago e João Ramil.
“Casa Ramil” (Vitor Ramil): soa a campana tibetana (João), o cuatro venezuelano (Kledir) e a raviola (similar à viola caipira) de Vitor. Os Ramil dividem as boas-vindas. Logo cantam em uníssono, antes de abrirem vozes.
“Vira Virou”* (Kleiton Ramil): a intro soa sob aplausos. Logo os versos vêm com João Ramil e em vocal aberto para o septeto. Com a rabeca e o bombo leguero de Gutcha, o harmônio (instrumento indiano, com teclas e fole) de Ian e o baixo de Thiago, o couro come. Sente-se a plateia prender a respiração. Tocando violão de aço, Kleiton assume o solo, enquanto que, no cuatro venezuelano, Kledir se junta a ele para incitar o público, abrindo as vozes em terças. Kleiton retoma o solo. A volta do septeto é apoteótica! Meu Deus!
“Amora” (Thiago Ramil): o violão de aço de Vitor inicia. Thiago sola. O cuatro ponteia. Ian toca o harmônio, João, o bombo leguero, e Gutcha, a rabeca. Com voz personalíssima, Thiago segue. Ele e Gutcha cantam juntos os versos afetuosos – bela música!
“Tartaruga”** (Gutcha Ramil e Andressa Ferreira): as crianças Laura e Iker Ramil Cuellar (primos da terceira geração dos Ramil) vocalizam. Gutcha toca pandeiro e traz a melodia. Ian está no monotrom (instrumento que produz frequências eletrônicas). As palmas soam. O suingue vem bonito.
“Ramilonga” (Vitor Ramil): apoiado por seu violão de aço, Vitor inicia o canto. Logo toda a família se atira na cantoria. Graças a um desenho com três notas que se repetem, o som tem um não-sei-quê de mantra. Enquanto Gutcha toca o pandeirão, Thiago está no baixo e João na percussão. Os solos vêm e com eles a tradição flutua no ar porto-alegrense.
“O Bichinho” (Ian Ramil): Ian sola o belo acalanto para a sua pequena Nina, neta de Vitor. Tudo é suave. O carinho brota na alma de quem canta. A empatia vem como um minuano.
“Deixando o Pago”*** (Vitor Ramil e João da Cunha Vargas): fechando a tampa, o septeto tem a altivez de quem canta e toca para lembrar a Casa Ramil, o rincão onde as crianças de Dona Dalva brincaram e brincam de ser feliz. E o público, que ama toda a família, deixa fluir um arroio de querência. Capaz!
Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4
* Vira Virou
** Tartaruga
*** Deixando o Pago
AQUILES REIS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)
Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4