A Independência do Brasil em relação ao Reino de Portugal, Brasil e Algarves, em 7 de setembro de 1822, jamais teve qualquer participação das forças armadas. Quando o Imperador D. Pedro I (que viria a ser D. Pedro IV, Rei de Portugal e Algarves, ao retornar à pátria e suceder seu pai D. João VI) proclamou a separação de Portugal com o grito de “Independência ou Morte” às margens do riacho do Ipiranga, em São Paulo, o movimento da independência era uma questão da sociedade civil brasileira, debatida nos meios políticos e empresariais. A rigor, a Proclamação da República pelo marechal Deodoro, em 15 de novembro de 1889, é que ampliou o papel das forças armadas, que já fora visível na atuação do patrono do Exército, o Duque de Caxias, nas diversas repressões a movimentos civis separatistas sob o reinado de D. Pedro II. A Abolição da Escravidão apressou o fim do Império.
Depois da 2ª Guerra Mundial, com a participação direta da Força Expedicionária Brasileira na campanha da Itália, as paradas militares nas festas cívicas ganharam outra dimensão, com o desfile dos “ex-pracinhas”, celebrados como heróis nacionais. Quando criança, fui levado por meus pais a assistir a um ou dois desfiles na Avenida Presidente Vargas, em frente ao Ministério do Exército, junto à Central do Brasil. Havia um elemento extra a mover a família. O irmão mais velho do meu pai, meu tio Geraldo de Menezes Côrtes, era coronel do Exército e chefe da Polícia Federal, nomeado pelo ministro do Exército, marechal Henrique Lott. Creio que o último desfile que presenciei na grande avenida foi em 7 de setembro de 1955. No 11 de novembro, após a eleição de Juscelino Kubitschek, os coronéis, inconformados com a derrota para um político apoiado por Getúlio Vargas, aliados aos militares da Aeronáutica, agrupados em torno da liderança do brigadeiro Eduardo Gomes e da “República do Galeão”, quiseram impedir a posse de JK, com a tese de que não obtivera a “maioria absoluta”: JK, candidato da aliança PSD-PTB, teve 35,68% dos votos, o marechal Juarez Távora, da UDN, ficou com 30,27% e Ademar de Barros, do PSP, teve 25,77% dos votos válidos. Como meu tio era coronel da mesma turma dos revoltosos, chefiados pelo coronel Bizarria Mamede (da turma faziam parte os irmãos Geisel e Golbery do Couto e Silva, entre outros), Lott deu um golpe preventivo para assegurar a posse de JK (que logo no 1º mês de posse, em 11 de fevereiro de 1956) teve de enfrentar a revolta dos coronéis da Aeronáutica, em Jacareacanga (PA).
Com uma brilhante carreira militar interrompida (na 2ª Guerra, meu tio comandou a Vila Militar de Realengo, onde eram adestradas as tropas que iriam servir na FEB; depois fez cursos de aperfeiçoamento nos Estados Unidos e ser tornou especialista em trânsito – foi diretor de trânsito do DF por duas vezes, tendo criado a mão única na Avenida Central, entre a Presidente Vargas e o Obelisco, além do sistema de mão invertida na hora do rush, pela manhã e à tarde entre a Zona Sul e o Centro, antes da existência do Aterro do Flamengo e dos grandes túneis ligando as zonas Sul e Norte; e estimulou a criação da cátedra de Engenharia de Trânsito na então Universidade do Brasil, atual UFRJ, sendo por isso homenageado “post-mortem” com seu nome no Edifício Garagem da avenida Erasmo Braga), meu tio fora deslocado para servir em Aracaju (SE) após ser “caroneado” (não obteve a promoção a general de uma estrela) em fins de 1957.
Por isso, decidiu deixar o Exército entrar para a política. E o caminho natural foi pedir passagem para a reserva, com a patente de general 1 estrela. Concorreu a deputado federal pela UDN em 1958 e foi eleito em 3º lugar, atrás de Carlos Lacerda e de Chagas Freitas, herdeiro político de Ademar de Barros no Rio e fundador do jornal “O Dia”. Em 1962, foi reeleito em 5º lugar pela UDN, do DF, ficando atrás de Leonel Brizola (PTB), Amaral Neto (UDN, discípulo de Lacerda, que era governador da Guanabara), Chagas Freitas e Sérgio Magalhães (PTB). Meu tio era líder da UDN e morreu em novembro de 1962, ainda no exercício do 1º mandato, quando um jatinho Paris da FAB que levaria também outro político da UDN, Adauto Lúcio Cardoso, para Brasília, numa 3ª feira de tempo ruim. Na época, a malha aérea comercial para Brasília era incipiente e “políticos-Caxias”, como meu tio, que batiam ponto na retomada dos trabalhos na 3ª feira, tinham de se valer dos aviões da FAB. As turbinas dos jatinhos Paris congelavam com facilidade e foi a causa do acidente que o matou com os dois tripulantes numa tentativa de pouso em Nova Lima (MG). Tinha apenas 12 anos, mas lembro das confidências do tio Geraldo sobre a tentativa de golpe de Jânio Quadros (eleito pela UDN), com a carta de renúncia em 25 de agosto, que era uma tentativa de angariar o apoio das forças armadas para um golpe no Congresso com o aumento do seu poder absoluto.
