NOS 50 ANOS DO GOLPE, O CHILE PROCURA MORTOS E CELEBRA NERUDA

CHARGE DE CHICO CARUSO

O enterro de Pablo Neruda foi a primeira grande manifestação pública contra o regime de Pinochet. Em 23 de setembro de 1973, uma multidão foi às ruas cantando e chorando acompanhar o cortejo que levava o corpo do poeta. O toque de recolher já estava em vigor. A esta altura, o Estádio Nacional de Santiago estava lotado de presos, que lá foram torturados e fuzilados. Doze dias antes, os militares deram o golpe, implantando uma ditadura brutal que iria durar 17 anos.

O general Augusto Pinochet não fez uma confissão de suas ações criminosas. Mutilou, matou e desapareceu com milhares de pessoas, mas deixou vivas testemunhas. Um filme em preparação sobre sua vida deverá ser intitulado Os ossos do assassino dos Andes, numa alusão ao livro da laureada escritora polonesa Olga Tokarczuk, “Sobre os Ossos dos Mortos,” uma macabra reflexão sobre a loucura, a condição humana e os direitos dos animais.

Os crimes de Pinochet estão sendo desvendados aos poucos. Agora, às vésperas da comemoração dos 50 anos do golpe, em 11 de setembro, numa cerimônia emocionante na Plaza de Constituición, o presidente Gabriel Boric assinou um decreto instituindo uma política permanente e sistemática do Estado para a identificação de 1.092 pessoas. Quer localizar vestígios, chegar aos ossos dos que foram eliminados.

O ato foi realizado em frente ao La Moneda, onde Allende, atacado pela aviação golpista, se matou. Com a presença de familiares de presos, desaparecidos e executados publicamente durante a ditadura, Boric apresentou o Plano de Busca da Verdade e Justiça. É o projeto mais importante do Governo para a comemoração dos 50 anos, elaborado com meses de antecedência. Calcula-se que durante a ditadura 80 mil pessoas foram presas e 30 mil torturadas pelo regime.

As autoridades querem conhecer as circunstâncias e o trânsito por onde passaram as pessoas detidas, desaparecidas e executadas. Rastrear e comparar os dados com as centenas de investigações judiciais ainda abertas no país pelos tribunais chilenos. Pelo menos 3.200 pessoas foram assassinadas ou desapareceram. Segundo a informação do Ministério da Justiça, o objetivo das pesquisas é saber o destino final “dos compatriotas vítimas de desaparecimento forçado”, de acordo com as obrigações do Estado chileno e dos padrões internacionais.

Poeta de raízes populares, cidadão e comunista, Pablo Neruda convertem-se num dos mais significativos e caros ícones da democracia chilena, liderada então, em 1973, pelo social democrata Salvador Allende, com suas propostas de reformas políticas e criação de um estado de bem estar social. Foi sabotado interna e externamente, numa ação coordenada pela CIA, agência do governo norte americano, sob a orientação do Conselheiro de Segurança Nacional, Henry Kissinger.

No inicio dos anos 1970, a eleição de Salvador Allende à presidência e o Nobel de Literatura concedido a Neruda, deram a essa geração dos anos 60 o sentimento de que o sonho de uma revolução social, rumo a uma sociedade socialista, enfim se tornaria realidade. O destino do poeta ficou intimamente ligado à história de seu país.

Golpeada de forma sangrenta a tentativa reformista, os jovens partiram para o confronto armado, formando organizações revolucionárias que se lançaram em insurreições guerrilheiras, contaminando grande parte da juventude dos países latino-americanos. As ditaduras que se instalaram suprimiram a liberdade e os direitos, espalhando pelo Continente junto com o terror a praga da tortura e a eliminação política dos oponentes.

No meio deste turbilhão, a morte de Neruda ganhou uma dimensão emblemática, tornando-o uma figura de projeção internacional, comparável a outros grandes lideres políticos que lutaram contra as ditaduras no Continente. Seu enterro se converteu na primeira manifestação popular de protesto contra a ditadura de Pinochet. Foi registrado pela câmera do fotógrafo brasileiro Evandro Teixeira, enviado pelo Jornal do Brasil.

Em 1992, os restos mortais do poeta foram trasladados para o jardim de sua casa em Isla Negra, de frente para o oceano Pacífico. Foram então finalmente realizados os funerais dele e de sua viúva Matilde Urrutia, com as honras oficiais que a ditadura lhes negara.

Em meio aos preparativos para o meio século do golpe, saiu a decisão final no caso judicial da morte do cantor e compositor Víctor Jara. A Suprema Corte ratificou as condenações por sequestro e homicídio qualificado, contra sete ex-militares. A justiça demorou meio século para dar uma resposta. Em menos de 24 horas, um dos condenados, o brigadeiro aposentado do Exército Hermán Chacon Soto, 86 anos, cometeu suicídio.

Uma caravana composta por cerca de 100 brasileiros, que se exilaram no Chile, fugindo da repressão no Brasil, regressará a Santiago, muitos deles retornando pela primeira vez ao país. Os exilados brasileiros formaram uma comunidade importante, estimada entre 2.500 a 4.000 refugiados. “Quando veio o golpe, nós vivemos o diabo”, conta o sociólogo Ricardo Azevedo (ex-militante da AP – Ação Popular).

O que no início seria uma viagem entre amigos acabou se transformando em uma agenda política, destinada a marcar a presença e a história dos brasileiros exilados no Chile, enfrentando sua segunda ditadura. A viagem prevê a inauguração de duas placas: uma na embaixada do Brasil no Chile e outra na Praça Brasil, em Santiago, homenageando os seis brasileiros assassinados pela ditadura de Pinochet.

“Não esqueceremos”, diz o texto, e na sequência os nomes de Luiz Carlos de Almeida, Wânio José de Matos, Túlio Quintiliano Cardoso, Jane Vanini e Nelson de Souza Khol. Ficará registrado numa placa na embaixada brasileira que, em 1973, muitos foram presos e torturados pela repressão militar chilena, com a participação de agentes brasileiros, para lá para enviados para ensinar métodos e torturar.

ÁLVARO CALDAS ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)


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