Do alto de seus 77 anos, curtidos na vida sindical, em mandato de deputado federal constituinte, eleito em 1986, e que abandonou para concorrer, e perder, em três tentativas, à Presidência da República (1990, 1994 e 1998), até ser eleito em 2002, e reeleito em 2006, voltando ao cargo pela 3ª vez, em 2022, o presidente Lula bateu duas vezes de frente com o jovem (37 anos) presidente do Chile, Gabriel Boric. Representante da esquerda, o presidente chileno, nascido em 1986, quando Lula iniciava seu 1º e único mandato de deputado, já tinha sido eleito duas vezes deputado quando venceu a eleição para presidente da República, em dezembro de 2021. Quando Lula convidou outros 10 presidentes da América Latina para uma reunião em Brasília, no fim de maio, e exagerou nas mesuras a Nicolas Maduro, da Venezuela, Boric fez coro ao conservador Lacalle Pou, do Uruguai, e discordou publicamente do presidente brasileiro que disse ser a acusação de que a Venezuela era uma ditadura, apenas “uma narrativa”. Boric, que esteve em Caracas, reafirmou as críticas à falta de liberdade e à perseguição aos líderes da oposição no país.
Nem bem o mal-entendido entre Lula e o presidente chileno começava a ser esquecido, em reunião esta semana, em Bruxelas, entre os presidentes da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, criada em 2011, em Caracas) e os representantes da União Europeia, o presidente brasileiro foi duramente rebatido pelo chileno quando, tentando defender um acordo de paz entre a Rússia, país invasor da Ucrânia, condenou o que considera intransigência do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.
Boric disparou não só em relação ao conflito na Criméia, como aproveitou para condenar os governos ditatoriais da Venezuela e Nicarágua. E bateu duro: “Creio que é importante que, desde a América Latina, digamos com clareza: o que acontece na Ucrânia é uma guerra de agressão imperial inaceitável, onde se viola o direito internacional. Hoje é com a Ucrânia, amanhã poderá ser com qualquer um de nós. Disso não duvidemos, apesar da complacência que possamos ter com qualquer líder. O importante é o respeito ao direito internacional. Nesse caso, ele foi claramente violado. Não pelas duas partes, mas pela invasora que é a Rússia”.
Indagado pelos jornalistas presentes em Bruxelas, ao fim da reunião de cúpula, sobre o novo racha entre os países latino-americanos, Lula desconversou, insinuando que “possivelmente, a falta de costume de participar dessas reuniões (presidenciais) faz com que o jovem (Boric) seja mais sequioso, mais apressado”. Gabriel Boric evitou realimentar a polêmica. Apenas sustentou suas posições em defesa da Democracia e no respeito às regras internacionais de soberania e de não agressão a outros países.
Mas esta semana, depois de voltar a dar expediente político-administrativo no Palácio do Planalto, em Brasília, para desarmar espíritos e o poderio bélico disseminado por Bolsonaro, com a nova regulamentação restritiva ao porte de armas, após a cansativa viagem a Bruxelas com escala em Cabo Verde, na África, e se preparar durante o recesso parlamentar, para trocar algumas peças do ministério para garantir alianças com partidos conservadores no Congresso, o presidente Lula pode ter inveja do jovem colega chileno. Basta tomar conhecimento de que o Banco Central do Chile (independente desde 1989, ano em que Lula disputou a presidência contra Fernando Collor, enquanto a independência do Banco Central do Brasil foi aprovada em fevereiro de 2021), cogita reduzir, na reunião do próximo dia 28, em até um ponto percentual a taxa de juros básica do país, que está em 11,25% ao ano.
O consenso do mercado financeiro local, compartilhado pelo Banco Itaú do Chile, é de uma baixa de meio ponto percentual, para 10,75%, mas os sinais de recessão estão ficando tão fortes no país que cresceram as apostas de uma baixa inicial mais profunda, de 0,75 p.p. até 1 ponto. Por sinal, esta semana será importante na definição das taxas de juros pelos principais Bancos Centrais do mundo. O Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, deve encerrar seu ciclo de alta dos juros com o último movimento de 0,25 p.p. para a faixa de 5,25%-5,50%. O Banco Central Europeu deve encerrar também seu ciclo de alta com nova alta de 0,25 no piso dos juros do Euro. E até o Banco da Inglaterra baixou o ímpeto altista depois que a inflação cedeu, junto com o esfriamento da economia. Teme-se a recessão pela alta dose de juros.
