A história brasileira já ensinou que agosto “era um mês de desgosto”. Desde que nasci (1950), foram sucessivos motivos de desgosto. O 1º foi o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. Com a “Carta Testamento”, Gegê, que estava acuado pelos inquéritos da “República do Galeão”, deu a volta por cima e foi chorado por quase toda a população. De quebra, derrotou pela 3ª vez, “post mortem”, o candidato ungido pelo brigadeiro Eduardo Gomes, patrono da Aeronáutica e instigador da ações radicais da força: a 1ª foi em 1954, quando, já deposto, indicou seu ex-ministro da Guerra, marechal Eurico Gaspar Dutra, para disputar a 1ª eleição livre desde 1930, quando Vargas tomou o poder, e venceu Gomes de lavada; a 2ª foi em 1950, quando o próprio Getúlio se lançou de última hora e a marchinha “bota o retrato do velho outra vez” embalou sua vitória folgada contra o brigadeiro; a 3ª foi na vitória de Juscelino Kubitschek, governador de Minas Gerais pelo PSD, que ficou com Getúlio até o fim, e herdou votos de seus eleitores. Mesmo assim, JK, um conciliador, enfrentou duas revoltas de inconformados oficiais da Aeronáutica.
A 1ª guarda semelhança com o 8 de janeiro (em pequena escala), pois eclodiu em Jacareacanga, uma base da força área no interior do Pará, próxima a Santarém, Itaituba, Belterra e Aragarças, em 11 de fevereiro de 1956. Desde 1950 e até 1964, a posse dos presidentes e governadores eleitos ocorria a 31 de janeiro (nasci nesta data), o que era racional, pois os deputados e senadores eleitos tomavam posse em 1º de fevereiro (como ocorre até hoje). Os radicais da Aeronáutica, que ameaçavam bombardear cidades e alvos militares, foram dominados, mas não sossegaram. Em dezembro de 1959, inconformados com a renúncia do candidato Jânio Quadros, que apoiavam, o major Haroldo Veloso e o capitão José Chaves Lameirão, que estavam à frente da revolta de Jacareacanga, se rebelaram em Aragarças (PA) e foram dominados após alguns dias, fugindo para a Bolívia. Na época, o Pará não tinha sofrido a devastação de suas florestas, iniciada pela construção da Belém-Brasília, ainda em obras. As ligações com o Brasil eram feitas por avião (e o Correio Aéreo Nacional, da FAB, era um importante fator de integração nacional (os meios de comunicação eram o telégrafo e o rádio. A televisão, surgida no começo dos anos 50, com a Tupi, só veio a ter relevância nos anos 60 em diante. Hoje, as notícias correm na palma da mão, no celular (felizmente, apesar de quase dar certo em 8 de janeiro, a difusão de mensagens “online” na ocasião, ao mesmo tempo em que mobilizou radicais, facilitou a reação tardia das forças de segurança do governo Lula).
Pois o último grande desgosto foi a renúncia de Jânio Quadros, em 15 de agosto de 1961, menos de sete meses após sua posse. A renúncia era um pretexto para dar um golpe militar no Dia do Soldado. O vice, João Goulart, eleito pelo PTB (o voto não era vinculado às chapas), desagradava às forças armadas. Jânio, ensaiou a 1ª renúncia justamente para ter mais liberdade de escolher seu vice (cogitando de um golpe, sempre quis ter Jango como vice, para chantagear as forças armadas e receber seu apoio para governar com mão de ferro. Jânio se deu mal, ao invocar as forças ocultas, para contar com as armadas, pois o presidente do Senado e do Congresso, Aureo de Moura Andrade leu a carta de renúncia (ato unilateral), declarou caga a presidência da República e empossou no cargo o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, enquanto um atônito Jânio Quadros aguardava, em vão, na base aérea da Aeronáutica, em Cumbica (AP), que deu origem ao hoje movimentadíssimo aeroporto de Guarulhos, o apoio dos militares a seu golpe, frustrado.
O rastreamento e decodificação dos celulares do ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, seus imediatos, do pai, general Lourena Cid, que Bolsonaro nomeara para uma sinecura na filial de Miami da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), posto no qual, nas horas de folga (?), fazia leilão das joias recebidas pela família Bolsonaro, e mais os quatro aparelhos do advogado “oficial” Frederick Wassef, os celulares do ex-presidente, da ex-primeira-dama e do ex-secretário de Comunicação e advogado Fábio Wajngarten, estão permitindo à Polícia Federal fechar algumas das peças do quebra-cabeças das tramas para o golpe desde que Bolsonaro perdeu a eleição para Lula em 30 de outubro, apesar das tentativas da Polícia Rodoviária Federal em dificultar a chegada dos eleitores de Lula à urnas do Nordeste.
