Segundo a representação, juíza quebrou acordo de colaboração do empresário por retaliação da Lava Jato e ignorou as denúncias contra Sergio Moro
O corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luiz Felipe Salomão, aceitou representação disciplinar apresentada pelo empresário Antônio Celso Garcia, o Tony, e deu quinze dias de prazo para a juíza Gabriela Hardt apresentar defesa.
A reclamação de Tony se refere a fatos que retratam, aparentemente, abuso, prevaricação e parcialidade da magistrada, a partir de 2019, quando, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal, iniciou ação para quebrar o acordo de colaboração homologado por Sergio Moro em 2004.
Com esse acordo, Tony Garcia havia se tornado, na prática, agente infiltrado de Moro e gravou alvos indicados por ele. As pessoas gravadas ou atraídas por Tony não tinham nenhuma relação com o consórcio Garibaldi, objeto de um processo antigo, pelo qual o juiz havia decretado sua prisão.
Para o empresário, o pedido de rescisão do acordo de colaboração era vingança do Ministério Público Federal em Curitiba, em razão de Tony Garcia, alguns meses antes, ter se recusado a entregar, voluntariamente, gravação que incriminava o ex-governador Beto Richa.
Tony exigiu que, em contrapartida, o grupo de procuradores coordenados por Deltan Dallagnol concordasse com um novo acordo que ele estava celebrando com o Ministério Público do Estado do Paraná.
O MPF acabou concordando, mas, pouco tempo depois, exumou o acordo antigo, para torná-lo sem efeito, o que poderia levar Tony Garcia de volta à prisão e também lhe causar danos patrimoniais. Para Tony Garcia, Gabriela Hardt fez um jogo combinado com os procuradores da república no Paraná. Por trás deles, estaria a liderança de Moro.
Em março de 2021, já respondendo à ação de rescisão do acordo, Tony prestou depoimento a Gabriela Hardt e quebrou o silêncio, como anotaram seus advogados na representação disciplinar protocolada no CNJ em 3 de julho.
“O Reclamante apresentou defesa escrita (ANEXO 8) e a pretensão rescisória foi recebida pela Reclamada (ANEXO 9). Durante a instrução, o Reclamante foi interrogado em 04/03/2021 (ANEXO 10), oportunidade na qual noticiou o cometimento de crimes por parte do Senador da República Sérgio Fernando Moro e determinados Procuradores – inclusive Regionais – da República”, diz a reclamação.
Nesse depoimento a Gabriela Hardt, Tony Garcia contou que foi agente infiltrado de Moro, que o orientou a gravar alvos, alguns com foro privilegiado. Também trabalhou com agentes secretos, que ele acredita serem da Abin, e ajudou a fazer interceptações telefônicas sem autorização judicial prévia.
Gabriela Hardt não tomou nenhuma providência em relação às denúncias, e quebrou o acordo de 2004 numa sentença de novembro do ano passado.
A defesa de Tony Garcia apresentou embargos de declaração, que seriam analisados por Eduardo Appio, depois de assumir a 13a. Vara Federal, em fevereiro.
No entanto, o juiz viu o depoimento de Tony e, diante da gravidade das denúncias, o enviou para o Supremo Tribunal Federal, já que Moro, como senador, tem foro privilegiado.
Appio, no entanto, acabaria afastado pelo TRF-4, num episódio estranho. A filha de Moro gravou o que parece ser um trote passado a seu namorado, o advogado João Eduardo Malucelli.
Uma pessoa dizendo ser Eduardo Appio perguntava se João Eduardo era filho do desembargador Marcelo Malucelli, do TRF-4.
A resposta foi positiva e comprometeu o desembargador, pois João Eduardo é sócio de Moro num escritório de advocacia e tem cargo em um gabinete político ligado ao ex-juiz.
Malucelli, o desembargador, era quem derrubava as decisões de Appio no TRF-4, apesar de suas evidentes ligações com Moro. Apesar disso, Malucelli continuou no TRF-4 e Appio não pode hoje nem sequer entrar no fórum.
O TRF-4 atribuiu o telefonema a Appio, e o afastou mesmo sem ouvi-lo. Um dos efeitos de sua saída foi justamente dar a Gabriela Hardt a oportunidade de retomar a ação contra Tony Garcia e blindar Moro.
Um dia depois do afastamento do juiz, Gabriela suspendeu o envio do depoimento ao STF e marcou audiência para julgar Tony, o que poderia levá-lo de volta à prisão.
Tony Garcia quebrou o silêncio pela segunda vez, ao dar entrevista ao Brasil 247 em 5 de junho, para contar tudo o que se passava nos bastidores. Ao mesmo tempo, seus advogados prepararam a reclamação disciplinar contra Gabriela Hardt.
“O procedimento adotado, a claro toque de caixa, evidenciou o interesse da Reclamada (Gabriela) na condução dos feitos envolvendo o Reclamante (Tony)”, dizem.
Os advogados destacam que Gabriela Hardt violou o princípio da impessoalidade.
Nesta segunda-feira (17), o corregedor Luiz Felipe Salomão aceitou a representação.
“Considerando o contexto apresentado e tendo em vista a linha tênue que separa os atos simplesmente jurisdicionais dos que detêm relevância correcional, bem como a cautela peculiar afeta à atuação da Corregedoria Nacional de Justiça, salutar a apuração dos fatos”, escreveu em seu despacho.
“Ante o exposto, com fundamento no art. 67, §3º, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, notifique-se a magistrada GABRIELA HARDT para que, no prazo de 15 (quinze) dias, preste informações acerca dos fatos narrados”, finalizou.
No cabeçalho da decisão, o corregedor Salomão sintetiza:
“RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. JUÍZA FEDERAL SUBSTITUTA. ALEGAÇÃO DE PARCIALIDADE. SUPOSTA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE TAMBÉM CONFIGURARIA ILÍCITO PENAL. PRAZO PARA INFORMAÇÕES.”
Um possível ilícito penal seria prevaricação, crime previsto no artigo 319 do Código Penal: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.”
JOAQUIM DE CARVALHO ” BLOG BRASIL 247″ ( BRASIL)