O que acontecer lá fora será uma pista para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, dia 1 e 2 de agosto, quando haverá a primeira redução da taxa Selic desde os 13,75% ao ano fixados em 3 de agosto de 2022, já com a presença no Copom dos dois diretores indicados por Lula: Gabriel Galípolo, para a diretoria de Política Monetária, e Aílton Aquino para a de Fiscalização. De agosto para cá, a inflação vem desacelerando. Inicialmente, com as medidas eleitoreiras de cortes de impostos (federais e estaduais) pelo ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, para tentar reeleger o presidente Bolsonaro, junto com a enxurrada de benesses aos eleitores (aumento do Auxílio Emergencial de R$ 400 para R$ 600 e pagamento de seis mesadas de R$ 1 mil a caminhoneiros autônomos e taxistas). A inflação caiu de 11% para 5,79%. Como a Selic ficou estável, o piso do juro real aumentou e chegou a superar os 10% em junho, com a baixa dos preços dos alimentos, devido à supersafra de 2022-23 e à nova política de preços da Petrobras, que vem derrubando os preços da gasolina, do diesel, do GLP e do gás natural. Particularmente, defendo uma baixa mínima inicial de 0,50 p.p. para 13,25%.
Lula, que não se cansa de criticar o Banco Central, por ignorar a realidade dos avanços fiscais do governo, não precisa ter inveja de Gabriel Boric. Basta que outro Gabriel, o Galípolo, areje o debate no Copom, mostrando aos demais pares os esforços do governo Lula na agenda fiscal, com o novo Arcabouço que vem sendo bem absorvido pelo Congresso, junto com a Reforma Tributária, aprovada em primeira etapa na Câmara dos Deputados. Mas assim como Lula julga Boric apressado nas questões internacionais, entende-se a pressa do presidente em realizar suas promessas de campanha que esbarram na lentidão e, por que não dizer, no “pé atrás” do Banco Central em reconhecer as boas intenções da equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e tirar o pé do freio para fazer a economia deslanchar. Mas, para não ter de criar um Desenrola para a dúvida pública, o governo não pode sair gastando adoidado. Após a forte alta de 1,9% no 1º trimestre, puxada pela colheita agrícola (plantada em 2022), Bradesco e Itaú esperam desaceleração a 0,3% no PIB do 2º trimestre.
O desenho do Arcabouço Fiscal funciona melhor com a economia crescendo, pois é o giro da roda da economia que faz aumentar a produção, a renda e os empregos, melhorando o bem-estar de toda a sociedade, o que facilita a atuação do governo para corrigir as carências e desigualdades. Por sinal, na 6ª feira, ao fazer um balanço das receitas e despesas do governo, o Ministério do Planejamento e Orçamento fez uma revisão do resultado primário (receita menos despesas, sem contar os juros da dívida), com déficit de R$ 145,4 bilhões, um aumento de 1,3% para 1,4% em relação ao PIB. O objetivo da equipe econômica é reduzir o déficit e ficar em torno de 1% do PIB. Para 2024, a meta é zerar o rombo nas contas. A estimativa do mercado passou de déficit primário de R$ 136,2 bilhões para R$ 145,4 bilhões na reavaliação do bimestre. O governo foi autorizado a ter déficit primário de R$ 238 bilhões em 2023. Mas, para não estourar as contas, tem de fazer contingenciamento de R$ 1,5 bilhão.
Por não reconhecer as boas intenções do governo, o Banco Central tem errado muito nas suas projeções de inflação (desmentidas pela realidade bem mais suave). Na semana que passou, além do erro, o BC ensaiou uma ofensa, ao sugerir, internamente, que cada diretor solicitasse ao presidente e com ele discutisse previamente temas a serem tratados em entrevistas à imprensa. Parecia (e era) uma pressão contra Galípolo e Aquino. O assunto veio à tona e o Banco Central desmentiu a intenção de censura. Antes assim.
