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A criação desses valores terá que vir de baixo para cima, saindo da teoria para a prática, do aprendizado na prática do dia-a-dia.

A disputa por políticas econômicas têm um componente político fortíssimo, na qual as formas de legitimação de cada política têm efeito total sobre os resultados.

As políticas industriais ou desenvolvimentistas implicam em escolhas: dos setores a serem contemplados, das compras públicas, dos subsídios, dos financiamentos a taxas competitivas. E os resultados não são palpáveis, imediatos, especialmente as chamadas externalidades positivas.

Já as políticas neoliberais trabalham com promessas de resultados imediatos e nenhuma análise das chamadas externalidades negativas.

O grau de discricionariedade das políticas industriais é, ao mesmo tempo, seu bem e seu mal, devido aos seguintes fatores:.

  1. Por ser discricionária, abre espaço para estratégias anticorrupção.

Permitiu a forte ação geopolítica do Departamento de Justiça americano cooptando Ministérios Públicos e Judiciários de vários países. 

Não há nenhuma diferença da Operação Mãos Limpas, Lava Jato, as ações do MP da Coreia, que prendeu o herdeiro da Samsung, no Japão, tentando destruir a aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, na França, investindo contra a Alstom até ela vender sua linha de reatores nucleares para a General Eletric, prendendo executivos  da chinesa Huawei nos Estados Unidos .

Em todos os casos miraram nos chamados campeões nacionais, aqueles que competiam em nível global com os grandes grupos norte-americanos. O princípio central da Mãos Limpas é o de que a corrupção existia nas políticas públicas devido ao fato de ser uma economia fechada, não aberta à competição internacional – a mesmíssima lógica de legitimação da Lava Jato.

E aí, se entra em uma característica de todas as democracias ocidentais: os setores beneficiados tendem a financiar os políticos que defendem o modelo que os beneficia.

A Lava Jato não se limitou a destruir a engenharia nacional, a indústria naval, mas também todos os instrumentos de promoção da industrialização interna. Criminalizaram até linhas de crédito do BNDES, destinadas a financiar exportação de serviços; e leis aprovadas por todos os partidos, destinadas a estimular a indústria automobilística fora do sudeste.

Já os interesses dos grandes grupos financeiros são impessoais, beneficiam a todos. São fundados em princípios furados, mas aceitos pela opinião pública Uma política monetária deletéria, ou spreads extraordinários, ou a elevação irracional das taxas de juros do BNDES ou a não tributação dos ganhos financeiros não beneficiam a instituição A ou B, mas o sistema como um todo.

  1. A defasagem entre medidas adotadas e resultados apresentados e a não análise das externalidades.

Toda decisão econômica tem impactos negativos ou positivos sobre a economia – as chamadas externalidades. Em geral há uma defasagem entre a introdução de políticas públicas e os resultados apresentados. Essa defasagem faz com que relações de causa-e-efeito sejam manipuladas para a opinião pública.

Vamos a alguns exemplos.

Financiamentos do BNDES – o BNDES empresta a uma taxa inferior à cobrada para os títulos públicos. A diferença é tratada como custo fiscal – embora a taxa anormal seja a dos títulos públicos. A empresa que tomou o financiamento vai gerar novos empregos e nova produção; vai gerar uma cadeia de fornecedores; vai estimular seu entorno econômico. Em todos esses casos, além dos benefícios diretos, vai gerar mais receita fiscal, seja pela folha de salário ou impostos sobre a produção. Nada disso é considerado nas análises rasas midiáticas. Obriga-se o BNDES a aumentar o custo do financiamento, exclusivamente para abrir espaço para negócios do mercado financeiro, deixando de lado o objetivo maior, que é financiar a produção.

O caso mais emblemático da manipulação das correlações está na análise do período 2008-2010. Ali, espremido pelo senhor Crise, Lula rompe com os dogmas de mercado e passa a usar a economia para buscar soluções. O sucesso garantiu um terceiro mandato para o PT. No entanto, em 2020, havia quem atribuísse a crise e a estagnação dos últimos anos ao sucesso de 2008-2010.

