O DELEGADO QUE TOMARÁ O DEPOIMENTO DE TONY GARCIA ESCREVEU LIVRO DE TEOR LAVAJISTA COM AMIGO DE MORO

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

Rafael Fernandes Souza Dantas e Gebran Neto são autores de “Carreiras típicas de Estado”, obra lançada quando a Lava Jato ainda não tinha sido desmoralizada

O delegado da Polícia Federal designado para tomar o depoimento de Tony Garcia no dia 18, Rafael Fernandes Souza Dantas, tem em seu currículo a co-autoria de um livro do desembargador João Pedro Gebran Neto, do TRF-4, notório amigo de Sergio Moro.

O livro, “Carreiras típicas de Estado”, contempla experiências e conhecimentos técnicos de agentes e servidores públicos, que traçaram um panorama sobre os avanços que aconteceram na prevenção e combate à corrupção nos últimos 30 anos, como registrou a revista Veja em fevereiro de 2019, quando foi lançado.

A Lava Jato ainda estava no auge, com Sergio Moro tendo assumido o Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro um mês antes. A foto que ilustra a nota da coluna Radar de Veja é a de João Pedro Gebran Neto, que um ano antes relatou o processo no TRF-4 que condenou Lula e o tirou da eleição de 2018.

O livro tem ainda artigos de um ministro do Superior Tribunal de Justiça citado em uma conversa gravada como participante da tal festa da cueca no hotel Bourbon, em 2003. 

Essa festa, que reuniu garotas de programa e desembargadores do TRF-4, foi gravada em vídeo e teria sido usada por Sergio Moro para chantagear magistrados no Tribunal Regional Federal da 4a. Região, onde esse ministro era desembargador à época.

O livro foi coordenado pela procuradora da Fazenda Nacional em São Paulo Regina Tamami Hirose, que em entrevista à TV Senado elogiou a Lava Jato.

“O que traz à tona a operação Lava Jato, uma das mais famosas dos últimos tempos?  Mostra que há, na verdade, uma imbricação, há uma contaminação e não é só no setor público. Há quem vá lá e injete dinheiro também para isso acontecer. Existe uma participação também do setor privado”, afirmou.

Regina Hirose reproduz o discurso lavajatista ao longo da entrevista, cita a Transparência Internacional e expressa uma visão preconceituosa da desigualdade social, ao associar os movimentos de rua a um suposto desconhecimento de valores morais.

“Mesmo esses movimentos de rua, e eu moro em São Paulo, trabalho em São Paulo, você visita a avenida Paulista. Como está a avenida Paulista depois desses movimentos? Puro lixo, minha amiga. Isso sinaliza o quê? É uma demonstração de que nós temos que trabalhar uma educação, e não é só uma educação formal, de obtenção de diplomas, é uma educação moral”.

O discurso de Hirose é próprio de quem ignora o estudo do Dieese que explica a causa do aumento da pobreza no Brasil a partir de 2014. A Lava Jato causou diretamente a eliminação de 4,4 milhões de empregos e R$ 172 bilhões de desinvestimento, em valores de 2021.

No livro, ela reúne artigos de agentes públicos escritos sob a premissa de que a corrupção é o mal do Brasil e corporações de servidores de carreiras típicas de estado seriam a solução. 

Como se viu na Lava Jato, a independência dessas corporações sem controle da sociedade também leva à corrupção. 

A Lava Jato foi um projeto de poder, que atropelou a legislação e  resultou na eleição de Moro para o Senado (ele queria a presidência) e de Deltan Dallagnol e Rosângela Moro para a Câmara.

A estrela do livro foi Gebran, que, depois do desgaste da Lava Jato, deixou a 8a. Turma e foi para um setor do TRF-4 com escritório em Curitiba. 

Leandro Paulsen, outro desembargador que condenou Lula, tirou licença para estudar na Espanha, depois de uma ruidosa separação, ocorrida depois daquele julgamento que juristas consideram infame. 

Victor Laus foi o terceiro a condenar Lula num julgamento sem divergência mínima, que poderia provocar recurso e impedir a condenação. Laus sucedeu Thompson Flores na eleição seguinte para a presidência do TRF-4, com oito votos de vantagem.

Depois da presidência, Laus não conseguiu votos necessários numa eleição interna para representar a corte no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul.

O fracasso de Laus nessa eleição contrasta com a vantagem expressiva que teve no pleito para suceder Thompson Flores. Ele já não era popular entre os colegas antes dessa eleição. Então, como se elegeu presidente do TRF-4 logo depois de condenar Lula?

“Todos se lembram de que, antes do julgamento do Lula, foi vazada a informação de que o único voto divergente poderia ser o do doutor Laus. No dia, ele votou exatamente como os outros dois, e inviabilizou recurso que poderia levar a decisão para depois da eleição ou do registro da chapa. Em outras palavras, com esse voto, Lula foi tirado da disputa e foi aberta uma avenida para a eleição de Jair Bolsonaro. Isso indica que pode ter havido negociação para a eleição dele. E a contrapartida seria justamente o voto não-divergente no julgamento de janeiro de 2018”, disse um funcionário experiente do TRF-4, sob condição de anonimato.

O lavajatismo sofreu um duro impacto depois da Vaza Jato, mas continua vivo. O delegado que tomará o depoimento de Tony Garcia escreveu para o livro organizado por Regina Hirose o artigo Compliance Policial Previdenciário.

Rafael Fernandes Souza Dantas foi diretor financeiro do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal no Estado de São Paulo e superintendente da PF em Rondônia até janeiro deste ano.

Sua presença no livro que teve Gebran como estrela pode ter sido apenas uma decisão infeliz de sua carreira: fazia companhia a pessoas erradas. 

Mas seria conveniente que a investigação que tem tudo para revelar a verdadeira face de Moro fosse conduzida por um delegado absolutamente insuspeito quanto ao lavajatismo. 

JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

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