O JOVEM DARWIN
As nove ilhas do ensolarado arquipélago de Cabo Verde, distante cerca de 570 quilômetros da costa ocidental da África, à altura da Mauritânia e o Senegal, quase a mesma distância entre o Rio de Janeiro e Curitiba, eram territórios completamente desabitadas, quando lá chegaram os descobridores, em 1456, comandados pelo explorador português Diogo Gomes (1420 – 1502), originário de uma família aristocrática de Sintra.
Cabo Verde se tornaria rapidamente vital para a Coroa de Lisboa e, ainda no século XV, foi o ponto de referência do Papa Alexandre VI (1431 – 1503), nome usado por Rodrigo Borgia, espanhol da Província de Valencia, ao estabelecer as fronteiras meridionais do planeta, em 1494, durante o histórico Tratado de Tordesilhas, assinado pelo Rei de Portugal, Dom João II (1455 – 1495), o mítico Príncipe Perfeito, e a Rainha de Castela, Isabel I (1451 – 1504), La Catolica.
Os dois reinos ibéricos, a rigor, partilharam, com a benção do Santo Padre, todas as terras ao Sul da Europa. Três séculos mais tarde, há 185 anos, também o autor da célebre Teoria da Evolução, o naturalista inglês Charles Darwin (1809 – 1882), às vésperas de completar 23 anos, teria Cabo Verde como foco nos estudos que revolucionaram o conhecimento da humanidade sobre a origem das espécies. Formam o arquipélago as ilhas Boa Vista, Brava, Maio, Sal, São Nicolau, Fogo, Santo Antão, Santiago e São Vicente. Darwin visitou Santiago, a maior delas, e, sob o intenso mormaço, descobriu 210 espécies, incluindo 123 invertebrados e 42 plantas e algas.
Ele chegou a bordo do navio britânico Beagle, com o formato de caravela, no dia 16 de janeiro de 1832, no pequeno cais da cidade de Praia, capital de Santiago e da atual República de Cabo Verde – independente desde 1975 de Lisboa. A embarcação de Darwin daria nome ao Estreito de Beagle, que separa, no extremo Sul das Américas, a Argentina do Chile.
O Beagle tinha como missão dar a volta ao mundo e prestar apoio às pesquisas do naturalista. Permaneceu ancorado por 23 dias nas águas de Praia e Darwin visitaria, montado a cavalo, as localidades santiaguenses de Ribeirão Grande e São Domingos. Deslumbrou-se com a vegetação tropical, embora com vastas áreas inóspitas, porque estava habituado ao cenário das florestas e campos do Reino Unido.
Darwin fez observações sobre a ‘visão desoladora’, a partir de Praia, nos escritos publicados em 1839, com o título de Diário e Anotações, cobrindo todo o longo itinerário percorrido no périplo. O diário começa justamente em Praia. Após as descobertas cabo-verdianas, seguiu rumo à Terra do Fogo, na Argentina, com duas escalas no Brasil – primeiro, na Bahia, no porto de Salvador, prosseguindo em direção ao Rio de Janeiro, capital do País, onde Dom Pedro II (1825 – 1891), O Magnânimo, já havia sido coroado, porém, por ser menor de idade, a nação estava sob a Regência de três parlamentares liderados pelo Senador carioca Francisco de Lima e Silva (1785 – 1853).
Foi igualmente desoladora a visão de Darwin sobre Salvador, com escravos africanos por todos os lados, e mesmo do Rio de Janeiro, que fora capital do Império Português de 1808 a 1921. O Beagle fez escala na Patagônia, na Argentina, e nas britânicas Ilhas Falklands – reivindicadas por Buenos Aires como Malvinas.
Causam polêmicas até hoje as descobertas de Darwin sobre a origem das espécies, publicadas pela primeira vez em 1859, porque ‘questionariam’ a criação divina do universo. Cabo Verde foi, como no Tratado de Tordesilhas, o divisor de águas do naturalista.
ALBINO CASTRO ” PORTUGAL EM FOCO” ( BRASIL / PORTUGAL)
Albino Castro é jornalista e historiador