Pelo sim, pelo não, já alterando seu modo de auscultar o mercado a cada 6ª feira na Pesquisa Focus, que divulga às segundas-feiras, o Banco Central tirou várias perguntas presentes no questionário anterior: riscos para PIB em 2023 e 2024; projeções para o hiato do produto (medida de ociosidade da economia), nos primeiro e quarto trimestres deste ano e no último trimestre do ano que vem; estimativas para o balanço de pagamentos em 2023; projeções para a variação do saldo nominal do crédito em 2023; estimativas para taxas de juros neutra e de crescimento do PIB potencial – em ambos os casos, no curto prazo, em dois anos e cincos anos. Já dizia Nelson Rodrigues, “melhor cair das nuvens do que no 11º andar”. Ou dos juros de 13,75% para a casa de 10%.
Petrobras turbina PIB e baixa inflação
A Petrobras divulga nesta 3ª feira, 25 de julho, o relatório de produção e vendas do 2º trimestre (1º de abril a 30 de junho). O resultado financeiro será conhecido na semana seguinte, em 3 de agosto (5ª feira), após o fechamento do mercado. Trata-se do 1º resultado da gestão de Jean Paul Prates com a plena substituição do famigerado PPI (paridade de preço internacional), criado em 2016, cujo aumento contínuo dos preços dos combustíveis no mercado interno (atrelados às cotações internacionais atualizadas pelo câmbio) levou à greve dos caminhoneiros, em maio-junho de 2018, e fez o ex-presidente Jair Bolsonaro, inconformado com a escalada dos preços, que derrubava sua popularidade (e as chances de reeleição), demitir quatro presidentes da estatal e depois de demitir, em maio do ano passado, o ministro das Minas Energia (o almirante Bento Albuquerque, que lhe trouxera as joias da Arábia Saudita escondidas da Alfândega) anunciar a privatização da estatal. Então, autorizou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a fazer a maior intervenção econômica nos preços dos combustíveis na vigência do Real. Também não deu certo.
Ganhou Lula, que prometeu na campanha “abrasileirar os preços”. Prometeu e vem cumprindo sob o comando de Jean Paul Prates. Se Bolsonaro tivesse sido reeleito, nessa altura do ano, estaria anunciando a privatização da Petrobras a preço de banana, como fez com a Eletrobrás e a BR Distribuidora. A criação do PPI era a porta de saída para a privatização dos negócios da Petrobras. Ao equiparar os preços do mercado doméstico aos preços internacionais, a Petrobras ficava limitada em tirar proveito de suas vantagens comparativas, como extrair mais de 77% da produção nacional do petróleo a baixíssimo custo das gigantescas reservas do pré-sal e não usar na plenitude o seu parque de refino. O desenho de encolhimento da Petrobras a condenava a vender 50% do parque do refino, para facilitar as importações, e seu confinamento a uma empresa de exploração e produção de petróleo. Entre as refinarias que seriam vendidas estavam a Alberto Pasqualini (RS), Getúlio Vargas (PR), Gabriel Passos (MG), Abreu e Lima (PE), Guamaré (RN), Manaus (AM) e a pioneira Landulfo Alves (BA). As duas últimas foram vendidas.
A Relam, em condições mal-explicadas ao fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, e sem maiores exigências de investimento. Coube a Lula, em visita este ano aos EAU, firmar um compromisso de modernização e expansão da refinaria, incluindo a construção de tanques para estocagem de diesel vegetal (para a produção do menos poluente diesel S-10, com o beneficiamento do óleo da soja e do caroço de algodão produzidos em alta escala no oeste da Bahia). A retomada da produção das refinarias da Petrobras foi notável, com sucessivos recordes de utilização da capacidade instalada, que chegou a 93% em junho. E o uso dos fatores brasileiros (72% do óleo do pré-sal estão sendo refinados, um recorde), além de gerar uma política de preços que vem derrubando a inflação, ao lado da supersafra de alimentos (que o diesel com o preço mais baixo desde agosto do ano passado), vem sendo captado também pelo IBGE no aumento da produção de petróleo e gás e na maior utilização do parque de refino, com maior produção de coque e combustíveis. Só a produção de gasolina aumentou 29%, gerando mais renda, empregos e impostos no país. Os acionistas podem lucrar menos, mas o país lucrará mais, com a maior utilização dos ativos da Petrobras.