Lula faz a volta à normalidade
Faço uso destas recordações para ilustrar algumas questões presentes que, a rigor, não são novidades. Sempre foi praxe na vida nacional a política ficar fora dos quarteis. Quem desejar fazer política, que se dispa da farda e vá para a reserva. O marechal Lott, quando concorreu com Jânio Quadros, em 1960, passou para a reserva, como antes passaram os marechais Eurico Gaspar Dutra (1945) e Juarez Távora (1955). O golpe militar de 1964, alterou o curso da história. A Constituição de 5 de outubro de 1988 repôs o país nos trilhos da normalidade do Estado Democrático de Direito.
Coube a Jair Bolsonaro, que já fora expulso do Exército por grave indisciplina, descrito pelo ex-presidente Geisel, um militar cioso da hierarquia e da disciplina, como “um mau militar”, tentar costear o alambrado do golpe incitando não só as forças armadas como se fossem instrumentos de ação política pessoal, como aparelhou a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal e mais ainda as polícias militares dos estados, além do “exército” de CACs, poderosa milícia armada, para tentar o golpe. Não foram poucas as vezes em que o ensaiou.
Todos os 7 de setembro foram usados por Jair Bolsonaro para incutir nos seus apoiadores radicais, alguns primários em política, a ideia de que poderiam fazer tudo, porque as forças militares, ou o “meu Exército”, garantiriam suas ações e afrontas à Constituição. Até mesmo em plena pandemia da Covid-19, no 7 de setembro de 2020, quando era previdente que todos ficassem em casa, pois o vírus estava solto e não havia vacinas à vista (só em dezembro daquele ano surgiram as primeiras vacinações no Reino Unido e nos Estados Unidos, enquanto aqui, as “vacilações” do governo negacionista retardaram a chagada das vacinas em um mês, graças à pressão do ex-governador de São Paulo, João Dória Jr), ainda assim Bolsonaro improvisou um tosco desfile na Praça dos Três Poderes, sem a presença de nenhuma das três armas.
Nos anos seguintes, fez escaladas como em 2021 em Brasília e na Avenida Paulista. Entretanto, o afluxo de público, mesmo com a farta mobilização de seus apoiadores, não foi o esperado. Ainda assim, afrontou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, a quem chamou de canalha. Três dias depois, com o chabu do golpe, pediu ajuda ao ex-presidente Michel Temer, que indicara Moraes ao STF, para escrever uma carta de desculpas. Desculpas que nunca pediu ao povo brasileiro pelas mais de 710 mil mortes pela Covid. No ano do Bicentenário da Independência, “sequestrou“ a data cívica para criar um cenário em seus palanques de campanha de que o Exército e as Forças Armadas o apoiavam. Perdeu a eleição, mas não reconheceu a derrota. Continuou tramando o golpe em 12 de dezembro – à imagem e semelhança da infame investida de Trump contra o Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, quando Joe Biden e a vice, Kamala Harris, seriam diplomados em cerimônia presidida pelo vice, Mike Pence – e insuflou pelas redes sociais revoltas contra a diplomação de Lula e Geraldo Alkimin, em 12 de dezembro, pelo Tribunal Superior Eleitoral, presidido por Moraes.
Posteriormente à escalada do 8 de janeiro, no 1º domingo após a posse de Lula, quando os radicais bolsonaristas depredaram as sedes dos três Poderes da República, sob a inação das forças de segurança do DF e das Forças Armadas (que deixavam os acampamentos em frente aos quarteis gestarem o ovo da serpente do golpe). Tudo isso, para azar de Bolsonaro, caiu nas mãos do próprio Alexandre de Moraes, que coordenava os inquéritos das “fake news” e das tramas do golpe. Com acesso aos celulares dos ajudantes de ordens e personagens chave no entorno de Jair Bolsonaro, Moraes e a PF estão levantando os fios das meadas de diversas tramas golpistas ou negocistas.
