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Tudo o que escrevo abaixo é dedução.
A solidariedade da organização criminosa virou pó. Não podem confiar nem na sobrevivência política, nem na lealdade do chefe.
A Operação Mãos Limpas já havia ensinado que a solidariedade de uma organização criminosa depende fundamentalmente da crença do grupo na manutenção do poder do chefe e na sua lealdade em relação ao grupo.
À medida em que as perspectivas de Bolsonaro foram sendo reduzidas, pelo peso das denúncias, emergiu o velho Bolsonaro, desleal e pensando só na própria sobrevivência. Aliás, seu lema de que um paraquedista jamais abandona o companheiro era mero jogo de cena.
Assim como outros cúmplices de Bolsonaro – Anderson Torres, Silvinei Vasques – a tática de silêncio visava enviar o coronel Cid para o matadouro, poupando o chefe. Neste momento, decidiram contratar um advogado de peso, e chegaram a Cezar Bittencourt, um dos grandes criminalistas do país.
Cézar tem uma primeira conversa com a esposa, entende sua aflição e sai a campo distribuindo entrevistas, antes de ter todos os elementos à mão.
Aí acontece o seguinte.
- Sua primeira posição é que irá defender seu cliente. E a linha de defesa era a de que ele apenas cumpria ordens. Como bom militar, não lhe cabia questionar se a ordem era para cometer crime ou não. Ele era um ajudante de ordens, de formação militar. Nessa primeira etapa, o álibi do cumprimento da ordem se sobrepunha ao julgamento sobre se cometera atos criminosos ou não. Não se separa a venda do relógio da venda das demais jóias.
- Aí esbarra no primeiro problema: o pai do coronel Cid, general Cid, também se envolveu na venda de jóias. E não tinha o álibi do filho, de ser ajudante de ordens. Manter a primeira versão significaria admitir os crimes do pai. Toca a mudar a estratégia inicial e fixar-se apenas no relógio.
- No meio do caminho, há um contato com o advogado de Jair Bolsonaro. Pode ser que não se tenha combinado nada. Pode ser que sim. Um filme que assisti, certa vez, mostrava uma estratégia de defesa. Um crime foi cometido, com dois suspeitos. Há uma disputa, com um acusando o outro né se defendendo. No final do julgamento, havia a certeza de que um dos dois cometera o crime, mas sem poder apontar objetivamente qual deles. E terminou em absolvição. Pode ter sido apenas um filme. Precisaria de um criminalista para analisar essa estratégia. O fato é que, logo em seguida, o valente comandante Bolsonaro dá entrevistas dizendo que nunca deu ordens para o coronel Cid, e ele tinha liberdade para fazer oque lhe dava na cabeça.
- Imediatamente, o advogado Cezar Bittencourt voltou a mencionar venda de relógio e de jóias, com o dinheiro sendo entregue a Bolsonaro e à Michele.
Agora, é aguardar os próximos capítulos. O que se tem de concreto é que a solidariedade da organização criminosa virou pó. Não podem, confiar nem na sobrevivência política, nem na lealdade do chefe. Percebeu-se que, se houvesse apenas um paraquedas no avião em chama, nele Bolsonaro mais um paraquedista, o primeiro impulso de Bolsonaro seria empurrar o companheiro e apossar-se do pára-quedas.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)