UMA PEQUENA TRIPEIRA NOTÁVEL

São denominados tripeiros, frequentemente com conotação, injustamente, pejorativa, os portugueses nascidos na região do Porto – milenar metrópole do Norte que deu nome ao próprio País. Já os naturais de Lisboa, desde o século XIX, são os alfacinhas, igual e, injustamente, pejorativo, chamados, pela primeira vez, pelo poeta tripeiro Almeida Garret (1799 – 1854), na obra “Viagens na Minha Terra”, publicada em 1846, na qual enfatiza o excessivo apego dos lisboetas às hortaliças – a ponto de cultivá-las nas sacadas de suas casas.

Tripeiro é uma designação cunhada no começo do século XVI quando o legendário Mestre de Avis, Dom João I (1357 – 1433), O Rei de Boa Memória, enviou ao Porto o seu filho, o Infante Dom Henrique (1394 – 1460), O Navegador, ali nascido, com o intuito de angariar fundos e mantimentos para a campanha da conquista da marroquina Ceuta, ocorrida em 1415 – dando início ao fabuloso ciclo lusitano das Grandes Descobertas da Idade Moderna (1453 – 1789).

Dom Henrique foi prontamente atendido pelos conterrâneos. Todas as carnes dos animais passaram a ser entregues ao “esforço de guerra” da Casa de Avis e coube aos locais se alimentarem, por anos, das tripas que sobravam. Surgiu, assim, a deliciosa Tripa à Moda do Porto, com as vísceras, acrescentando o feijão branco e os tradicionais enchidos. Uma “Pequena Notável” tripeira, Carmen Miranda (1909 – 1955), que veio ao mundo na localidade de Marco de Canaveses, no Distrito do Porto, e foi trazida, aos 10 meses de idade, pelos pais ao Rio de Janeiro, se tornaria o maior símbolo em todo o planeta da musicalidade brasileira – com voz afetadíssima, trejeitos arrebatadores e um look tropicalista carregado nos balangandãs.

A extraordinária artista morreria, precocemente, aos 46 anos, em Beverly Hills, celebrado bairro de Los Angeles, em 5 de agosto de 1955 – após brilhar nos palcos da Broadway, em Nova York, e nas produções cinematográficas californianas de Hollywood. A chegada de seu corpo ao Rio de Janeiro foi um acontecimento que marcou profundamente todo o Brasil.

Eu tinha apenas seis anos e lembro-me de ter visto, na baiana Salvador, onde vivia, pessoas humildes chorando – como se tivessem perdido um parente. Exatamente como ocorrera um ano antes, em 24 de agosto de 1954, depois do dramático anúncio, feito através da Rádio Nacional, do suicídio, aos 72 anos, do Presidente da República, Getúlio Vargas, nas dependências do Palácio do Catete. A comoção pela morte repentina da genial tripeira, causada por um infarto fulminante, levaria à criação, já em 1956, do Museu Carmen Miranda, na Praia do Flamengo, na capital carioca.

Mas só seria aberto ao público, oficialmente, 20 anos mais tarde, em cinco de agosto de 1976 – funcionando até 2013, quando foi fechado para uma ampla reformulação. Foi reaberto em quatro de agosto último, no mesmo endereço, com o invejável espólio da irrequieta “Pequena Notável”. São 3.348 itens, dentre os quais, 1.391 fotografias, 461 peças de roupa, como a saia da estreia na Broadway, 220 bijuterias, 11 trajes completos de shows e filmes, e ainda oito cintos, cinco bolsas, 27 pares de sapatos e 38 turbantes – inclusive o que usou no dia do casamento. Um conjunto que resiste às quase sete décadas transcorridas.  

Deixo aqui uma recomendação aos que visitam o Rio de Janeiro – e também aos moradores da metrópole, que nunca contemplaram o acervo da querida tripeira. Vale a pena colocar o Museu Carmen Miranda em seus roteiros. É um reencontro com um fantástico universo mágico que dominou os derradeiros anos da Cidade Maravilhosa antes de passar o cetro de Capital Federal para a candanga Brasília. 

ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL/ PORTUGAL)              

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