  1. O custo do aprendizado.

Tome-se o caso da indústria naval. Toda indústria nascente tem uma fase de aprendizado. Nessa fase, seus custos são maiores que os custos de importação de produtos prontos. Países racionais bancam esse diferencial, com a garantia de que serão progressivamente decrescentes até atingir competitividade internacional. Por aqui, a Lava Jato destruiu a indústria naval no meio do processo.

  1. A privatização como combate à corrupção e à ineficiência

Aqui, há um completo desconhecimento dos objetivos de empresas públicas e privadas. O objetivo principal da empresa pública – especialmente em áreas fim, como saúde e educação – é a entrega do serviço; já a empresa privada privilegia o resultado.

Suponha um serviço de saúde pública, com funcionários concursados. Podem existir os mais acomodados, os menos cobrados. Mas qualquer tentativa de corrupção esbarra em um sistema de controles, no qual a estabilidade do funcionário público é peça essencial.

O maior exemplo são as chamadas Organizações Sociais de saúde. Um ato de corrupção, dentro da estrutura tradicional de uma Secretaria da Saúde, exige a cumplicidade de um sem-número de funcionários públicos. Em um contrato de OS, exige apenas a cumplicidade do prefeito ou governador.

Além disso, como empresa privada, ela busca a maximização do lucro. E um dos instrumentos é a precarização dos serviços.

Não significa que a empresa pública é eficiente. Seus modelos de gestão podem sempre ser aprimorados, mas visando os objetivos centrais, de melhorar a entrega de serviços.

5. O modelo Jack Welch de eficiência

Modelo consagrado por todo mundo ocidental, consiste em maximizar os dividendos em detrimento da qualidade do emprego, dos fornecedores, dos investimentos que garantem a perpetuidade das empresas. Esse modelo, na Eletrobras, trará implicações pesadas sobre todo o universo econômico brasileiro, por se tratar de um insumo básico, a energia.

Os caminhos políticos possíveis

Todos esses fatores dificultam enormemente a implantação e consolidação de projetos de desenvolvimento. A China e outras economias asiáticas conseguiram devido à sustentação de um partido forte. No Brasil tem-se um sistema político estraçalhado, um presidencialismo de coalizão marreta e não existe uma ideologia desenvolvimentista capaz de arregimentar corações e mentes para um projeto continuado de desenvolvimento. 

A construção desse caminho passa pelas chamadas políticas participativas. Isto é, com a participação direta dos agentes beneficiados.

Nos três governos iniciais, o PT elaborou políticas sociais preciosas em várias áreas, na educação, no combate à miséria, na saúde. Quando teve início a fase de desmonte nacional – ainda no interinato de Michel Temer – ninguém saiu às ruas para defender os avanços. O mesmo ocorreu em São Paulo, depois de uma gestão brilhante de Fernando Haddad na prefeitura. Porque eram políticas virtuosas, mas montadas de cima para baixo.

A Constituição criou instrumentos eficientes de participação, como as conferências nacionais, os conselhos de participação. Em determinado momento houve a criação do Conselhão, a tentativa de juntar as discussões industriais com a definição de prioridades tecnológicas, no âmbito da ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial). Mas tudo foi abandonado, a partir de determinado momento.

Agora, que começa a tentativa de reconstrução nacional, esses instrumentos de participação estão sendo remontados. Mas há que se aprofundar mais. Assim como o MST e o MTST lograram montar estruturas extraordinárias para definição das suas políticas internas, têm que se estimular trabalho semelhante valendo-se de redes existentes, de Associações Comerciais, de associações de pequenas empresas, de arranjos produtivos, de sindicatos e federações de indústria e comércio, ao lado de centrais sindicais.

O desenvolvimento de um país não se faz em cima de campeões nacionais, mas de visões sistêmicas, que incluam espaço para pequenas e micro empresas, para sistemas de inovação, para o entorno econômico. Uma política de fortalecimento da cadeia produtiva do boi teria sido muito mais eficiente do que a criação de frigoríficos campeões nacionais que, ganhando estatura, tornaram-se multinacionais desarticulando todo o universo de fornecedores.

A criação de valores desenvolvimentistas terá que vir de baixo para cima, saindo da teoria para a prática, do aprendizado na prática do dia-a-dia. Só assim as políticas públicas deixarão de ser tão distantes, tão afastadas do dia-a-dia e tão capturadas pela Faria Lima.

LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)

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