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Espera-se que o exemplo novaiorquino aborte a intenção do governo de mudar a participação da saúde e educação no orçamento.
Fiel à sua origem, o Instituto Roosevelt, nos Estados Unidos, é um defensor intransigente do aprofundamento da democracia, como peça essencial para políticas industriais e de desenvolvimento.
De fato, este é o único caminho para sociedades democráticas. A China converteu-se na maior potência econômica do planeta por ter um projeto de longo prazo fortemente enfeixado nas mãos do Partido Comunista.
Ambientes democráticos exigem consensos complexos. E não se chega a consensos com políticas formadas em gabinetes.
Analisando o sucesso e os fracassos dessa política, o Instituto elaborou uma série de princípios para uma política industrial bem sucedida, montando uma estrutura de “Marketcrafting” termo que se refere o processo de formação de mercados por meio de políticas públicas governamentais, ou seja, uma política industrial.
O termo “Marketcrafting” foi criado por Steven K. Vogel em seu livro Marketcraft: How Governments Make Markets Work . Vogel argumenta que os mercados não são naturais ou inevitáveis, mas sim o produto da intervenção governamental deliberada.
Ele identifica três áreas principais onde os governos podem atuar:
- Criação de mercados . Os governos podem criar mercados fornecendo infraestrutura, como estradas e portos, ou fornecendo subsídios ou incentivos fiscais para incentivar o investimento.
- Moldando mercados . Os governos podem moldar os mercados regulando preços, estabelecendo padrões ou fornecendo informações aos consumidores.
- Protegendo os mercados . Os governos podem proteger os mercados da concorrência estrangeira impondo tarifas ou cotas.
Na pátria da financeirização, o governo dos EUA usou o marketcrafting para ajudar a criar a indústria de semicondutores nas décadas de 1950 e 1960.
A grande mudança ocorrida nos últimos tempos foi que a onda neoliberal refluiu e as políticas de “marketcrafting” passaram a ser enunciadas abertamente.
Segundo o receituário do Instituto, para ser bem sucedido, o marketcrafting exige um conjunto de princípios:
Missão – Os formuladores de políticas devem articular claramente os objetivos da política e organizar coalizões políticas e institucionais para sustentar o apoio a ela
Implementação, coordenação e manutenção – Os formuladores de políticas devem desenvolver um plano tanto para a implementação imediata da política quanto para as ações contínuas necessárias para manter as condições de seu sucesso.
Responsabilidade: A política deve ser projetada para efetuar uma distribuição justa de ganhos econômicos e políticos e incluir mecanismos para revisão e revisão contínua para responsabilizar os atores políticos e de mercado.
O Pre-K para Todos
Em um país que comandou a financeirização mais selvagem dos últimos cem anos, há um ceticismo amplo em relação ao poder e à capacidade do Estado. O Instituto foi buscar em um programa educacional o exemplo acabado de que o marketcrafting sendo bem executado, pode ser democrático e conquistar resultados políticos expressivos.
A experiência analisada foi o programa Pre-K para Todos, de Nova York, que, segundo o Instituto, antecipou uma nova era de política industrial.
Lembra o Instituto que, com o início da implementação da Lei de Emprego e Investimento em Infraestrutura (IIJA), da Lei de Redução da Inflação (IRA) e da Lei CHIPS e da Ciência, a discussão sobre “política industrial” mudou da academia e dos grupos de reflexão para a grande imprensa.
Dois desafios apareceram. O primeiro, se há “capacidade do Estado” para construir a infraestrutura física necessária para a transição para uma economia mais verde e competitiva. Segundo, seria necessário simplificar processos de planejamento e permissão para ter sucesso?
Em passado recente, as reformas desse processo tornaram as comunidades da linha de frente mais vulneráveis à exploração, provocando a erosão da confiança necessária para o sucesso.
Com o “Pré-K for All”, de 2014, a questão do orçamento participativo voltou à tona. Em apenas dois anos, Nova York criou um programa de pré-escola gratuito e de alta qualidade, atendendo a cerca de 70 mil crianças de dois a quatro anos. E valendo-se do poder de mobilização do orçamento participativo.
Responsável pelo programa, Josh Wallack lembra que
“A política industrial é mais do que fábricas e tecnologia. É fundamentalmente sobre o nosso poder de moldar a economia para atender às nossas necessidades. A cidade de Nova York demonstrou o potencial da política industrial para a primeira infância ao traduzir um mandato de política eleitoral em um programa de alta qualidade que mudou a vida cotidiana de dezenas de milhares de crianças. O programa também gerou benefícios significativos para os nova-iorquinos, criando uma justificativa para uma ação mais coletiva”.
Os paralelos com políticas industriais deram-se nas seguintes frentes:
- Estratégia do lado da oferta: a cidade de Nova York aumentou a oferta de pré-escola, criando um sistema público no que era um mercado privado fora do alcance da maioria – em vez do que subsidiar a demanda por meio da emissão de vouchers, créditos fiscais ou bolsas de estudo para as famílias.
- Construindo a capacidade do estado: O esforço para construir essa oferta exigiu a expansão da capacidade do estado para mover-se eficientemente através de processos de desenvolvimento com muitos pontos de veto. Wallack explica como seu escritório se organizou para trabalhar com uma ampla variedade de constituintes e agências para obter 1.800 locais – incluindo escolas distritais, programas executados por parceiros comunitários sob contrato com a cidade e programas administrados pela cidade em espaços recém-adquiridos construídos pela cidade – funcionando com menos de dois anos.
No seu relatório, Wallack considera que processos participativos mais fortes poderiam ter levado a resultados melhores, mais eficientes e mais equitativos. “Um programa que direcionasse recursos para crianças que vivem nas comunidades negras de Nova York como parte de um esforço maior para criar uma cidade antirracista, justa e livre.”
A lição final
“No final, a questão fundamental com a política para a primeira infância, como com todas as políticas industriais, é reunir a vontade política de fazer e manter os investimentos críticos – neste caso, aqueles de que precisamos para sustentar e cuidar de nós mesmos e de nossos filhos. Processos e instituições são extremamente importantes, mas esse tópico começa e termina, como aconteceu na cidade de Nova York, com a luta política para colocar mais recursos de que precisamos sob controle democrático”, disse Wallack.
No Brasil, foge-se desse discurso como o diabo da cruz. E haja arcabouço fiscal, lei do teto, independência do BC, a crença de que o banco segue princípios científicos. Espera-se que o exemplo novaiorquino aborte a intenção do governo de mudar a participação da saúde e educação no orçamento.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)