Quase todas deixaram muito mal o ex-presidente das fotos. A começar pela tentativa de amealhar um butim pessoal (para a hipótese de um golpe não dar certo), com a apropriação indébita, em proveito pessoal, da monetização dos presentes que recebeu, enquanto chefe de Estado, de nações estrangeiras. As revelações dos escandalosos episódios de tentativas de liberação – até 30 de dezembro de 2022, quando oficiais do gabinete do presidente usaram aviões da FAB para ir a São Paulo numa última cartada para liberar as milionárias joias destinadas à primeira-dama, mas que foram detidas pela Alfândega de Guarulhos em outubro de 2021, escamoteadas numa bagagem de mão de um auxiliar do ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, que passou incólume com presentes valiosos para o presidente – mostram a montagem de rapinagem ao Patrimônio da União no apagar das luzes do governo. Desmoralizante atitude de ditador de “república bananeira” realizada em parte. A descoberta da trama nos celulares do ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, implodiu a operação. Por exigência do Tribunal de Contas da União de devolução dos bens ao Patrimônio da Presidência da República Federativa do Brasil, houve intensa mobilização de auxiliares para recomprar bens já vendidos nos EUA e tentar apagar os crimes. Em vão.
Enquanto a moral de Jair Bolsonaro está exposta ao sol e à chuva, e se desgasta junto à ala legalista das Forças Armadas, que sempre foi o grosso das tropas e dos comandos, o presidente Lula, com a aprovação crescente pela economia, que caminha bem, e o ambiente menos tóxico, a ponto de não ter pressa para atender às pressões políticas do Centrão, que quer integrar um governo vitorioso, fez do desfile de 7 de setembro a celebração civil da Independência. Nele as Forças Armadas têm um papel importante, mas secundário, com o aperfeiçoamento tecnológico das tropas que devem assumir, cada vez mais, perfil de soldados profissionais. Mais importante são os avanços da cidadania na educação, na saúde, no controle do meio ambiente, na melhora da qualidade de vida, com oferta de alimentos acessíveis, o avanço do saneamento e a retomada de programas habitacionais. A melhor distribuição de renda, a redução da desigualdade, da fome e da insegurança alimentar são conquistas a serem perseguidas.
Pedir Paz é nobre ou Nobel?
Lula está levando esta cruzada da redução da desigualdade e da melhoria da qualidade de vida, que são ideais de um ambiente de paz e fraternidade, aos fóruns mundiais de que tem participado. Algumas pregações, vistas inicialmente como ridículas por aqui, como a redução do papel do dólar no comércio e transações financeiras mundiais, estão sendo examinadas com seriedade pelos maiores bancos e empresas americanas. Na 6ª feira, publiquei aqui na coluna “O Outro Lado da Moeda” um resumo de estudo do JP Morgan, o maior banco dos Estados Unidos, que examina as ameaças de desdolarização da economia mundial. Vale lembrar que desde a criação do euro, em 1992, essa tendência acelerou e, hoje, o dólar só representa 58% das transações que antes quase monopolizava.
Como se vê, as pregações de Lula pela Paz podem ser utópicas, mas são necessárias e não devem cair no vazio. Embora sem acusar a Rússia, o comunicado do G-20 na Índia faz uma defesa da cessação das hostilidades, etapa inicial da Paz. Ao fim do ano, Lula passa a presidir o G-20 e vai reforçar a pregação pela Paz, a redução da fome e da desigualdade. Não será surpresa se vir a ser indicado para o Nobel da Paz.
Despoluir o mundo custa caro
Os membros do G-20, o clube das 20 maiores economias do mundo, reunidos na Índia, em Nova Delhi, chegaram à conclusão de que é necessário aumentar os investimentos em sustentabilidade para a faixa de trilhões de dólares para atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris. Em comunicado divulgado ontem durante a conferência do grupo, os países defenderam um fluxo financeiro de cerca de US$ 5,8 trilhões para as nações em desenvolvimento, até 2030, para o alcance das metas ambientais, além de investimentos de US$ 4 trilhões por ano para tecnologias de energia limpa, de modo a zerar as emissões de gás carbônico até 2050. As metas assumidas em 2010 pelos países desenvolvidos foram reafirmadas.
Está ficando claro, pelo avanço acelerado dos desastres climáticos nas mais cariadas regiões do planeta, que é preciso reforçar as ações. Despoluir os estragos que a humanidade tem feito à busca do lucro, com o desenvolvimento desenfreado e sem cuidado, custa muito caro. Até porque o modelo poluidor foi copiado em condições precárias pelos países pobres. O objetivo era mobilizar conjuntamente US$ 100 bilhões em financiamento climático por ano até 2020, e anualmente até 2025, para permitir aos países em desenvolvimento efetuar medidas de mitigação significativas e dar transparência na implementação. A boa notícia é que os países ricos contribuintes esperam que “o objetivo seja alcançado pela 1ª vez em 2023″, apontou o comunicado.