O golpe foi ensaiado na arruaça da noite de 12 de dezembro, quando Lula e o vice Geraldo Alkimin foram diplomados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Investigações posteriores encontraram na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres – o mesmo que, já nomeado secretário de Segurança do Distrito Federal, antecipou férias e voou na noite de 6 de janeiro de Brasília para Orlando (EUA), onde estava Bolsonaro desde 30 de dezembro – uma minuta de intervenção militar no TSE para anular as eleições. Faziam parte do cenário de terror, atentados abortados, como a explosão de um caminhão tanque de querosene de aviação no Aeroporto de Brasília no fim de semana seguinte, e derrubadas de várias torres de transmissão de linhões de energia de alta tensão, para deixar o país às escuras. O objetivo secreto (preparado em grande escala para o 8 de janeiro) sempre foi o de promover uma situação de descontrole da ordem pública que gerasse a convocação, via o artifício da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), das Forças Armadas, para gerir a situação. Lula não mordeu a isca (virtualmente perderia o poder) e, com a ajuda do ministro Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública, a PF avançou firme nas investigações, que já indiciaram 1.300 pessoas, entre civis e militares.
Agosto amargo para Bolsonaro
A grande oitiva simultânea, pela PF, de oito implicados, na 5ª feira, 31 de agosto, visava buscar as contradições entre os acusados. O clã Bolsonaro, para não se incriminar e por arguir que o foro do inquérito conduzido pelo ministro Alexandre de Moares, do STF (na verdade investigações iniciadas por toda a preparação do golpe antes, durante e após as eleições), devia ser a justiça de 1ª Instância (comum), pois Bolsonaro já não é mais presidente desde 1º de janeiro de 2023, tenta pegar uma carona no parecer canhestro da vice-procuradora geral da República, Lindôra Araújo (a mesma que trancou várias ações contra o presidente da República na pandemia da Covid-19), em sua última ação, antes de pedir licença médica da PGR. Na verdade, o casal 00 e Michelle tenta repetir a estratégia do filho 01, o atual senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) que, usando o peso da eleição do pai a presidente, conseguiu anular todas as provas levantadas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro pela prática de peculato, o saque de parte dos salários de apaniguados funcionário que nomeou para seu gabinete de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Como foi eleito senador (na época da colheita das provas, era deputado), Flávio Bolsonaro conseguiu junto a juízes e desembargadores amigos no Superior Tribunal de Justiça e no TJ-RJ, a declaração de que o juízo de 1ª instância era incompetente (caberia o foro especial do STJ) e, com isso, obteve o principal: a anulação de todas as provas de desvio de recursos das contas dos funcionários para sua conta pessoal, conduzidas pelo faz-tudo, o PM Fabrício Queiroz. Agora, Bolsonaro quer a 1ª instância que o filho negava.
Os inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Moares, do Supremo Tribunal Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro e seus auxiliares mais próximos estão comprovando que o desrespeito às normas, explícitas nas manifestações do então presidente Jair Bolsonaro na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando disse que trocaria quadros da Polícia Federal, de delegados a superintendentes, sem excluir o diretor geral e até o ministro da Justiça e Segurança Pública, para evitar “sacanagens com seus parentes e amigos” – o que levou o ministro da Justiça, Sérgio Moro, a se demitir no dia seguinte -, virou palavra para a família, amigos& auxiliares diretos nos três anos restantes do mandato.
Pego carona no que escreveu no seu blog no site “Metrópoles” o meu amigo e colega jornalista Ricardo Noblat, um dos decanos da cobertura política no país, e que explica bem o seu desprezo pela lei e pela Constituição, apesar de, vira e mexe, dizer que estava “jogando dentro das quatro linhas”, sem o VAR, digo eu, que passou a ser o STF; Bolsonaro preferiu ir para a guerra, usou o WAR.
Disse o Noblat: “Para Bolsonaro, não faria, como não fez, diferença. Bolsonaro só desejava uma coisa: torpedear a democracia para pôr no seu lugar um regime autoritário à moda antiga com o apoio dos militares. Se tivesse sido reeleito, era o que faria com chances de êxito. Como estaria o Brasil se Bolsonaro tivesse vencido? Com mais um ministro do Supremo Tribunal Federal nomeado por ele, e outro às vésperas de ser indicado; quatro ministros de um total de 11. No Congresso, a extrema-direita estaria nadando de braçada. Por desnecessário, não teria havido a tentativa de golpe abortada em dezembro, nem acampamentos à porta de quarteis, nem o golpe fracassado do 8 de janeiro. O golpe contra a democracia fora consumado em 30 de outubro, e pela via do voto. O roubo das joias seguiria encoberto, mas caso revelado, não teria importância. Dar-se-ia um jeito de rebaixá-lo. Quem se disporia a enfrentar um governante no auge de sua força? Vida longa ao Rei, clamariam os súditos, e os derrotados que se calassem”. Só que não. Deu errado. Do começo ao fim.
Atenção ao 7 de Setembro
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, um político conciliador, formado nos quadros do PFL de Pernambuco, bem que tentou com o presidente Lula apaziguar os ânimos para o 7 de Setembro. Há uma calma aparente nas forças armadas. O discurso do general Paiva, comandante do Exército, no Dia do Soldado, advertindo para o papel legalista dos militares, ainda ecoa nas tropas. Mas já ouvi e li menções de que a bancada que tramava o golpe com Bolsonaro convoca os adeptos a trocarem o verde amarelo que era hábito, pelo luto do negro. Seria o assumir o figurino fascista dos “camisas negras”?
