CASO MARIELLE: O QUE SE FEZ AGORA EM 5 MESES O QUE NUNCA FIZERAM EM 5 ANOS

CHARGE DE MIGUEL PAIVA

“Quando olhamos para trás, encontramos momentos cruciais que impediram o avanço das investigações”, relembra Tereza Cruvinel

Segundo a delação de Élcio de Queiroz, enquanto ele dirigia em direção ao bairro de Rocha Miranda, aonde encontrariam “Orelha” para acertar a desmontagem e o sumiço completo do carro Cobalt prata usado na execução de Marielle Franco e Anderson Gomes, Ronnie Lessa ia jogando sobre a linha férrea, de tempo em tempo, as centenas de pedacinhos em que haviam cortado a placa verdadeira do carro. Jamais seriam achados, assim como a submetralhadora do crime, que Ronnie disse ter serrado em pedaços e jogado em área funda do mar da Barra. O crime perfeito, entretanto, não existe. Se não ficaram rastros, surgirá um delator.

O que foi divulgado ontem, e a leitura é de dar engulhos, é apenas o anexo 2 da delação de Élcio. Outros anexos, mantidos em sigilo, dão às autoridades, a começar do ministro Dino, a convicção de que em breve saberemos quem foram os mandantes do crime. Mas saberemos também por que a Polícia Federal conseguiu agora, em cinco meses, o que não se conseguiu nos cinco anos em que as investigações ficaram a cargo da Polícia Civil estadual e do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Dino evita acusações, diz que provas e elementos da fase estadual foram aproveitadas, que muitos trabalharam direito mas haverá o momento de separar-se o joio do trigo. E certamente muito joio impediu que se chegasse ao esclarecimento completo do crime em cinco anos. Quando isso acontecer, muita lama vai jorrar.

Quando olhamos para trás, encontramos momentos cruciais que impediram o avanço das investigações. Em setembro de 2017, vésperas do encerramento de seu mandato, a então Procuradora Geral da República Raquel Dodge pediu ao STJ a federalização do caso, afirmando estar havendo obstrução no âmbito estadual. Na peça, ela denuncia por obstrução o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Domingos Brazão. Através de um policial federal (ou ex) lotado em seu gabinete, Gilberto Ribeiro, ele teria feito chegar à polícia uma testemunha falsa, o miliciano Ferreirinha. Este prestou depoimento e acusou um acerto Orlando Curicica pelo duplo assassinato. Por quase um ano a polícia seguiu essa pista falsa. Dodge denunciou estes quatro ao STJ porque este é o foro para membros dos tribunais de contas.

Antes da decisão, o STJ determinou uma investigação da investigação, que foi conduzida pelo delegado federal Leandro Almada. Meses depois o tribunal recusou o pedido de Dodge e o caso seguiu no âmbito estadual. Naquela fase, nem a família queria a transferência do caso para a PF comandada pelo bolsonarismo.

 

Almada ficou no ostracismo e no início do novo governo Lula foi indicado como Superintendente da PF no Rio, o que gerou muitas resistências, inclusive de políticos do estado. Até o governador teria tentado impedir a nomeação. Mas Lula, Dino e o diretor-geral da PF, Andrei Passos, bancaram a escolha. Foi sob o comando de Almada que as investigações agora avançaram, tendo como responsável pelo inquérito o delegado Guilhermo de Paula Catramby.

Este foi um dos momentos em que as investigações poderiam ter mudado de rumo, mas não mudaram. Outro foi aquele em que o porteiro do condomínio disse que Élcio pediu para ir à casa 58, a de Bolsonaro, e diante da reação do ex-presidente e de seu ministro da Justiça, Sergio Moro, recuou e disse ter se equivocado.

Então, saberemos não apenas quem mandou matar Marielle, pois é óbvio que havia mandantes acima de Edmilson Macalé, aquele que foi executado em 2021, e segundo o delator Élcio foi quem “arrumou o trabalho” para Ronnie Lessa. E saberemos também por que ficou tudo empacado durante cinco anos.

Aliás, a paralisia do processo contribuiu para que Élcio fizesse a delação. Ele conta que, já preso, Ronnie recebia R$ 10 mil mensais de Maxwel, o Suel preso ontem: R$ 5 mil iam para o pagamento do advogado de ambos e a outra metade ficava para ele, Élcio, que não tinha como manter a família. Depois o dinheiro foi minguando até que foi totalmente cortado por Suel. Ronnie estava rico. Preso e abandonado, e tendo descoberto mentiras do parceiro, fez o acordo e rompeu o pacto de silêncio.

No mais, é repugnante a leitura da delação. Depois do assassinato, os dois encontraram Suel num bar da Barra onde beberam até altas horas. Estavam de ressaca no dia seguinte quando foram levar o carro para o desmanche, enquanto os pedacinhos da placa eram disseminados na linha férrea.

Nem por isso, impedirão que venha logo a resposta para a pergunta que nunca calou: quem mandou matar Marielle?

TEREZA CRUVINEL ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)

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