O dado mais interessante, para não dizer pitoresco, diz respeito ao que aconteceu no mercado de gás. Paulo Guedes vivia espalhando que a desregulamentação do mercado de gás (para isso a Petrobras foi forçada a vender suas redes de distribuição ao Nordeste, para o Sudeste e o Sul) iria gerar um choque nos preços para o consumidor, com redução de 30% a 50%. A realidade foi inversa: os preços subiram mais de 30%. E a Petrobras, condenada a virar uma mera produtora de petróleo e gás, atrasou, no governo Bolsonaro, os investimentos nas redes de transporte do gás extraído junto com o petróleo nas áreas do pré-sal na Bacia de Santos, tanto no litoral do Rio de Janeiro quanto no de São Paulo.
A gestão de Jean Paul Prates, empossado em 26 de janeiro e só homologado na Assembleia de Acionistas de 27 de abril, já baixou em quase 25% os preços do gás natural às distribuidoras. Este mês, a estatal assinou contratos com as maiores distribuidoras do país (Comgás, de São Paulo, e a pernambucana Copergás) para distribuição crescente de gás de janeiro de 2024 até 2032. Na falta de investimentos para levar o gás do mar aos centros de distribuição em terra, ele é reinjetado nos poços. Do ponto de vista da ecologia, há redução das emissões de gás carbônico, que pode ser monetizada.
Desafios da transição energética
A transição energética, por sinal, é o grande desafio da Petrobras. A companhia pouco fez para a transição energética no governo Bolsonaro (de resto toda a questão ecológica e compromissos internacionais foram ignorados), já que a intenção era a sua privatização. No governo Lula, a companhia está retomando sua função estratégica, que sempre ajudou a ampliar o parque produtivo nacional, desde os fornecedores de aço para tancagem, tubulação e máquinas para as torres de refino, até as tecnologias pioneiras do pré-sal, amplamente premiadas da feira da OTC (em Houston, no Texas).
Uma das investidas da estatal é a transição energética, com o desenvolvimento de energia eólica nas plataformas que estão sendo desativadas na Bacia de Campos, e substituídas por sistemas de produção concentrados em grandes FPSO (navios que saparam o óleo e o gás da água do mar e fazem a estocagem até o transbordo para os navios aliviadores de gás e petróleo). Mas o hidrogênio verde, o futuro da indústria de energia (incluso o petróleo), só poderá ter certificação para negociação como “commodity” com garantia de uso zero de fontes fósseis na sua produção. Isso exige grande transformação.
Tão logo tomou posse, além de fazer convênios com grandes companhias com experiência avançada na produção de hidrogênio verde, como a Equinor, estatal da Noruega, seguindo orientação do presidente Lula, o presidente da Petrobras acertou com o BNDES, o banco de fomento do país, a constituição de grupo de trabalho para que o banco viesse a dar suporte à expansão do parque de fornecedores da estatal. Em junho, Jean Paul Prates e o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, assinaram um Acordo de Cooperação Técnica para formação da Comissão Mista BNDES-Petrobras, voltada às áreas de óleo e gás, com focos em pesquisa científica; transição energética e descarbonização; desenvolvimento produtivo e governança. O objetivo é identificar oportunidades para ampliação das encomendas e do conteúdo local ao parque produtivo nacional.
Como prova da disposição, em 20 de julho, a Petrobras tomou iniciativa louvável: a estatal, recordista brasileira em depósitos de patentes, fez uma oferta inédita de 214 tecnologias para o mercado fornecedor. O objetivo é acelerar a implantação de inovações e contribuir para desenvolvimento de fornecedores que possam implementar as tecnologias associadas aos negócios da companhia. Os fornecedores passam a ter acesso a tecnologias de ponta, desenvolvidas por uma das maiores empresas do setor de energia, e poderão comercializar os produtos para toda a indústria, mediante pagamento de “royalties”. As oportunidades são nas áreas de Exploração e Produção, Desenvolvimento da Produção, Refino e Sustentabilidade.
Quantas atividades do complexo industrial do país, como a área de medicina, vacinas e de equipamentos médico-cirúrgicos não podem ser desenvolvidas? O sucesso da Embraer começou assim. Há muito o que fazer na área de material bélico. No desenvolvimento de tecnologias agrícolas e beneficiamento, na agroindústria, dos produtos vindos da lavoura, com aumento de valor agregado e geração de emprego, renda e divisas no “upgrade” tecnológico da produção. A não privatização da Petrobras foi o 1º passo. Falta agora a descarbonização da economia se estender ao ambiente político, desarmado.
GILBERTO DE MENEZES CÕRTES ” JORNAL DO BRASIL” ( BRASIL)