Os membros reiteraram a importância de uma combinação de políticas que consista em mecanismos fiscais, de mercado e regulatórios, incluindo o uso de medidas de precificação e não precificação de carbono. “Reconhecemos as necessidades, vulnerabilidades, prioridades e diferentes circunstâncias nacionais dos países em desenvolvimento”, escreveram, ratificando que as nações em desenvolvimento precisam ser apoiadas nas suas transições para baixas emissões de carbono. Ou seja, os ricos que mais poluíram também vão ter de ajudar os países mais pobres a superar as dificuldades do uso do mesmo modelo de desenvolvimento com baixa tecnologia.
Produção industrial recuou 0,6% em julho
A produção industrial brasileira recuou 0,6% em julho (-1,1% na variação anual), desempenho abaixo da previsão da mediana das expectativas de mercado (-0,3% frente a junho e -0,5% na comparação anual). O setor de manufatura contraiu 0,4%, enquanto o segmento extrativo caiu 1,4% na margem. Entre os segmentos, 36% apresentaram crescimento na comparação mensal (contra 24,0% no mês anterior). Ao analisar o resultado, o Departamento de Pesquisas e Estudos Macroeconômicos do Itaú estima que o PIB do 3º trimestre teve queda de -0,25% na variação trimestral (e alta de +1,8% ante o mesmo período do ano passado).
O Itaú observa que a produção industrial começou o trimestre mais fraca do que esperava, com queda generalizada – houve recuos no setor de manufatura e na indústria extrativa de petróleo, gás e mineração) -, ressaltando a tendência de fraqueza no setor registrada, em geral, desde o ano passado. Para os próximos meses, o banco segue esperando estabilidade para a indústria, diante dos efeitos defasados da política monetária contracionista e do alto nível de estoques em alguns setores, que continuam a limitar a produção. Os dados de julho do setor de serviços serão divulgados na 5ª feira pelo IBGE, que fecha a semana, revelando 6ª feira os dados do volume de vendas do varejo de julho, que confirmarão a desaceleração da economia na larga do 3º trimestre.
Inflação sobe sem assustar
Na 3ª feira, o IBGE deve anunciar o IPCA de agosto. As previsões do mercado financeiro estão em torno de 0,28% a 0,30%. A LCA Consultores prevê alta de 0,29%. Vale notar que em agosto do ano passado, em função das medidas eleitoreiras tomadas em junho para tentar reeleger Jair Bolsonaro, com farta distribuição de recursos aos eleitores e cortes de impostos federais e estaduais nos preços críticos (combustíveis, energia elétrica e comunicações), houve deflação de 0,68% em junho, de 0,36% em agosto e de 0,29% em setembro. Com a taxa esperada de 0,29% pela LCA, a inflação em 12 meses, que havia descido ao mínimo de 3,16% em junho e subiu a 3,99% em julho, chegaria a 4,97% em agosto.
Na 6ª feira, o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas indicou que os efeitos da baixa dos alimentos no atacado já estão passando. O índice registrou pequena alta de 0,05%, abaixo dos 0,13% previstos pela mediana das expectativas de mercado (o Itaú chegou a prever alta de 0,25%). Assim, o acumulado em 12 meses passou de -7,5% para -6,9% em agosto. Na decomposição do IGP-DI, o índice de preços por atacado (IPA industrial) subiu 0,3%, após deflação de 0,5% em julho, devido aos reajustes de combustíveis na refinaria pela Petrobras, com alta de 13,3% no diesel e 8,4% na gasolina. Em 12 meses o IPA industrial acumula queda de – 8,3% (ante -9,7% em julho). Já o IPA agrícola passou de -0,9% em julho para -0,6% em agosto, com influência da soja (+3,9%) compensada por deflação em diversos produtos, como carnes e leite. Em 12 meses o IPA agrícola acumula queda de -17,1% (ante -16,0% em julho).
Em outras palavras: não houve nenhum grave descontrole da inflação como temia, exageradamente, o Comitê de Política Monetária do Banco Central, que manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano até 2 de agosto esperando um cataclisma. Calculou mal o impacto baixista da supersafra de grãos no custo da alimentação e seus reflexos na economia como um todo. Ao manter o freio de mão puxado além do necessário, o Banco Central só endividou mais as famílias e as empresas, sobretudo os micros e pequenos empresários, que acabam de ganhar um Ministério. Se há ministério da Pesca, que foi mantido por Bolsonaro, por que não um dedicado aos pequenos empreendedores?