O mercado financeiro não tem dúvidas de que após um ano estabilizada em 13,75% ao ano, a taxa de juros básica da economia, a Taxa Selic, será reduzida nesta noite pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom). A torcida no setor real da economia é por um corte maior que 0,25 ponto percentual de consenso, com apostas de 0,50 p.p. e até 0,75 p.p.
A renovação de dois dos oitos diretores do Copom, com as posses de ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, na diretoria de Política Monetária, e de Aílton Aquino na de Fiscalização, deve ampliar o debate quanto à necessidade de rapidez na flexibilização para ativar a economia.
Preocupado em fazer a economia crescer, como viga mestra do arcabouço fiscal (com influência no círculo virtuoso do crescimento da renda, do emprego e do bem-estar da sociedade), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz que a economia pede 0,75. Os juros bancários estão tão altos que uma baixa de 0,25 na Selic nada altera na ponta do consumidor e dos empresários.
As apostas no sentido de um corte de 0,50 p.p. cresceram até o meio da tarde de ontem. Entretanto, o rebaixamento da nota de risco do Tesouro dos Estados Unidos pela Fitch (a mesma agência que melhorou a nota de risco do Brasil na semana passada) agitou os mercados. A Fitch rebaixa o rating soberano do país de triplo A para AA+. A decisão decorreu da avaliação de que a governança fiscal no país tem se deteriorado nos últimos anos.
Os impasses no Congresso em torno da política fiscal e do aumento do teto de endividamento exemplificam essa redução da capacidade da classe política de tomar decisões na esfera fiscal de forma não traumática. Além disso, a agência espera a continuidade da piora dos números fiscais do país nos próximos três anos. A agência projeta que a Dívida Pública como proporção do PIB alcançará 118% em 2025. Atualmente, este percentual está um pouco abaixo de 100% do PIB. A exemplo de agosto de 2011, quando a S&P rebaixou a nota dos EUA, a reação dos Treasury Bonds foi muito pequena. Apenas os ativos de risco como as ações reagiram negativamente e de forma relevante.
Mas no Brasil, o Ibovespa caiu 0,57% e o dólar voltou a subir acima de R$ 4,80, para fechar com ligeira redução a R$ 4,79, posição em que se manteve hoje, na expectativa da decisão do Copom. Aqui, a dívida líquida ronda 70% do PIB. A diferença é que o dólar é moeda de curso mundial. O real não circula além da Argentina, Paraguai e Bolívia.
LCA prevê, 0,25%, com chances de 0,50%
A LCA Consultores vinha apostando em corte parcimonioso de 0,25%, mas, em informe esta manhã, já admite chances de 0,50%: “Hoje, o Brasil deverá se juntar às economias que já começaram a flexibilizar suas políticas monetárias: é certo que o Copom começará a reduzir a taxa básica Selic na reunião desta 4ª-feira. Os mercados domésticos estão divididos em relação ao tamanho deste 1º corte: as cotações apontam probabilidade de redução de 50 pontos ligeiramente maior que a de um corte “mínimo”, de 25 pontos.
“Nossa expectativa é que o Copom reduzirá a Selic em 25 pontos, mas é possível que a decisão seja dividida – com parcela minoritária do colegiado votando por cortar o juro básico em 50 pontos.
“No nosso entender, um corte de 50 pontos não chegaria a ser incompatível com as sinalizações mais recentes do Copom de que a flexibilização monetária será um processo “parcimonioso”. Isso porque: (i) a política monetária está em patamar fortemente restritivo; (ii) os núcleos da inflação estão correndo em níveis compatíveis com as metas; (iii) o processo de desinflação está mais disseminado; (iv) as expectativas inflacionárias estão melhorando; e (v) a incerteza político-econômica refluiu, aliviando o câmbio.
“Entretanto, acreditamos que a parcela majoritária do Copom preferirá manter uma postura mais cautelosa, uma vez que: (i) cortes de juros nas economias centrais ainda estão distantes; (ii) há risco de que fatores geopolíticos e climáticos comecem a prejudicar a desinflação global; (iii) o mercado de trabalho segue fortalecido, dando fôlego a setores cuja demanda é menos sensível aos juros altos; e (iv) a inflação de serviços segue alta”, diz a LCA.
Bradesco espera 0,25%
“O Copom anunciará hoje no final do dia sua decisão de política monetária, quando, espera-se que dê início ao processo de cortes de juros. A trajetória mais benigna da inflação corrente e o recuo das expectativas de inflação tornam o cenário mais construtivo para o início do processo, ainda que as expectativas estejam acomodadas ligeiramente acima do centro da meta. A principal dúvida que permanece é se o Copom iniciará o ciclo com um corte de 0,50 p.p., ou se conduzirá um corte mais parcimonioso, de 0,25.
Persistem riscos para cima no cenário de inflação, como pressões inflacionárias globais, ou a possibilidade de ocorrência de um El Niño de grandes proporções, que pode impulsionar a inflação doméstica na virada do ano. Ainda, os dados de atividade econômica e mercado de trabalho aquecido não sancionam a percepção de urgência para um processo de cortes de juros mais agressivo.