Um agosto doce para Lula
Nos tempos idos, as duas semanas que separavam o Dia do Soldado (15 de agosto, data do aniversário do patrono do Exército, o Duque de Caxias) e a celebração da Independência eram períodos agitados. O que contribuía para ampliar a agitação política do mês de agosto. O poder Legislativo, após o recesso de julho, retomava os trabalhos em 1º de agosto com a missão de aprovar o Orçamento da União para o ano seguinte que a União tinha de apresentar até 31 de agosto. Como era também em agosto que se fazia o preparo das terras das lavouras e os deputados e senadores voltavam de suas bases com enormes demandas dos chefes políticos locais, as pressões por verbas faziam ferver o caldeirão político. Para acomodar todas as demandas, seriam necessários um PIB e meio, pelo menos. Ao fim e ao cabo, votava-se um orçamento irrealista que só se cumpria com a disparada da inflação no ano seguinte, que tirava dinheiro do bolso dos contribuintes para os cofres oficiais.
Lula pode continuar se queixando de dores no fêmur (o que pode ser resolvido com operação no final de setembro), mas não tem motivos para se queixar de agosto. Foi um mês extremamente doce. Com conquistas no front internacional, a mais eloquente foi a ampliação do BRICS, com a junção de mais seis países (Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) ao bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, a partir de 2024, o que altera a correlação de forças políticas-econômicas no mundo. O G-7 não está sozinho. O novo BRICS faz sombra à tentativa americana de cooptar parceiros no G-20, do qual o Brasil era membro, ele avançou mesmo foi no Congresso, com aprovação do arcabouço fiscal e do Orçamento de 2024. Ainda há receitas pendentes de aprovação de novos tributos sobre fundos exclusivos de milionários (o governo quer equiparar a tributação ao “come-cotas” dos investidores comuns) e das aplicações “off-shores” em paraísos fiscais no exterior. É a política “Robin Hood”, tirar dos mais ricos para aliviar o Imposto de Renda dos mais pobres. Mas há “novos ricos” no Congresso que estão fazendo jogo duro, querendo negociar o apoio em troca de expoentes do ”Centrão” colocarem mais pés na canoa ministerial. Até aqui, Lula tem feito tantos malabarismos que podem estar aí as dores no fêmur. Um dos que entraram no Ministério na conta do “Centrão”, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (perdão, nada a ver com JK) já foi pego com a boca na botija nas maracutais da Codevasf, uma das joias da coroa do aparelho estatal cobiçadas pelo “Centrão”. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) avalista do “Centrão” e do apoio aos projetos do governo, põe os pés em duas canoas. E agrada aos barões do mercado financeiro.
Mas a sorte de Lula é que a economia vai muito melhor do que as expectativas. O crescimento do PIB é um dos fatores que garante o desenho do arcabouço fiscal. Ou seja, o cumprimento das metas de gastos em 2024 será mais fácil, sem gerar pressões inflacionárias ou aumento do endividamento público se a receita subir pelo crescimento da economia, que produz o círculo virtuoso da melhoria da distribuição da renda e realimenta o próprio consumo e o aumento dos investimentos, que vão garantir o crescimento duradouro da economia.
Haddad cumpre promessa
E nisso a estrela de Lula brilhou mais do que a do PT. O Produto Interno Bruto (PIB) – que já largara com forte crescimento no 1º trimestre (+1,9%), fruto da supersafra de grãos plantada em 2022, que provocou alta de 21% na agropecuária, derrubou a inflação dos alimentos e ajudou a recompor a renda da classe média e das camadas mais pobres, amparadas pelo Bolsa Família – cresceu 0,9% no 2º trimestre. Foi o triplo das previsões, na variação trimestral com ajuste sazonal (3,4% em termos anuais).
Ao analisar a surpresa do índice, o Banco Itaú (que previa alta de 0,4% e o Bradesco, 0,5%) explicou que a queda do setor agropecuário no 2º trimestre “foi menor que a esperada, após crescimento recorde no 1º, mas o PIB ex-agro também surpreendeu positivamente, acelerando para 1,0% na variação trimestral (0,4% no 1º), atribuindo o bom desempenho à “resiliência do mercado de trabalho e ao estímulo fiscal do período”. O Itaú destacou o consumo das famílias, que avançou dos 0,7% no 1º trimestre para 0,9%. Com esse resultado, o Itaú já considera que “o carrego estatístico para o 2º semestre” do ano, já atingiu 3,0%. O banco tinha projetado alta de 2,5% do PIB e vai revisar a meta para cima. O Bradesco não fica atrás. Considera “um carrego estatístico de 3,1% para o restante do ano” e vai revisar para cima a projeção do PIB, que era de 2,1%.
Com a fala mansa e alta dose de racionalidade, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um professor mais ligado à educação que à teoria econômica, vai conquistando mais do que o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes. Haddad já cumpriu a promessa de crescer 2,5% e deve passar de 3%.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)