Por fim, acreditamos que as projeções de inflação do BC para 2024 e 2025 tenham ficado estáveis em relação à última reunião, o que também sugere um início de ciclo mais parcimonioso. Dessa forma, esperamos que o Copom efetue um corte de 0,25 p.p. na reunião de hoje, levando a taxa Selic a 13,50%.
Itaú ainda teme ‘desancoragem’
“Esperamos uma redução de 25 pb da taxa Selic para 13,50% a.a. na reunião desta noite. Acreditamos que o Banco Central iniciará o atual ciclo de flexibilização com cautela, dada a dinâmica dos núcleos de inflação e das expectativas de inflação ainda acima da meta, bem como a resiliência da atividade econômica e um mercado de trabalho apertado.
A nosso ver, o balanço de riscos para a inflação continuará sendo descrito como simétrico, com as autoridades mantendo o risco de persistente desâncora das expectativas. Em seu “guidance”, o Copom deve indicar que conduzirá a política monetária necessária ao cumprimento das metas, avaliando que a flexibilização gradual da taxa básica de juros é a estratégia adequada para garantir a convergência”, diz o banco, cujo departamento de estudos econômicos é chefiado por Mário Mesquita, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central.
Santander joga na retranca
O departamento econômico do Santander, chefiado pela ex-secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, tem mantido perfil conservador. Até maio cogitava que a taxa Selic (estacionada em 13,75% ao ano desde 3 de agosto de 2022) pudesse ser elevada para mais de 14% este ano. Agora mudou. Mas, segue cauteloso quanto ao futuro, sobretudo na baixa da Selic a um dígito em 2023 (na última pesquisa Focus o mercado fez apostas entre 9,25% e 9% (previsões dos últimos cinco dias úteis). Vejam a análise:
“A expectativa é que o Copom inaugure nesta 4ª feira um ciclo de flexibilização em câmera lenta, cortando a taxa básica de juros da Selic em 25 pontos-base, para 13,50%. Em nossa opinião, qualquer coisa semelhante a uma estratégia de choque e temor seria improdutiva (para conter as expectativas de inflação) nesta fase. Olhando para o futuro, diante dos desafios do lado fiscal e dos demais elementos que conspiram contra o processo de desinflação (principalmente a sólida demanda por serviços e condições de emprego), nosso cenário ainda incorpora uma taxa Selic de dois dígitos no fim de 2024”.
Quem ganha no menor lucro da Petrobras?
A Petrobras se reuniu ontem, com toda a diretoria, à frente o presidente Jean Paul Prates, com o presidente Lula, no Palácio do Planalto, na presença do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, do ministro chefe da Casa Civil, Rui Costa, e do Secretário Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Pietro Adamo. Prates expôs ao presidente Lula os planos sobre transição energética, a nova política de preços dos combustíveis e a nova política de dividendos da estatal, que reduziu de 60% para 45% o lucro líquido, livre de dívidas, a ser distribuído aos acionistas.
A maior preocupação do presidente Lula – de resto, de todo o presidente da República desde que a Petrobras foi criada em outubro de 1953, começando a operar em maio de 1954 – foi com os riscos de elevação dos preços dos combustíveis, que desgasta qualquer governo. Diante de incertezas na economia mundial e no recrudescimento da guerra Rússia-Ucrânia, às vésperas do começo da temporada do outono-inverno no Hemisfério Norte, que sempre provoca alta de preços de combustíveis para calefação, Jean Paul Prates tranquilizou o chefe do governo: a Petrobras tem como segurar os preços, evitando as bruscas oscilações ditadas pela PPI (desativada).
Acionista X cidadão
Mas os acionistas, evidentemente, podem ficar contrariados com a redução dos lucros no 2º trimestre, que a estatal divulga amanhã, após o fechamento dos mercados. Depois de lucrar R$ 54,3 bilhões no 1º trimestre, quando os preços do petróleo estavam mais elevados, as projeções dos analistas são de que o lucro caia 50% para a média de R$ 26,7 bilhões.
Para o acionista da Petrobras a redução do lucro (e dos dividendos) implica menos recursos para a troca de carro ou uma viagem à Disney. Entretanto, para a sociedade brasileira (e o governo como acionista controlador da Petrobras tem essa responsabilidade) o reajuste menos automático dos combustíveis implica menor inflação e dá espaço para o Banco Central iniciar com mais segurança a baixa dos juros.
Cada ponto percentual de queda da Selic ao longo de 12 meses representa economia acima de R$ 42 bilhões ao Tesouro Nacional. Se a Selic cair a 12% no fim do ano e a 9% em dezembro de 2024, a economia será de pelo menos R$ 180 bilhões em 12 meses. É mais que o déficit primário do Tesouro. Ou de três anos de Bolsa Família. A Petrobras terá ajudado com R$ 25 bilhões a menos. Mas qual será o ganho geral para as famílias e as empresas com os juros menores e mais civilizados? Essa conta os economistas não fazem.
GILBERTO DE MENEZES CÔRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)